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In cidadania, Democracia, dialectics, direitos humanos, history, Politics, sociologia, twentieth century on October 21, 2017 at 1:45 pmLa sociología y los estudios jurídicos en el enseño de los derechos humanos (Libro)
In cidadania, Democracia, dialectics, direitos humanos, history, Politics, sociologia, twentieth century on August 21, 2017 at 1:15 pmAnalisis del problema de la convivencia de derechos en el enseño de los derechos humanos
El desafío del presente trabajo es poner en relieve la diferencia y complementariedad entre los estudios jurídicos y la sociología ante el enseño de los derechos humanos. En los estudios jurídicos, la constatación de que los derechos de un individuo conviven con los derechos de otros no es tratada como un hecho social en el sentido empírico del termo, sino que es un resultado, y acontece únicamente bajo condición. Es la colocación en perspectiva de la actividad de ponderación, característica de los tribunales, que es tenida por indispensable para que sea posible la dicha convivencia de derechos, la cual se revela, pues, un hecho normativo, ideal a ser protegido por los tribunales. Sin embargo, el carácter social histórico de los derechos humanos es incontestable y debe ser llevado en cuenta. En sociología, no es posible dejar de lado el hecho de la correlación de los derechos con los cuadros sociales. Es decir, el hecho social de la fusión parcial entre las prerrogativas de unos y las obligaciones de otros, que precede la actividad de ponderación.
Entraves ideológicos para a aproximação de sociologia e direitos humanos. Notas sobre o hegelianismo em Max Weber e em Karl Marx
In alienação, ciencias sociais, conhecimentos universitários, dialectics, direitos humanos, divulgação científica, ensino superior, história, history, leitura, metodologia científica, século vinte, sociólogo, sociologia, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on January 6, 2017 at 10:11 ampor Jacob (J.) Lumier
Abstract
A influência do hegelianismo e da ideologia da dialética, como contrários aos direitos humanos e as convenções internacionais neste campo, deve-se ao peso histórico do mesmo como fonte da doutrina de soberania nacional exclusiva, em cujas fronteiras as sociologias se deixam aprisionar como sociologias nacionais, alheias ao esforço atual de internacionalização desta disciplina científica.
Neste trabalho, distinguimos inicialmente a influência do hegelianismo na sociologia do conhecimento, que é constatada na concepção conservadora do saber, como instrumento de adaptação do espírito às situações existentes ao longo da história, que seduziu a Karl Mannheim. Mas, na transposição de valores que lhe corresponde, o hegelianismo exerce uma influência mais ampla, que alcança a teoria sociológica, na medida em que esta assume uma filosofia da história, como em Max Weber e em Karl Marx. Nesse aspecto, o hegelianismo passa uma verdade chamada a se afirmar fora de qualquer quadro de referência, como ausência de limite da vontade universal mítica, cuja expressão os mencionados sociólogos representam como ligação entre teodiceia e ideologia revolucionária.
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Ver igualmente nesta Web Leiturasociologica’s Weblog “A Utopia do Saber Desencarnado, a Crítica da Ideologia e a Sociologia do Conhecimento” (2008).
Sumário
Influência do hegelianismo na sociologia. 2
A teodicea como tema crítico no estudo dos séculos XIX e XX. 3
O Conceitualismo e a ideología do método dialético em Hegel 4
Hegel como coveiro da responsabilidade individual 5
O fracasso de Hegel como pensador do seu tempo. 6
O desvio de Hegel e seu ponto de vista da eternidade. 7
Da Filosofia cristã à Transposição de Valores: Hegel pensador do absolutismo 8
Finalidade negativa da teodiceia no sistema do hegelianismo. 9
A “tensão da religião” como conhecimento teológico. 10
A incongruência entre o destino e o mérito. 11
Ideologia proletária e Teodiceia em Karl Marx. 12
A sociologia deve livrar-se desse mistério. 13
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Influência do hegelianismo na sociologia
Um dos aspectos que pode explicar o estabelecimento de fronteiras nacionais para a sociologia, bem como a pouca sensibilidade dos cientistas políticos para com os direitos humanos, pode ser atribuído à ideologia da dialética [i], cuja representação mítica pode ser rastreada na nefasta influência do hegelianismo, tanto em Max Weber quanto em Karl Marx. Isto porque, nos antípodas de Platão e fixada na teodiceia, a razão em Hegel guarda um enfoque profundamente conservador: não é do tipo platônico. A razão de tipo platônico implica a responsabilidade individual, com desprezo do costume, do hábito e da tradição ou “justa opinião” (idoxa), e valoriza o conhecimento, a episteme, como a nova forma de racionalidade e consciência moral descoberta por Sócrates. Em Hegel, pelo contrário, a “noção de realização de uma razão consciente de si própria cumpre-se na vida de uma nação”.
