SSF/RIO

Posts Tagged ‘Max Weber’

Culturalismo e Sociologia

In dialectics, history, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on November 3, 2014 at 6:22 pm

gente_normal

Notas críticas para um estudo dos quadros sociológicos da

Sociologia da compreensão interpretativa desenvolvida por Max Weber.

Por

Jacob (J.) Lumier

 

O culturalismo abstrato ou espiritualista não se presta como orientação intelectual e metodológica para basear os critérios objetivos que permitem construir tipos sociológicos.

 

O culturalismo abstrato é uma corrente de pensamento do século XX que se caracteriza por buscar um elo da filosofia da história com a sociologia. O termo culturalismo é uma expressão utilizada por Georges Gurvitch em seu ensaio sobre “O Objeto e o Método da Sociologia[i] para examinar as orientações limitadoras da sociologia da compreensão interpretativa na obra de Max Weber, esclarecendo sobre a maneira variada como neste último se combinam o formalismo, o culturalismo e o psicologismo que não se sintetizam, mas aumentam continuamente e permanecem desligados uns dos outros.

Atribuindo ao culturalismo abstrato a falta de critérios objetivos e o caráter arbitrário da ligação entre a compreensão e a interpretação subjetiva, Gurvitch põe em relevo que tal orientação errática não se presta para construir tipos sociológicos, já que torna impossível justificar a passagem das significações internas (subjetivas) para as significações sociais e culturais, levando em consequência à dispersão dos critérios.

Por um lado, o culturalismo de Max Weber deriva de sua imensa erudição histórica e, por outro lado, decorre dos preconceitos espiritualistas que reparte com Heinrich Rickert, os quais consistem em considerar todas as ciências sociais como ciências da cultura estritamente individualizantes.

Como assinala Gurvitch, será por esse biais que se chegará a atribuir o papel de fator predominante aos modelos, regras, ideias e valores, levando o culturalismo a um beco sem saída.

 

 

Sumário

A discussão sobre o fator predominante. 1

Compreensão e explicação. 2

A confusão com a filosofia da história. 3

A concepção arbitrária da cultura. 4

Os coeficientes ideológicos. 5

Desencantamento do mundo. 5

Um centro irracional 6

Dualidade Metodológica. 7

Filosofia Existencial 7

Notas de Fim

***

 

A discussão sobre o fator predominante

 

Aliás, a discussão a propósito deste fator predominante na realidade social nos mostra o estado limitado da sociologia do século XIX nos seguintes aspectos: (1) – em sua orientação paradoxal voltada para decompor a realidade social em fatores isolados que precisamente por estarem separados perdem o seu caráter social; (2) – em sua pretensão que visa explicar a realidade social na sua generalidade e fora de seus tipos, recorrendo-se (3) – precisamente ao fator predominante que se acreditava ser ele próprio extra-social.

Portanto, essa crença no caráter extra-social do suposto fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social é assinalada em Max Weber, quem nega qualquer possibilidade de intuição do todo social e reconhece em boa vontade o caráter individualista e nominalista de sua concepção da realidade social.

Nota Gurvitch que foi em consequência dessa crença no suposto “fator predominante” que se chegou a falar de escolas sociológicas, cada uma reportando a realidade social assim destruída à outra realidade de outro gênero – geográfica, biológica, tecnológica, psicológica.

O preconceito espiritualista da sociologia do século XIX atribuía às ideias, aos gêneros do conhecimento, às formas do direito um papel determinante, tendo o próprio fundador da filosofia positiva e da sociologia August Comte sucumbido à tentação desse preconceito [ii].

Por sua vez, a ligação dos sociólogos do começo do século XX por cuja orientação se filiam ao preconceito espiritualista é um tanto camuflada. Assim, na Alemanha, partindo de uma analogia com as categorias e os dados sensíveis em Kant, os representantes do culturalismo abstrato dentre os sociólogos afirmam que o Direito constitui a forma enquanto a economia constitui a matéria da realidade social. Ademais fazem com que essa forma, isto é, o Direito, seja tomado como o fator predominante na vida social, pretendendo, em maneira mais ampla, que as formas sociais entendidas por analogia com a filosofia de Kant constituem o único objeto de estudo da sociologia [iii].

 

***

 

Compreensão e explicação

 

Max Weber desconheceu as teorias de consciência aberta às influências do ambiente e veio a tomar as significações práticas dos comportamentos sociais como isoladas da realidade social e sistematizadas pela teologia, pela ciência do Direito, pela filosofia.

Do ponto de vista da crítica pelo realismo sociológico, observa-se que Max Weber não quis separar completamente compreensão e explicação tendo recomendado aos sociólogos, com razão, que, procedendo por compreensão interpretativa, procurassem os sentidos dos comportamentos sociais a fim de melhor os explicar em seguida.

Todavia, a qualificação desses sentidos ou significações como “internas” é o erro que Gurvitch assinala aos adeptos da concepção de que a consciência é voltada para si própria e não aberta às influências diversas da ambiência social (Gestalt).

Aliás, foi dessa maneira que Max Weber desconheceu as teorias de consciência aberta [iv] e veio a tomar as significações práticas dos comportamentos sociais como isoladas da realidade social e sistematizadas pela teologia, pela ciência do Direito, pela filosofia – tal o papel dos fatores predominantes na vida social.

Contudo, se o seu culturalismo tem uma vertente em Heinrich Rickert não chega ao exagero deste, que negava a possibilidade da sociologia como ciência da cultura em virtude da pretensão em generalizar em um domínio onde Rickert supunha que a generalização não seria viável.

Em diferença, os tipos sociológicos ideais weberianos são intermediários entre a generalização e a individualização, e sua generalidade não equivale a uma média, nem sua individualização – que deriva das significações – tampouco é equiparável a uma não-repetição.

 

A confusão com a filosofia da história

 

Do ponto de vista do realismo sociológico, a sociologia exige o abandono das ilusões do progresso em direção a um ideal, bem como o abandono das ilusões de uma evolução social unilinear e contínua.

 

O culturalismo abstrato de Heinrich Rickert deve ser classificado dentre os falsos problemas da sociologia do século XIX, notadamente a falsa alternativa entre sociologia ou filosofia da história, incluindo as obras de todos os que seguiram a Heinrich Rickert de perto ou de longe.

A confusão com a filosofia da história é absolutamente inadmissível, haja vista a capacidade da sociologia para alcançar perfeitamente por si só a situação presente da sociedade sem precisar de outra disciplina para isso.

