Democracia Eleitoral e Políticas Públicas.
Introdução:
Desenvolvimento e Democracia
O regime democrático pauta-se como é sabido pela competitividade dos partidos políticos e circularidade nas posições de autoridade. Desde o ponto de vista da comunidade internacional de desenvolvimento, isto compreende as duas características que definem a democracia, seguintes: (a) – a renovação periódica dos mandatos dos líderes por meio de eleições competitivas; (b) – a afirmação de um conjunto de direitos básicos de expressão e organização que facilitam o exercício das opções políticas.
Todavia, não basta que os países sejam democráticos: a substância ou a qualidade de suas democracias é igualmente importante. Sob o aspecto do desenvolvimento, a democracia oferece a possibilidade de tornar mais efetiva a cidadania, favorecendo a participação na formulação das políticas de governo e oportunidades para pedir contas dos serviços públicos, além de maior transparência e a resolução dos interesses contenciosos através dos meios constitucionais e não-violentos.
Dentre os fatores democráticos que concorrem para a maior coerência e eficácia das políticas públicas inclui-se o regime do voto, cabendo ao eleitor por suas escolhas configurar uma tendência para as políticas públicas. Daí a indispensabilidade do voto facultativo para o aperfeiçoamento das democracias que ainda não conseguiram ultrapassar o voto obrigatório (como, por exemplo: Brasil, Argentina, Peru). Neste sentido é válida a luta contra a abusiva imposição de penalizações cominadas sobre o eleitor votante nos regimes de voto obrigatório – notando o caso do Brasil. Tanto mais que o voto livre é uma aspiração democrática comprovada.
Mas não é tudo. No esforço coletivo em favor da mudança para o voto facultativo nos países da América Latina, a luta pela supressão da abusiva imposição de penalizações cominadas sobre o eleitor votante é uma atitude que atende à Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de diciembre de 1948,que preconiza a votação livre como direito fundamental do homem (cf. Artigo 21).
Vê-se claramente que a imposição daquela cominação, em razão do suposto absenteísmo ou por qualquer que seja a razão, segrega na melhor das hipóteses uma contradição do desenvolvimento, tanto em face da liberdade de voto quanto de sua garantia, haja vista que o eleitor obrigado a votar o faz não por motivação política, mas por obediência [i].
Aspiração democrática comprovada
Para quem ainda acha que sob o voto facultativo os eleitores deixariam de votar, cabe lembrar uma pesquisa publicada em 16 de Outubro de 2007, então comentada em um blog do Observatório da Imprensa. Nota-se ali a preferência da maioria absoluta dos entrevistados (59%) pelo voto facultativo. O destaque é o seguinte: “O montante de pessoas favoráveis ao voto facultativo, praticamente igual ao daqueles que iriam votar se não fosse obrigatório, é inversamente proporcional ao interesse dos políticos em discutir o assunto. […] O apoio ao voto facultativo aparece de forma espontânea, sem que existam campanhas a respeito, nem um único político levantando a lebre para a discussão”.Quer dizer, (1) – existe uma aspiração há algum tempo comprovada em números para que o voto facultativo seja adotado na Democracia brasileira; (2) – a maioria dos eleitores é favorável ao voto facultativo; (3) – as pessoas favoráveis ao voto facultativo votariam se não fosse obrigatório, (4) – dado que a corrente pelo voto facultativo expande-se independente dos representantes políticos, cabe reconhecer que o problema do voto obrigatório é diferenciado e seu estudo não se reduz ao sistema de representação de interesses. Aliás, alguns cientistas políticos chamam a atenção para a relevância em analisar diferenciadamente a relação entre o comparecimento eleitoral e o grau de compromisso dos cidadãos com a sustentação de um regime democrático. Será que esse compromisso deve depender exclusivamente do desempenho satisfatório dos representantes? [ii]
Efeito de Liberdade
Cada vez mais se afirma a percepção de que o voto obrigatório traz mal-estar. Até mesmo os estudos sobre desenvolvimento político, desde o ano 2000, já incluíram dentre seus critérios o mal-estar causado pela obrigatoriedade do voto. De fato, podem ler em um artigo especializado, elaborado com base em pesquisa de opinião pública, a ponderação que atribui ao “efeito de liberdade” a razão da suposta apatia entre a população em geral [iii].
Toma-se um ambiente hipotético sem obrigatoriedade de voto e se confronta as respostas que declaram não votar na suposição de voto voluntário [iv]. A conjetura compreende, nessas atitudes contrárias ao livre comparecimento, que os sujeitos podem estar informando, em algum nível, seu “mal-estar” com a obrigatoriedade do voto, e não sua indiferença quanto aos resultados políticos.
Quer dizer, os indivíduos pesquisados preferem retomar plenamente sua liberdade pelo não comparecimento, mesmo diante do voto voluntário. Uma vez que, mudado o modelo e sendo declarada, tal atitude repele a indiferença do “não sei” (para o quesito “você votaria no regime de voto facultativo”?), trata-se, então, por exclusão, de um indicador preciso do mal-estar com o voto obrigatório.
Essa conjetura nutre-se na projeção do caso chamado do “analfabeto participativo”, lembrando que se trata de uma categoria que não está sujeita a obrigatoriedade do alistamento eleitoral nem do voto.