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Quando se fala da influência do hegelianismo na sociologia do conhecimento lembra-se a obra “Ideologia e Utopia”, de Karl Mannheim[ii], autor que, embora não apresente uma análise da teodiceia, já tratada no âmbito da sociologia do conhecimento por Max Weber [iii], comporta um enfoque neo-espiritualista inteiramente baseado na concepção hegeliana conservadorista, tomando o saber como instrumento de adaptação do espírito às situações existentes ao longo da história.
O próprio Karl Mannheim afirma nessa mesma obra que a suposta “relação dialética” em que ”a ordem existente dá surgimento a utopias que, por sua vez, rompem com os laços da própria ordem existente, deixando-a livre para evoluir em direção à ordem de existência seguinte”, é uma formulação que “já foi bem enunciada pelo hegeliano Droysen”, cujas definições Mannheim reproduz e subscreve, destacando a sentença de que” toda a evolução no mundo histórico se processa da seguinte forma: o pensamento, que é a contrapartida ideal das coisas como estas existem na realidade, se desenvolve como as coisas deveriam ser…”; na medida em que esses pensamentos “possam elevar as condições ao nível deles próprios, alargando-se depois e se enrijecendo de acordo com o costume, com o conservadorismo e a obstinação, uma nova crítica se faz necessária, e assim por diante” (op.cit: p.223).
Porém Mannheim vai mais longe no seu neo-hegelianismo e, reforçando a concepção conservadorista do saber, consente que “o critério razoavelmente adequado para a distinção entre o utópico e o ideológico é sua realização: ideias que posteriormente se mostraram como tendo sido apenas representações distorcidas de uma ordem social passada ou potencial eram ideológicas, enquanto as que foram adequadamente realizadas na ordem social posterior eram utopias relativas”.
Mannheim entende que “as realidades atualizadas do passado põem um termo ao conflito de meras opiniões...” sobre o que era utópico e o que era ideológico (ib.p.228). Então, o problema crítico do espiritualismo ou da teodiceia, examinado por Ernst CASSIRER em O Mito do Estado[iv], sobre a transposição do hegelianismo ou conservadorismo hegeliano em ideologia da dialética [v] (ou “ideologia revolucionária”, como prefere Cassirer) torna-se com Mannheim no problema do “princípio vital que vincula o desenvolvimento da utopia com o desenvolvimento de uma ordem existente” (cf.op.cit. p.222), de tal sorte que o conservadorismo hegeliano, em sua concepção do saber como instrumento de adaptação, resta consagrado como paradigma de análise sociológica, sem tornar-se preliminarmente objeto de crítica alguma na obra desse polêmico autor.
A teodiceia como tema crítico no estudo dos séculos XIX e XX
A teodiceia é um tema crítico no estudo do século XX desde os pontos de vista filosófico e sociológico. A teodiceia de Hegel liga-se, segundo Cassirer, a sua visão da história do mundo – e não à sua visão da história da humanidade – e comporta uma recusa da oposição entre o conteúdo que os pensadores cristãos chamavam reino da natureza e o reino da graça ou dos fins. Pascal, por exemplo, acentuava que o Deus dos cristãos será sempre um obstáculo inamovível para todos os filósofos: é um Deus oculto envolvido em mistério. Hegel, em sua recusa, teria empreendido revelar esse mistério.
Em “O Mito do Estado” (cf.op.cit, pp.267 a 294), lemos, com Ernst Cassirer, o seguinte: o que Hegel apresenta na sua filosofia da história é um paradoxo: é um racionalismo cristão e um otimismo cristão. É a pretensão de que a religião cristã deve ser interpretada no seu sentido positivo e não no seu sentido negativo. No dizer do próprio Hegel: “Deus revelou-se, isto é, permitiu-nos compreender aquilo que ele é; daí não ser mais uma existência oculta ou secreta”. Para Hegel, na história, os dois fatores “tempo” e “eternidade” não se encontram separados um do outro, mas interpenetram-se. A eternidade não transcende o tempo; pelo contrário: é no tempo que ela se encontra. O tema da filosofia é “alcançar o reconhecimento da substância que está imanente no que é temporal e transitório, e do eterno que está presente”.