Mais ainda: a sociologia exige o abandono das ilusões do progresso em direção a um ideal, bem como o abandono das ilusões de uma evolução social unilinear e contínua, sendo da competência da sociologia descobrir na realidade social as diversas perspectivas possíveis e até antinômicas que são postas para uma sociedade em vias de se fazer.

As ilusões trazidas pela confusão com a filosofia da história se encontram favorecidas pela ocorrência de um erro lógico fundamental que é segundo Gurvitch a falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor.

Desse erro decorre a confusão, pois em vez de explicar os desejos a partir da realidade social, constrói-se a realidade social em função desses desejos.

Os juízos de valor são as aspirações, os desejos e as imagens ideais do futuro e formam um dos patamares da realidade social em seu conjunto, de tal sorte que o progresso em direção a um ideal só pode intervir na análise sociológica unicamente em vista de integrar esse progresso ideal em um conjunto de fatos sociais que a análise se propõe explicar.

A sociedade está sujeita a flutuações e até aos movimentos cíclicos e o progresso retilíneo em direção a um ideal particular, tomado como um movimento constante, não pode valer mais do que para períodos determinados – em outros períodos a sociedade pode até avançar para uma direção oposta ao ideal ou orientar-se por um ideal completamente diferente.

 

A falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor torna impossível o acesso da análise sociológica a um dado fundamental da vida social que é a variabilidade.

 

Quer dizer, a falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor [v] torna impossível o acesso da análise sociológica a um dado fundamental da vida social que é a variabilidade. Gurvitch nos lembra que a identificação da sociologia e da filosofia da história afirma a pressuposição monista que é absolutamente irreal, pois não existe uma Sociedade com “S” maiúsculo, mas só há unicamente sociedades múltiplas, em tal sorte que o sociólogo é levado a pôr em relevo em cada sociedade a ocorrência de tendências variadas, e em cada crise o anúncio de diversas soluções possíveis.

O termo realidade social e o termo sociedade cobrem fenômenos muito diferentes segundo se trate de diferentes épocas históricas, de diferentes civilizações, de diferentes tipos sociais. Uma visão singular da sociedade e um modo próprio de interpretar sua natureza são manifestações de caráter coletivo que se encontram em cada tipo de sociedade global.

Ora, o culturalismo abstrato articula uma concepção sem nenhum contato com essas manifestações do real concreto.

Trata-se de uma orientação desdobrada da chamada filosofia crítica da história que se tentou opor à filosofia dogmática da história. Todavia, a metodologia do saber histórico veio a ser discutida sem ter sido posta em relação dialética com a metodologia do conhecimento sociológico, nem ter afirmado o reconhecimento da realidade dos fenômenos do todo social – ou fenômenos sociais totais, no dizer de Gurvitch.

 

A concepção arbitrária da cultura

 

►Daí que, no culturalismo, o objeto e a realidade histórica tiveram que brotar do próprio método histórico. Com tal desiderato, Heinrich Rickert e seus colegas de pesquisa (inclusive Max Weber) utilizaram a noção de cultura.

Ou seja, a noção de cultura veio a ser identificada a alguns fatos e alguns valores arbitrariamente escolhidos, na convicção de que cultura se opõe a natureza.

Para esses culturalistas, a distinção entre natureza e espírito deve ser aplicada positivamente à caracterização das ciências históricas. Por sua vez, estas tratam de objetos que são portadores do espírito objetivo, quer dizer, objetos que possuem um significado e um sentido não perceptível, mas compreensível para todos.

Isto se esclareceria de imediato – supõe-se no culturalismo – se pensarmos que a história é antes de tudo ciência da cultura humana.

Quer dizer, a vida cultural se apresentaria sempre como um acontecimento significativo e pleno de sentido, enquanto a natureza, por contra, se desenvolveria livre de significado e de sentido, chegando-se inclusive a censurar Dilthey exatamente por não ter desenvolvido a oposição entre natureza e espírito em uma lógica da história.

No esquema do culturalismo abstrato, Gurvitch destaca que (1) – é por meio dessa referência aos valores como método (alguns valores arbitrariamente escolhidos) que se constrói a cultura (o objeto e a realidade histórica tiveram que brotar do próprio método histórico); (2) – para o estudo da cultura assim construída em manifestações ou fatos individualizados, só se poderia aplicar unicamente o método individualizante (repelindo a tentativa de generalizar as situações particulares em tipos sociológicos concretos); (3) – desta maneira, se obteria por resultado, conjuntamente, a realidade histórica e a ciência da história.

Tal é o esquema do culturalismo abstrato em sua tentativa de reduzir toda a história a uma história da cultura, procedendo por um método sobre outro método.

***

 

A crença no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social funciona para equilibrar a tensão no pensamento de Max Weber sem que, todavia, isso o proteja contra os reveses em sua sociologia, como a dispersão.

 

Os coeficientes ideológicos

 

Neste ponto podemos pôr em relevo que essas análises e apreciações críticas em torno ao culturalismo abstrato podem aportar algum esclarecimento não só à história das ciências sociais no século XX, mas notadamente ao estudo sociológico dos quadros de referência da própria sociologia – a sociologia do conhecimento sociológico – que Gurvitch considera indispensável para liberar a sociologia de certos coeficientes ideológicos.

No caso em pauta, trata-se do estudo dos quadros sociológicos da sociologia da compreensão interpretativa desenvolvida por Max Weber. Essa linha de pesquisa já se encontra assinalada nos estudiosos da obra e pensamento de Max Weber que buscam selecionar as influências aceites por este pensador oriundas do seu ambiente social e intelectual mais próximo, assim como buscam descobrir a maneira pela qual tais influências se traduzem em conceitos e modelos de análise.

A sugestão de que o problema da sociologia de Max Weber se equaciona em termos sociológicos em torno ao culturalismo espiritualista, tomado como o conjunto das orientações intelectuais e metodológicas que servem de referência para a sociologia da compreensão interpretativa, parece atender em maneira bastante satisfatória a tal linha de pesquisa dos estudiosos.

Isto porque tal sugestão aporta um esclarecimento sobre as fontes na sociologia do século XIX para a procedência do formalismo, do culturalismo e do psicologismo que, frequentemente, os estudiosos observam combinando-se em maneiras variadas na sociologia de Max Weber.

►Como vimos, a análise de Gurvitch nos mostra que essas orientações para o formalismo, o culturalismo e o psicologismo nada mais significam do que ampliações da crença no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social.