Assim, os que se incomodaram em retirar o título de eleitor são tidos como mais motivados comparados ao restante da população registrada. Daí a classificação de analfabetos especialmente participativos. A retirada da obrigatoriedade torna a ação mais atrativa, e os pesquisados “liberados” podem expressar uma disposição maior em engajar-se na atividade do que aqueles que estão sob a obrigatoriedade. A inclusão da variável mal-estar foi então contemplada diante da seguinte constatação: Se os não escolarizados são especialmente participativos devido a seu sentimento positivo quanto ao voto (obrigatório, mas adotado por motivação), a aplicação na pesquisa do novo modelo conjetural de comparecimento voluntário deveria mostrar um maior efeito positivo para a educação ou para os mais escolarizados. Como tal alternativa esperada não se verificou, os pesquisidores admitiram que nenhuma outra variável explicativa completava melhor que a experiência do mal-estar com o voto obrigatório. Ou seja, o “efeito de liberdade” alterou significativamente o comparecimento voluntário.
Educação para a cidadania
O indivíduo que se registra deveria participar de um programa de capacitação do eleitor
Na situação atual de sua participação, o jovem faz seu registro eleitoral em uma conduta burocrática, e permanece largado como estava antes. A adoção do voto livre deve ser encaminhada como um procedimento que mudará tal situação no Brasil. Dar-se-á ao jovem a oportunidade de perceber sua participação na história eleitoral mediante simples capacitação que transformará a conduta burocrática em ato jurídico político. A obtenção do registro deve valer como uma passagem dos círculos familiares e psicológicos para o ambiente mais complexo da cidadania, cumprindo a exigência republicana histórica de educação e de instrução do eleitor novato. Desta forma, além de ser obrigado unicamente a se alistar na justa idade e a votar em primeira vez, o jovem teria como condição para receber e entrar em posse de seu registro ser obrigado a comparecer e participar por algumas horas de encontros para ler e comentar uma apostila com instrução sobre o voto [livre], sobre as eleições e o papel do eleitor no funcionamento do regime democrático representativo e sua importância para as políticas públicas.
A instância controladora não precisaria aumentar custos para alcançar essa finalidade. Bastaria reaproveitar os recursos disponíveis nos cartórios eleitorais que se encarregariam da execução desse programa de capacitação.
Muitos acham que assumir a causa da Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Convenções Internacionais que preconizam o voto livre, e a causa das Nações Unidas em favor da educação para a cidadania não são motivos suficientes para a mudança do regime eleitoral e adoção do voto livre. Reclamam que seria necessário um motivo político mais forte para isso que, evidentemente, além das “Diretas já” (1983/84), não existe, haja vista o desvio (papel moderante) de que provém o voto forçado [v].
Isto significa que a democracia no Brasil é menos do que imperfeita, é restritiva. Como disse o Presidente Obama, dos Estados Unidos da América, O Brasil é um país onde “uma ditadura virou democracia“ [vi]. Isto porque a formação das maiorias não depende do voto dos eleitores em qualquer nível que seja (não há nem eleições prévias nas bases locais e regionais para escolher os candidatos das coligações nas eleições majoritárias – prefeitos, governadores, presidente). As cúpulas partidárias ratificam em convenções os nomes de suas escolhas e fazem as coligações por cima, frequentemente duplicadas em alternativas para que os eleitores escolham.
Em face dessa característica restritiva, o argumento que atribui valor educativo para a cidadania no voto obrigatório revela-se falacioso, mera retórica para “Inglês ver” [vii]. Coloca-se o eleitorado à margem do processo de formação de maiorias para, no final, convocá-lo, obrigá-lo a votar em alternativas impostas e a consagrar uma maioria previamente arranjada.Em consequência, prejudicado para exercer sua memória de seu voto, a única experiência e aprendizado do eleitor é despolitizada e não democrática, é a obediência à obrigação de comparecer que lhe é imposta. Daí democracia restritiva, dando razão aos que dizem que o Brasil é um país onde “uma ditadura virou democracia”.
Bubok., 98 págs, Fevereiro 2014,Obra registrada no Safe Creative: Licencia: Todos los derechos reservados
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[i]Há muitos eleitores faltosos que protestam contra o acúmulo de sanções sobre sanções para a mesma falta: multa, impedimento para os serviços públicos ou subvencionados, impedimento aos empresários para concorrências públicas, impedimento aos trabalhadores para obter empréstimos ou financiamentos da Caixa Econômica, impedimento aos cidadãos brasileiros para obter passaporte ou carteira de identidade; para renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial; etc. Uma barbaridade que se impõe desde do Código Eleitoral contra a cidadania.
[ii]Leia o artigo “Mídia ignora o melhor de uma pesquisa“, postado por Luiz Weis no blog “Verbo Solto“, junto ao Website do Observatório da Imprensa, em 16/10/2007.
[iv] Salvo indicação em contrario, os termos voto livre, voto facultativo e voto voluntário são equivalentes (free voting).
[v] Na verdade o motivo político para o voto livre existe sim e data de 1983/84 com a grande mobilização do eleitorado na histórica campanha das Diretas Já, marco fundamental da Abertura Democrática. Aliás, o voto livre deveria ter sido instituído nos anos 80/90, houve projetos no Congresso Nacional que sustentaram essa mudança.
[vi] “Brasil, um país que mostra que uma ditadura pode se tornar uma vibrante democracia” (Frase muito elogiada do Presidente Obama em pronunciamento no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 21 de Março de 2011, amplamente divulgada nas Mídias). Ou seja, no âmbito das relações internacionais, não se reconhece ainda que o Brasil seja uma democracia que tenha aberto seu espaço para-além de uma ditadura.
[vii] Fazer algo “para inglês ver” significa maquiar uma situação para enganar alguém, fazendo com que este veja aquilo que gostaria ver e não a realidade.
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