O Conceitualismo e a ideologia do método dialético em Hegel
Em seu comentário, Cassirer sublinha que, ao contrário de Platão, Hegel não procura a “ideia” em qualquer espaço supercelestial, mas encontra-a na atualidade da vida social do homem e das lutas políticas. A verdadeira vida da Ideia, do Divino, começa na história. Cassirer nos esclarece que os pensadores filosóficos ou teológicos falaram da história como de uma revelação divina, mas, no sistema hegeliano, a história não é mera aparência de Deus, mas a sua realidade: Deus não só tem história, ele é história.
Desta sorte, a concepção hegeliana do Estado desprende-se da sua concepção de história como teodiceia e, por esta via, enseja o problema crítico da evolução do sistema filosófico de Hegel, quer dizer: o problema da sua transposição, como expressão do conservadorismo, para tornar-se ideologia de uma pretensa dialética, que salta as etapas do processus histórico.
O posicionamento de Cassirer é de que a forma do sistema hegeliano, que canoniza o existente como tal, era fartamente superior ao seu conteúdo imediato, de tal sorte que “muito depois da morte de Hegel e depois da queda da sua metafísica, o sistema continuava a funcionar”.
Isso deve ser atribuído ao caráter geral ou de conceito geral (conceitualismo) do método dialético em Hegel, que releva de uma concepção do pensamento como dupla face, que olha para frente e para trás: no processus dialético hegeliano houvera um ato de conservação que é necessariamente um ato de revolução. Seja o que for que se torne um ser pelo processus dialético é preservado como um elemento integral, mas a sua realidade isolada anula-se: toda a existência finita tem de perecer a fim de dar lugar a formas novas e mais perfeitas.
O Paradoxo:
Hegel como coveiro da responsabilidade individual
Nos antípodas de Platão e nutrida de teodiceia, a razão em Hegel guarda um enfoque profundamente conservador: não é do tipo platônico. A razão de tipo platônico implica a responsabilidade individual, com desprezo do costume, do hábito e da tradição ou “justa opinião” (“idoxa”), e valoriza o conhecimento, a episteme, como a nova forma de racionalidade e consciência moral descoberta por Sócrates. Em Hegel, pelo contrário, a “noção de realização de uma razão consciente de si própria cumpre-se na vida de uma nação”.
Cassirer resume que, nas antípodas de Platão, a razão em Hegel guarda um enfoque profundamente conservador e não é do tipo platônico. A razão de tipo platônico implica a responsabilidade individual, com desprezo do costume, do hábito e da tradição ou “justa opinião” (“idoxa”), e valoriza o conhecimento, a episteme, como nova forma de racionalidade e consciência moral descoberta por Sócrates [vi].
Em Hegel, pelo contrário, a “noção de realização de uma razão consciente de si própria cumpre-se na vida de uma nação”. A razão aparece aqui como a fluente substância universal, a qual se partilha ao mesmo tempo em muitos seres inteiramente independentes. Eles estão conscientes dentro de si próprios de serem eles mesmos estes seres independentes e individuais, através do fato de cederem e sacrificarem a sua individualidade particular; e sabem que essa substância universal é sua alma e essência. Tal o aspecto mítico.
Acentuando o paradoxo de Hegel, nos diz Cassirer que o filósofo tem clareza sobre seu modo de tratar o problema da sabedoria divina como teodiceia, como justificação dos procedimentos de Deus, e que isso é formulado pelo próprio Hegel ao sustentar que a Providência se manifesta também na história universal e não apenas “em animais, plantas e ocorrências isoladas”, de tal sorte que “o mal que se encontra no mundo pode ser compreendido, e o Espírito pensante reconciliado com o fato da existência do mal”.
E Hegel, ele mesmo, prossegue: “na verdade, em parte alguma existe uma visão tão harmoniosa quanto na história universal, e só pode ser alcançada pelo reconhecimento da existência positiva, na qual esse elemento negativo é uma nulidade subordinada e vencida” [vii].