A dificuldade maior de Max Weber surge da tensão entre, por um lado, a convicção de que o método das ciências sociais é necessariamente individualizante e por outro lado a própria possibilidade da sociologia, a qual implica em generalização. Tal o quadro do seu pensamento, que Gurvitch põe em relevo como se efetivando na base da construção dos tipos sociológicos ideais.

Por outras palavras: a crença no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social funciona então para equilibrar essa tensão no pensamento de Max Weber sem que, todavia, isso o proteja contra os reveses em sua sociologia, como a dispersão.

 

Desencantamento do mundo

 

Como se sabe, o contexto mais amplo em que se produziu a sociologia da compreensão interpretativa é marcado não só pela atmosfera humanista dos salões intelectuais, mas pela influência dos neokantianos, que predominaram nas universidades alemães à época do liberalismo, entre 1870 e 1914, acentuando a erudição no ensino e a importância dos conceitos reguladores e das regras como princípios na teoria do conhecimento.

Além disso, nota-se também o choque de duas estruturas de trabalho intelectual contemplando no dizer de C. Wright Mills a interpretação conservadora de ideias pelos acadêmicos, por um lado e, por outro lado, a produção intelectual de socialistas não-acadêmicos (Kautsky, Bernstein, Mehering), dualidade esta que criava uma tensão intelectual singular e desafiadora.

Em comentário que corrobora a crítica por Gurvitch, Wright Mills observa a confusão em Max Weber da filosofia da história e da sociologia. A racionalização não só é um princípio, mas é o elemento mais geral na filosofia da história de Max Weber, sendo medida pelo desencantamento do mundo, em relação a que Wright Mills situa a contribuição de Max Weber à sociologia o conhecimento, ao mesmo tempo em que registra tratar-se da concepção errática de um progresso unilinear na direção da perfeição moral.

Mas não é tudo. Em relação ao psicologismo, Wright Mills nota que a noção de cultura europeia em Max Weber afirma igualmente o progresso ideal, porém admitindo ambiguidades, e que as racionalizações progressivas são objetos de análises psicológicas quando ali se trata de explicar os sistemas religiosos.

Sublinha igualmente Wright Mills o nominalismo cuidadoso do método de Max Weber e a influência da imagem (romântica) do indivíduo monumentalizado (Carlyle) para a concepção weberiana do líder carismático.

Um centro irracional: a personalidade

 

Nesse individualismo nominalista, se a unidade final das análises weberianas é posta pelas motivações compreensíveis do indivíduo isolado, não será de espantar que essa análise estanque ou fique suspensa diante do conceito de personalidade.

Com efeito, a personalidade ali não passa de um centro de criatividade profundamente irracional, um processus não analisado cuja concretização em uma noção derivada do romantismo como a monumentalização do indivíduo Max Weber se empenha em rejeitar (em que pese a influência efetiva de Carlyle).

  • Esse individualismo e nominalismo podem ser notados diretamente na seguinte passagem selecionada por Wright Mills de “Ensaios sobre a Teoria da Ciência” de Max Weber (Ver a edição francesa: Paris, Plon): “A sociologia interpretativa considera o indivíduo (Einzelindividuum) e seu ato como a unidade básica, como seu átomo (…). O indivíduo é também o limite superior e o único portador de conduta significativa (…). Conceitos tais como: Estado, associação, feudalismo e outros semelhantes designam certas categorias da interação humana. Daí ser tarefa da sociologia reduzir esses conceitos à ação compreensível, isto é, sem exceção, aos atos dos indivíduos participantes[vi].

Para W. Mills, o problema da compreensão foi formulado por Wilhelm Dilthey e Max Weber o incorporou em suas análises por ele mesmo denominadas como sociologia interpretativa ou compreensiva.

O problema dos tipos sociológicos atenderia, pois, a uma abordagem nominalista e estabeleceria uma escala de racionalidade e irracionalidade, em que a psicologia da motivação cede lugar a um recurso tipológico.

 

Dualidade Metodológica

 

  • Wright Mills sustenta a ocorrência de uma dualidade envolvendo as reflexões metodológicas e as análises de Max Weber. Por um lado, houvera o propósito metodológico de limitar a compreensão e interpretação do significado às intenções subjetivas do agente social, mas em sua obra real, por outro lado, Max Weber teria admitido que os resultados das interações em modo algum se mostrariam sempre idênticos ao que o agente pretendia fazer.

Apesar de todas essas observações direcionadas para uma sociologia do conhecimento sociológico, Wright Mills não percebe, porém, a importância da utilização de fatores isolados na sociologia interpretativa weberiana.

Ou seja, a utilização de fatores isolados na sociologia de Max Weber é constatada sim por Wright Mills. Todavia, por falta de uma crítica da sociologia do século XIX, esse autor ali não percebe o influxo da crença no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social, nem o alcance desta crença, específica aos sociólogos do século XIX, para a análise sociológica dos quadros intelectuais da sociologia de Max Weber.

 

Filosofia Existencial

 

►Em maneira semelhante a Wright Mills, outros autores estudiosos também se restringem a assinalar uma correlação entre um contexto de choque de duas estruturas de trabalho intelectual por um lado, e por outro lado a dualidade entre metodologia e análise na obra de Max Weber. Lamentavelmente, não desenvolvem orientação proveitosa em sociologia do conhecimento sociológico aplicável a este pensador.

Assim Raymond Aron tece suas observações críticas no âmbito desse duplo dualismo de influências intelectuais e de metodologia/análise e, embora admita a influência de Heinrich Rickert, também se apraz em contemplar o irracional em Max Weber.

Mais precisamente: tendo descoberto uma orientação de caráter existencial ou até existencialista na filosofia implícita de Max Weber, Raymond Aron limitou sua contribuição a uma forte argumentação contra a redução do pensamento weberiano ao nihilismo – tese sustentada pelo filósofo da cultura política Leo Strauss.

Nesse marco de crítica filosófica, e em certo modo inesperado para um sociólogo, nos sugere Raymond Aron que o problema da compreensão tal como desenvolvido em Max Weber deve ser referido preferencialmente não a Dilthey, mas ao pensamento metapsicológico do psiquiatra e filósofo kierkegaardiano Karl Jaspers.

Quer dizer, deve-se dar preferência ao psicologismo ou à limitação de Max Weber ao psicologismo, fazendo prevalecer o âmbito não romântico do problema daquele centro de criatividade profundamente irracional, que como vimos Wright Mills acentuou a respeito da orientação de Max Weber para o conceito de personalidade.

Desse modo, em um dos seus primeiros ensaios marcantes intitulado “Introduction à la Philosophie de l’Histoire” (Paris, Gallimard) Raymond Aron sublinha a separação radical do fato e dos valores em Max Weber, desdobrando alguns comentários críticos a respeito do paradoxo em se ignorar nos seres do passado a vontade de valor ou de verdade, paradoxo este limitando em consequência o alcance da orientação de Max Weber para a compreensão da conduta individual unicamente na referência das ideias de valor [vii] .

Sustenta esse estudioso que se essa concepção excluindo a vontade de valor ou de verdade fosse admitida, não se teria o critério para diferenciar entre uma obra de filosofia como a “Crítica da Razão Pura”, de E. Kant, e o que Raymond Aron chama as imaginações delirantes de um paranoico, já que ambas seriam colocadas no mesmo plano [viii].

Seja como for, esse estudioso não chega a observar em tal exorbitância do método nominalista o desvio ideológico (biais) pelo qual se infiltra no pensamento de Max Weber a crença específica que acometia os sociólogos do século XIX e que deve ser posta de lado como prejudicial, pela qual se reduz como vimos a realidade social aos fatores predominantes, a saber: a crença no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social.

Assim, em seu monumental ensaio posterior sobre “Les Étapes de La Pensée Sociologique[ix] , Raymond Aron se limitará a confirmar que a orientação de Max Weber deve ser referida a uma filosofia existencial, nada acrescentando de interesse para a análise dos quadros sociológicos da sociologia da compreensão interpretativa desenvolvida por Max Weber. Desta sorte, embora acentue a vinculação da sociologia interpretativa aos limites do século XIX, o que prevalece é a mencionada conclusão de Gurvitch, de que a crença no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social funciona para equilibrar a tensão no pensamento de Max Weber, sem que, todavia, isso o proteja contra os reveses em sua sociologia, tais que a dispersão.

***

Este artigo “Culturalismo e Sociologia: Notas críticas para um estudo dos quadros sociológicos da Sociologia da compreensão interpretativa desenvolvida por Max Weber” é um  trecho do eBook CULTURA E CONSCIÊNCIA COLETIVA: Leituras Saint-simonianas de Teoria Sociológica – Nova Formatação, elaborado e modificado em 2007 – 2009,  publicado na Web da OEI

Editado pelo Websitio Produção Leituras do Século XX – PLSV: Literatura Digital http://www.leiturasjlumierautor.pro.br

© 2007 Jacob (J.) Lumier

Veja também Cultura e Objetividade: Primeira Parte: Max Weber
 
***
 Baixe aqui a versão pdf deste artigo Culturalismo e Sociologia
 
 
Notas de Fim

 

[i] Ver Gurvitch, Georges: “Objeto e Método da Sociologia”, in Gurvitch et al.: “Tratado de Sociologia-vol.1“, trad. Ana Guerra, revisão: Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1964, pp.15 a 50, 2ªedição corrigida (1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1957). Ver também do mesmo autor e nessa mesma obra coletiva: “Breve Esboço da História da Sociologia”, trad. Rui Cabeçadas, pp.51 a 98. Ver também do mesmo autor: “A Vocação Actual da Sociologia – vol. I: na senda da sociologia diferencial”, tradução da 4ª edição francesa de 1968 por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1979, 587pp. (1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1950).

[ii] Comte viu no conhecimento teológico, no conhecimento metafísico, no conhecimento positivo os fatores decisivos do desenvolvimento da sociedade.

[iii] No culturalismo abstrato as formas sociais são aparentadas em sua primazia às enteléquias aristotélicas, como causas ao mesmo tempo finais e eficientes. Cabe notar que Gurvitch estuda na referência da “escola espiritualista” os sociólogos alemães R. Stammler, por um lado, e por outro lado Simmel, Vierkandt, e Von Wiese.

[iv] As teorias de consciência aberta foram desenvolvidas por Bergson, por Husserl, por Bachelard e promovidas nos meios sociológicos por Gurvitch como levando à constatação da imanência recíproca do individual e do coletivo. Ver Gurvitch, Georges (1894-1965): “Dialectique et Sociologie”, Flammarion, Paris 1962, 312 pp., Col. Science.

[v] Não confundir com a “separação radical do fato e dos valores”, que alguns autores assinalam na base da redução das condutas individuais às ideias de valor, tal como preconiza Max Weber, decorrendo dessa redução a mencionada falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor.

[vi] Wrigth Mills, C. E Gerth, Hans – Organizadores: « Max Weber : Ensaios de Sociologia », tradução Waltensir Dutra, revisão Fernando Henrique Cardoso, 2ªedição, Rio de Janeiro, Zahar, 1971, 530 pp.(1ªedição em Inglês : Oxford University Press, 1946).

[vii] Na medida em que as ideias de valor referem igualmente a sociologia da religião de Max Weber, caberia notar o contraste com as análises dialéticas da ambiência histórica tradicional e religiosa desenvolvidas por Ernst Bloch que, enlaçando a vontade de valor e de verdade ao elemento essencial originário em si mesmo, reintegra nos seres do passado a impaciente, rebelde e severa vontade de paraíso Cf. Bloch, Ernst: Thomas Münzer, Teólogo de la Revolución (“Thomas Münzer als Theologe der Revolution”, München 1921) Editorial Ciencia Nueva, Madrid, 1968, págs.67, 68. Ver Lumier,Jacob(J.): “O Tradicional na Modernização: Leituras sobre Ernst Bloch“, Internet, E-book pdf 130 págs., Web da OEI, http://www.oei.es/cienciayuniversidad/spip.php?article277

[viii] Desta sorte, a prostituição é um fenômeno cultural tanto quanto a religião ou o dinheiro – nos dirá Weber em seu relativismo culturalista.  Portanto, nessa argumentação se acentua que  a condicionalidade pelas ideias de valor  é proposta na referência do uso pelos lógicos modernos: os fenômenos culturais são tais unicamente para a razão e unicamente porquanto sua existência e a forma que assumem historicamente tocam diretamente ou indiretamente aos nossos interesses culturais e científicos.

[ix] ARON, Raymond: “Les Étapes de la Pensée Sociologique : Montesquieu, Comte, Marx, Tocqueville, Durkheim, Pareto, Weber”, Paris, Gallimard, 1967, 659pp.

Vontade de Valor, Vontade de Verdade, Idéias de Valor em Sociologia.

In dialectics, history, sociologia, twentieth century on April 30, 2013 at 9:55 am

Vontade de Valor, Vontade de Verdade, Idéias de Valor em Sociologia..

Creative Commons License
Vontade de Valor, Vontade de Verdade, Idéias de Valor: o estudo sociológico dos quadros intelectuais da sociologia de Max Weber by Jacob (J.) Lumier is licensed under a Creative Commons Reconocimiento-No comercial-Sin obras derivadas 3.0 Estados Unidos License.
Based on a work at www.oei.es.
Permissions beyond the scope of this license may be available at http://www.leiturasjlumierautor.pro.br/sociologia.htm.

O estudo sociológico dos quadros intelectuais da sociologia de Max Weber [1]

Epígrafe

A separação radical do fato e dos valores em Max Weber revela o paradoxo em se ignorar nos seres do passado a vontade de valor ou de verdade, o que, em conseqüência, limita fortemente o alcance da sociologia interpretativa para a compreensão da conduta individual unicamente na referência das idéias de valor. O estudo sociológico dos quadros intelectuais de Max Weber deve explicar como aconteceu que esse pensador não tenha repelido tal paradoxo.

***

O estudo dos quadros sociológicos da sociologia da compreensão interpretativa se encontra assinalada nos estudiosos da obra e pensamento de Max Weber que buscam selecionar as influências aceites por este pensador oriundas do seu ambiente social e intelectual mais próximo, assim como buscam descobrir a maneira pela qual tais influências se traduzem em conceitos e modelos de análise.

A sugestão de que o problema da sociologia de Max Weber se equaciona em termos sociológicos em torno ao culturalismo espiritualista de Heinrich Rickert, tomado como o conjunto das orientações intelectuais e metodológicas que servem de referência para a sociologia da compreensão interpretativa, parece atender em maneira bastante satisfatória a tal linha de pesquisa dos estudiosos [2]. Isto porque aporta um esclarecimento sobre as fontes na sociologia do século XIX para a procedência do formalismo, do culturalismo e do psicologismo que, freqüentemente, os estudiosos observam combinando-se em maneiras variadas na sociologia de Max Weber.

Essas orientações para o formalismo, o culturalismo e o psicologismo nada mais significam do que ampliações da crença no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social [3].

A dificuldade maior de Max Weber surge da tensão entre, por um lado, a convicção de que o método das ciências sociais é necessariamente individualizante e, por outro lado, a própria possibilidade da sociologia, a qual implica em generalização.

Tal o quadro do seu pensamento, que Gurvitch põe em relevo como se efetivando na base da construção dos tipos sociológicos ideais.

Por outras palavras: a crença no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social funciona então para equilibrar essa tensão no pensamento de Max Weber, sem que, todavia, isso o proteja contra os reveses em sua sociologia, como a dispersão.

A crença no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social funciona para equilibrar a tensão no pensamento de Max Weber sem que,todavia, isso o proteja contra os reveses em sua sociologia, como a dispersão.

Como se sabe, o contexto mais amplo em que se produziu a sociologia da compreensão interpretativa é marcado não só pela atmosfera humanista dos salões intelectuais, mas pela influência dos neokantianos, que predominaram nas universidades alemães à época do liberalismo, entre 1870 e 1914, acentuando a erudição no ensino e a importância dos conceitos reguladores e das regras como princípios na teoria do conhecimento.

Além disso, nota-se também o choque de duas estruturas de trabalho intelectual contemplando, por um lado, a interpretação conservadora de idéias pelos acadêmicos e, por outro lado, a produção intelectual de socialistas não-acadêmicos (Kautsky, Bernstein, Mehering), dualidade esta que ainda segundo C. Wright Mills criava uma tensão intelectual singular e desafiadora [4].

Observa-se a confusão em Max Weber da filosofia da história e da sociologia. A racionalização não só é um princípio, mas é tido como o elemento mais geral na filosofia da história, sendo medida pelo desencantamento do mundo, em relação a que Wright Mills situa a contribuição de Max Weber à sociologia o conhecimento ao mesmo tempo em que registra tratar-se da concepção errática de um progresso unilinear na direção da perfeição moral.

Mas não é tudo. Em relação ao psicologismo, nota-se que a noção de cultura européia em Max Weber afirma igualmente o progresso ideal, porém admitindo ambigüidades e as racionalizações progressivas são objetos de análises psicológicas quando ali se trata de explicar os sistemas religiosos.

Sublinha-se igualmente o nominalismo cuidadoso do método de Max Weber e a influência da imagem (romântica) do indivíduo monumentalizado (Carlyle) para a concepção weberiana do líder carismático.

Nesse individualismo nominalista, se a unidade final das análises weberianas é posta pelas motivações compreensíveis do indivíduo isolado não será de espantar que essa análise estanque ou fique suspensa diante do conceito de personalidade.

Com efeito, a personalidade ali não passa de um centro de criatividade profundamente irracional, um processus não analisado cuja concretização em uma noção (a inspiração) derivada do romantismo Max Weber se empenha em rejeitar.

Mas não é tudo. Esse individualismo e nominalismo podem ser notados diretamente na seguinte passagem selecionada de “Ensaios sobre a Teoria da Ciência”, de Max Weber (Ver a edição francesa: Paris, Plon): “A sociologia interpretativa considera o indivíduo (Einzelindividuum) e seu ato como a unidade básica, como seu átomo (…). O indivíduo é também o limite superior e o único portador de conduta significativa (…). Conceitos como Estado, associação, feudalismo e outros semelhantes designam certas categorias da interação humana. Daí ser tarefa da sociologia reduzir esses conceitos à ação compreensível, isto é, sem exceção, aos atos dos indivíduos participantes[5].

Para Wright Mills, o problema da compreensão foi formulado por Wilhelm Dilthey e Max Weber o incorporou em suas análises por ele mesmo denominadas como sociologia interpretativa ou compreensiva. O problema dos tipos sociológicos atenderia, pois, a uma abordagem nominalista e estabelece uma escala de racionalidade e irracionalidade em que a psicologia da motivação cede lugar a um recurso tipológico.

Sustenta-se a ocorrência de uma dualidade entre as reflexões metodológicas e as análises de Max Weber. Por um lado, houvera o propósito metodológico de limitar a compreensão e interpretação do significado às intenções subjetivas do agente social, mas, em sua obra real, por outro lado, Max Weber teria admitido que os resultados das interações não são em modo algum sempre idênticos ao que o agente pretendia fazer.

Apesar de todas essas observações direcionadas para uma sociologia do conhecimento sociológico, Wright Mills por sua vez não percebe, porém, a importância da utilização de fatores isolados na sociologia interpretativa weberiana.

Ou seja, a utilização de fatores isolados na sociologia de Max Weber é sim constatada por Wright Mills. Todavia, por falta de uma crítica da sociologia do século XIX, esse autor ali não percebe o influxo da crença no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social, nem o alcance desta crença especifica aos sociólogos culturalistas para a análise sociológica dos quadros intelectuais da sociologia de Max Weber.

Em maneira semelhante a Wright Mills, outros autores estudiosos também se restringem a assinalar uma correlação entre um contexto de choque de duas estruturas de trabalho intelectual por um lado, e por outro lado a dualidade entre metodologia e análise na obra de Max Weber. Lamentavelmente, não desenvolvem orientação proveitosa em sociologia do conhecimento sociológico aplicável a este pensador.

Assim Raymond Aron tece suas observações críticas no âmbito desse duplo dualismo de influências intelectuais e de metodologia/análise e, embora admita a influência de Heinrich Rickert, também se apraz em contemplar o irracional em Max Weber.

Mais precisamente: tendo descoberto uma orientação de caráter existencial ou até existencialista na filosofia implícita de Max Weber, Raymond Aron limitou sua contribuição a uma forte argumentação contra a redução do pensamento weberiano ao nihilismo – tese sustentada pelo filósofo da cultura política Leo Strauss.

Nesse marco de crítica filosófica, e em certo modo inesperado para um sociólogo, nos sugere Raymond Aron que o problema da compreensão tal como desenvolvido em Max Weber deve ser referido preferencialmente não a Dilthey, mas ao pensamento metapsicológico do psiquiatra e filósofo kierkegaardiano Karl Jaspers.

Quer dizer, deve-se dar preferência ao psicologismo ou à limitação de Max Weber ao psicologismo, fazendo prevalecer o âmbito não romântico do problema daquele centro de criatividade profundamente irracional, que como vimos Wright Mills acentuou a respeito da orientação de Max Weber para o conceito de personalidade.

Desse modo, em um dos seus primeiros ensaios marcantes intitulado “Introduction à la Philosophie de l’Histoire” (Paris, Gallimard) Raymond Aron sublinha a separação radical do fato e dos valores em Max Weber, desdobrando alguns comentários críticos a respeito do paradoxo em se ignorar nos seres do passado a vontade de valor ou de verdade, paradoxo este limitando em conseqüência o alcance da orientação de Max Weber para a compreensão da conduta individual unicamente na referência das idéias de valor [6] .

Sustenta esse estudioso que se essa concepção excluindo a vontade de valor ou de verdade fosse admitida, não se teria o critério para diferenciar entre uma obra de filosofia como a “Crítica da Razão Pura”, de E. Kant, e o que Raymond Aron chama as imaginações delirantes de um paranóico, já que ambas seriam colocadas no mesmo plano.

Seja como for, esse estudioso não chega a observar em tal exorbitância do método nominalista o biais pelo qual se infiltra no pensamento de Max Weber a crença específica aos sociólogos culturalistas que acometia a sociologia do século XIX e que deve ser posta de lado pelos sociólogos contemporâneos.

Como vimos, por essa crença específica no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social, se reduz a realidade social aos fatores predominantes.

Assim, em seu monumental ensaio posterior sobre “Les Étapes de La Pensée Sociologique[7] Raymond Aron se limitará a confirmar que a orientação de Max Weber deve ser referida a uma filosofia existencial, nada acrescentando de interesse para o estudo propriamente sociológico dos quadros intelectuais-sociológicos da sociologia da compreensão interpretativa desenvolvida por Max Weber.

Desta sorte, embora acentue a vinculação da sociologia interpretativa aos limites do século XIX, prevalece a conclusão de Gurvitch, de que a crença no caráter extra-social do fator predominante como capaz de explicar a generalidade do social funciona para equilibrar a tensão no pensamento de Max Weber, sem que, todavia, isso o proteja contra os reveses em sua sociologia, tais que a dispersão.

***

Creative Commons


[1]Esta postagem é o aperfeiçoamento de um trecho do meu e-book “Cultura e consciência coletiva: Leituras Saint-Simonianas de Teoria Sociológica”, divulgado na Web da OEI em 31 de Janeirode 2008http://www.oei.es/noticias/spip.php?article1872

[2]Cf Gurvitch, Georges: ““A Vocação Actual da Sociologia”, 2 volumes, Lisboa, Cosmos, 1979 e 1986.

[3]Ib, Ibidem.

[4] Hans Gerth e Wrigth Mills (organizadores): “Max Weber – Ensaios de Sociologia”, 2ªedição, Rio de Janeiro, Zahar, 1971, 530pp.(1ªedição em Inglês : Oxford University Press, 1946).

[5]Ib, Ibidem.

[6]Na medida em que as idéias de valor referem igualmente a sociologia da religião de Max Weber, caberia notar o contraste com as análises dialéticas da ambiência histórica tradicional e religiosa desenvolvidas por Ernst Bloch que, enlaçando a vontade de valor e de verdade ao elemento essencial originário em si mesmo, reintegra nos seres do passado a impaciente, rebelde e severa vontade de paraíso Cf. Bloch, Ernst: Thomas Münzer, Teólogo de la Revolución(“Thomas Münzer als Theologe der Revolution”, München 1921) Editorial Ciencia Nueva, Madrid, 1968, págs.67, 68.

[7]ARON, Raymond: “Les Étapes de la Pensée Sociologique :Montesquieu, Comte, Marx, Tocqueville, Durkheim, Pareto, Weber”, Paris, Gallimard, 1967, 659pp.

Sobre Juízos de Realidade e Juízos de Valor: notas de sociologia

In dialectics, history, portuguese blogs, sociologia, twentieth century on May 21, 2012 at 7:31 pm

DDHH, Direitos Sociais e Pluralismo

por

Jacob J. Lumier

 

Esta postagem é um prolongamento da Page de Sociólogos sem Fronteiras em Rio de Janeiro SSF/RIO

 

Epígrafe:

A falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor torna impossível o acesso da análise sociológica a um dado fundamental da vida social que é a variabilidade”.

 **

►Max Weber desconheceu as teorias de consciência aberta.

Max Weber recomendou aos sociólogos com razão que, procedendo por compreensão interpretativa, procurassem os sentidos dos comportamentos sociais a fim de melhor os explicar em seguida.

Todavia, a qualificação desses sentidos ou significações como “internas” é o erro que Gurvitch assinala aos adeptos da concepção de que a consciência é voltada para si própria e não aberta às influências diversas da ambiência social (Gestalt).

Aliás, foi dessa maneira (qualificando os sentidos dos comportamentos sociais como “internos”) que Max Weber desconheceu as teorias de consciência aberta [i] e veio a tomar as significações práticas dos comportamentos sociais como isoladas da realidade social e sistematizadas pela teologia, ciência do Direito, notadamente pela filosofia da história.

►A sociologia tem competência para descobrir as perspectivas da sociedade

Do ponto de vista do realismo sociológico, a sociologia exige o abandono das ilusões do progresso em direção a um ideal, bem como o abandono das ilusões de uma evolução social unilinear e contínua.

A confusão com a filosofia da história é absolutamente inadmissível haja vista a capacidade da sociologia para alcançar perfeitamente por si só a situação presente da sociedade sem precisar de outra disciplina para isso.

Mais ainda: a sociologia exige o abandono das ilusões do progresso em direção a um ideal, bem como o abandono das ilusões de uma evolução social unilinear e contínua, sendo da competência da sociologia descobrir na realidade social as diversas perspectivas possíveis e até antinômicas que são postas para uma sociedade em vias de se fazer.

 ►O sociólogo reconhece a realidade do indivíduo e da sociedade.

As ilusões trazidas pela confusão com a filosofia da história se encontram favorecidas pela ocorrência de um erro lógico fundamental que é a falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor. Desse erro decorre a confusão, pois em vez de explicar os desejos a partir da realidade social, constrói-se a realidade social em função desses desejos.

Posto que é mediante os juízos de realidade que se descobrem as perspectivas possíveis que são postas a uma sociedade, os juízos de valor são por sua vez as aspirações, os desejos e as imagens ideais do futuro, formam um dos patamares da realidade social, de tal sorte que o progresso em direção a um ideal só pode intervir na análise sociológica unicamente em vista de integrar esse progresso ideal em um conjunto de fatos sociais que a análise se propõe explicar. O sociólogo reconhece a realidade do indivíduo e da sociedade.

►Os juízos de valor se afirmam por meio da afetividade coletiva.

Quanto aos juízos de valor são os mesmos afirmados em relação ao desejável. Qualquer valor pressupõe a apreciação de um sujeito em relação com uma sensibilidade indefinida: é o desejável, qualquer desejo sendo um estado interior. A característica do desejável se estende a qualquer valor para além dos valores ideais (inclusive os valores estudados em economia, que têm assim alguma participação nos ideais).

Os valores ideais funcionam na vida social, isto é, guardam a característica de instrumentos de comunhão e princípios de incessante regeneração da vida subjetiva, e se afirmam indispensavelmente por meio da afetividade coletiva, a que se refere o termo desejável, e abarcam como disse as aspirações, os desejos e as imagens ideais do futuro.

►Afirmar um juízo de realidade implica reconhecer uma pessoa diferente de si.

Em sua especificidade, os juízos de realidade se referem ao fato de que a realidade é sempre de alguém, se afirma em um quadro social como minha, sua, nossa realidade; como a realide de outrem (dele), de um grupo, de uma classe, de uma sociedade.

Embora se efetue mediante os símbolos sociais, toda a comunicação social acontece em estado de realidade, e os indivíduos estão a todo o momento formulando juízos de realidade para poderem comunicar. Reconhecer a realidade de uma pessoa diferente de si, descrever seus procedimentos, sua maneira de ser e agir implica afirmar um juízo de realidade.

Por sua vez, a sociedade está sujeita a flutuações e até aos movimentos cíclicos e o progresso retilíneo em direção a um ideal particular, tomado como um movimento constante, como na filosofia da história, não pode valer mais do que para períodos determinados – em outros períodos a sociedade pode orientar-se em sentido oposto ao ideal ou por um ideal completamente diferente.

A falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor leva a concepções restritivas da sociedade.

►A psicologia social em base psicanalítica só considera a mentalidade individual exclusiva.

Nota-se, por exemplo, que, ao procurar sempre explicar a vida social pelos recalcamentos e complexos, a psicologia social em base psicanalítica desconhece (a) a autenticidade humana dos juízos de realidade (b)bem como a experiência humana efetiva da mentalidade intergrupal, interindividual e coletiva; (c) só considera a mentalidade individual exclusiva, isto é, referida unicamente aos desejos.

Despreza o fato de que a realidade é sempre de alguém, e representa a sociedade através do elemento de coerção, como foco da repressão aos desejos individuais. Desta sorte, os indivíduos viveriam em eterno conflito com os comportamentos sociais tidos como restringidos aos modelos culturais e seus símbolos estandardizados [ii].

►Uma visão singular da sociedade é manifestação de caráter coletivo.

Mas não é tudo.  A falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor torna impossível o acesso da análise sociológica a um dado fundamental da vida social que é a variabilidade.

Gurvitch nos lembra que a identificação da sociologia e da filosofia da história afirma a pressuposição monista que é absolutamente irreal. Vale dizer, não existe uma Sociedade com “S” maiúsculo, mas só há sociedades múltiplas, em tal sorte que o sociólogo é levado a pôr em relevo em cada sociedade a ocorrência de tendências variadas, e em cada crise o anúncio de diversas soluções possíveis.

O termo realidade social e o termo sociedade cobrem fenômenos muito diferentes segundo se trate de diferentes épocas históricas, de diferentes civilizações, de diferentes tipos sociais.

Uma visão singular da sociedade e um modo próprio de interpretar sua natureza são manifestações de caráter coletivo que se encontra em cada tipo de sociedade global.

Ora, o culturalismo abstrato de Max Weber articula uma concepção sem nenhum contato com essas manifestações do real concreto. Daí sua insuficiência.

***************


[i] As teorias de consciência aberta foram desenvolvidas por Bergson, por Husserl, por Bachelard e promovidas nos meios sociológicos por Gurvitch como levando à constatação da imanência recíproca do individual e do coletivo. Vejam Gurvitch, Georges (1894-1965): “Dialectique et Sociologie”, Flammarion, Paris, 1962, 312 pp., Col. Science.

[ii] Em meu livro “A Utopia Negativa: Leituras de Sociologia da Literatura”, Bubok, Madrid, 2011, 2ª edição, 148 págs, o problema da estandardização como efeito da indústria cultural no século XX é devidamente debatido em detalhes. http://www.bubok.es/libros/210606/A-Utopia-Negativa2-edicao-modificada

O Saber como Controle Social

In history, Politics, portuguese blogs, twentieth century on November 13, 2008 at 4:23 pm

image-gotica-reduzida2Em sociologia é básico que nenhuma comunicação pode ter lugar fora do psiquismo coletivo (as consciências são intercomunicadas), em conseqüência, sendo todo o conhecimento comunicável (pelos mais diversos simbolismos sociais, incluindo as linguagens humanas), a existência dos conhecimentos coletivos e suas hierarquias ou sistemas é igualmente preponderante em sociologia.
Estudam-se os sistemas cognitivos a partir dos tipos de sociedades globais decompondo-os segundo as classes do conhecimento que, por sua vez, podem ser (a) – mais profundamente implicados na realidade social – o conhecimento perceptivo do mundo exterior, o conhecimento de outro e o conhecimento de senso comum, estudados nesta seqüência; (b) – menos espontaneamente ligadas aos quadros sociais ou cuja ligação funcional requer o diálogo e o debate: como é o caso para o conhecimento técnico, o conhecimento político, o conhecimento científico e o conhecimento filosófico.
O conhecimento perceptivo do mundo exterior é privilegiado e dá conta das perspectivas recíprocas sem as quais não há funções estritamente sociais, enquanto os demais conhecimentos já são classes de conhecimento particular, já são funções correlacionadas dos quadros sociais e pressupõem aquele conhecimento perceptivo do mundo exterior.
Onde se verifiquem as classes do conhecimento mais profundamente implicadas na realidade social (o conhecimento perceptivo do mundo exterior, o conhecimento de outro e o conhecimento de senso comum) descobre-se a simples manifestação dos temas coletivos – os Nós, os grupos, as classes sociais, as sociedades (Ver neste Blog As Aplicações da Sociologia do Conhecimento, )
►Daí o saber como controle ou regulamentação social, ou seja: o conhecimento aparece como obstáculo ao avanço real desses temas de que tomamos consciência, é constringente como aquilo que suscita os esforços e faz participar no real, levando desse modo à configuração da funcionalidade dos quadros sociais como reciprocidade de perspectivas, aos quais são essas classes de conhecimento as mais espontaneamente ligadas.
Assim, por exemplo, quando formulamos em palavras o conhecimento de um Nós do qual tomamos consciência como tema coletivo (que apreendemos ou vivenciamos e percebemos antes de ajuizar o conhecimento), verificamos neste caso um obstáculo ao avanço real dessa experiência humana vivida, obstáculo surgido por força da objetivação pela própria linguagem conceitual.
Tal é um exemplo do saber como fato social assinalado em termos didáticos, sendo a este aspecto da condição humana que o sociólogo chama regulamentação ou controle social pelo saber, acentuando a eficácia do conhecimento na realidade social e na “colagem” das estruturas. Sendo a notar que essa função de argamassa do conhecimento e dos demais controles sociais não deve ser confundida com a ideologia, que decorre da consciência mistificada (Ver neste Blog “A Utopia do Saber Desencarnado, a Crítica da Ideologia e a Sociologia do Conhecimento”).
►Na sociologia do conhecimento são reafirmados e desenvolvidos os postulados realistas básicos de que: (a) nenhuma comunicação pode ter lugar sem o psiquismo coletivo; (b)  todo o conhecimento é comunicável mediante os mais diversos símbolos sociais; (c) a língua não é senão um meio para reforçar a interpenetração e a participação em um todo.
Aqui não se corre o risco de cair no preconceito do “culturalismo abstrato” que, olvidando as censuras sociais como elementos de regulamentação presentes como princípios de efetividade nas obras de civilização, atribui ao conhecimento (e a todas as obras de civilização: arte, religião, direito, moral, conhecimento, educação) uma independência e uma ineficácia muito maior do que as mesmas têm efetivamente na engrenagem complexa e constringente da realidade social.
Quer dizer, é improcedente a objeção de que os conhecimentos e a mentalidade coletiva que lhes serve de base só poderiam vincular-se às sociedades globais e às classes sociais.
Essa objeção assenta no pressuposto dogmático de que tais quadros sociais operariam sobre o saber que corresponde às manifestações da sociabilidade (massas, comunidades, comunhões).
Vale dizer, carece de fundamento dialético supor que as sociedades globais e as classes sociais operariam sobre o saber como uma força tal que modificariam completamente não só as tendências cognitivas dos grupos – afirmadas nas massas, comunidades e comunhões que os constituem –, mas também as tendências cognitivas das manifestações da sociabilidade elas próprias, como quadros sociais diferenciados (1).
Sem dúvida, a orientação do realismo sociológico contrário ao “culturalismo abstrato” com ascendência em Max Weber, não exclui o cotejo dos sistemas de conhecimento com as sociedades globais. Pelo contrário, como vimos, trata-se de um cotejo imprescindível para que tenha relevo o estudo das relações entre os grupos particulares e o saber, embora seja admitido, junto desse estudo, como igualmente indispensável, o estudo das manifestações da sociabilidade como quadros sociais do conhecimento, incluindo a Massa, a Comunidade, a Comunhão – ou seja: a “microssociologia” do conhecimento, segundo a classificação de Gurvitch (2).
Enfim, para o sociólogo importa que idéias tão abstratas como as de tempo e de espaço estão a cada momento da sua história em relação íntima com a estrutura social correspondente. Da mesma maneira, se aprende com Durkheim que as categorias lógicas são sociais em segundo grau… não só a sociedade as institui, mas constituem aspectos diferentes do ser social que lhes servem de conteúdo… O ritmo da vida social é que se encontra na base da categoria do tempo; é o espaço ocupado pela sociedade que forneceu a matéria da categoria do espaço; foi a força coletiva que criou o protótipo do conceito de força eficaz, o elemento essencial da categoria de causalidade… O conceito de totalidade é, afinal, a forma abstrata do conceito de sociedade (3).
***
Notas
(1)- Gurvitch, Georges (1894-1965): “Los Marcos Sociales Del Conocimiento”, Trad. Mário Giacchino, Monte Avila, Caracas, 1969, 289 pp. (1ªedição em Francês: Paris, Puf, 1966). Pág.23.
(2)- Ibidem, págs.55 sq. Ver também: Lumier, Jacob (J.): “Técnica, Tecnificação, Sociologia do Conhecimento“, septiembre de 2008, E-book PDF, 101 págs, OEI, Cf. págs. 27 a 62.
(3)- Ver (Gurvitch, Georges (1894-1965): “Problemas de Sociologia do Conhecimento”, In Gurvitch (Ed.) et Al. ”Tratado de Sociologia – Vol.2”, Trad: Ma. José Marinho, Revisão: Alberto Ferreira, Iniciativas Editoriais, Porto 1968, págs.145 a 189 (1ªedição Em Francês: PUF, Paris, 1960).