Para Cassirer, resulta então inegável que Hegel “canoniza o existente como tal”, e tenta justificar a dura e cruel “realidade desprezada”. O mal não aparece como um fato acidental ou como horrível necessidade: o mal em Hegel não é apenas “razoável”: é a própria encarnação e atualização da razão. Não no sentido da razão como imperativo moral, mas a razão que vive no mundo histórico e que o organiza. No dizer de Hegel, “o mundo real é como devia ser a razão divina universal”: “o verdadeiro bem não é mera abstração, mas um princípio vital capaz de se realizar a si próprio”. “A filosofia deseja descobrir o sentido substancial, o lado real da ideia divina, e justificar a realidade das coisas, tão desprezada”.
O fracasso de Hegel como pensador do seu tempo
Nota Cassirer, enfatizando sua tese, que tal harmonização do mundo real com a razão divina só se compreende se tivermos em mente a tendência específica da filosofia religiosa de Hegel e da sua filosofia da história. Quer dizer, se aprofundarmos no já mencionado conflito de Hegel com o dualismo do pensamento metafísico, que separa o mundo sensível do mundo inteligível.
No estudo dessa “tendência específica”, cabe sublinhar, Cassirer observa que Hegel efetivamente fracassou a respeito do mais importante ponto da filosofia moderna e contemporânea para as ciências humanas, e não conseguiu identificar realidade com existência empírica, sendo esta distinção lógica que se tem em mente ao falar-se do sistema de Hegel, levando-o, por falta da identificação com a realidade, a canonizar o existente.
O desvio de Hegel e seu ponto de vista da eternidade
Em sua tese sobre Hegel, e nos antípodas do Dilthey autor de “Hegel y el Idealismo” [viii], Cassirer começa por contestar que haja identidade de Hegel com outros pensadores ditos “monistas”, como Spinoza, no qual, aos olhos do próprio Hegel, o dualismo se mantém, embora apareça sob nova forma. Se o Deus de Spinoza não é causa transcendente, mas causa imanente; se Deus e a Natureza são uma e a mesma coisa, esse Deus é, segundo Hegel, uma unidade sem vida; é o rígido e abstrato Uno que não admite diferenças, mudança ou variedade, restando um abismo intransponível entre a ordem do tempo e a ordem da eternidade: quer dizer, o tempo não tem verdadeira realidade, não é objeto próprio da filosofia nessa imagem que Hegel se faz de Spinoza.
Para Hegel, nessa leitura de Cassirer, Spinoza não contestaria a realidade de Deus, não seria ateísta, mas contestaria a realidade do mundo, seria um “a-cosmita”. Nesta figura, a Natureza deixa de ter um significado independente, sendo absorvida pela unidade abstrata de Deus – isto é, pela substância spinozista, que existe em si própria e deve ser concebida por si própria. O tempo é insubstancial, irreal e indigno do pensamento filosófico, que se limita a olhar as coisas sob forma de eternidade.
Da Filosofia cristã à Transposição de Valores: Hegel pensador do absolutismo
Em sua perspicaz leitura, Cassirer opõe a afirmação de que a filosofia cristã parece ser fundamentalmente oposta a tal revogação e aniquilamento do tempo, atribuído à substância spinozista. Seu argumento é de que, na filosofia cristã, a encarnação do Cristo não é um fato metafísico, mas histórico. É um acontecimento no tempo, o qual, então, não pode considerar-se como coisa meramente acidental, mas é essencial.
Segundo nosso autor, ao enfrentar essa dificuldade, Santo Agostinho tivera acolhido a distinção platônica entre o mundo sensível e o suprassensível, entre o fenomenal e o numeral, mas, contrariando a Platão e a todos os outros filósofos da Antiguidade, tivera que desenvolver uma filosofia da história em sua Civitas Dei, determinando a relação entre a ordem eterna e a ordem secular ou temporal, sem que, porém, o abismo que separa essas duas ordens deixasse de permanecer intransponível. Será a partir deste ponto que Cassirer sublinhará a transposição de valores em Hegel.
Segundo o mesmo autor, a tendência específica da filosofia de Hegel é como dissemos a tendência de revelar esse mistério do abismo entre as duas ordens: quer dizer, na tentativa de revelar o “acontecimento essencial”, nota-se o projeto conservador de Hegel de justificar a realidade desprezada, que o levará ao paradoxo, misturando racionalismo cristão e otimismo cristão; confundindo a possibilidade do conhecimento humano e a crença na existência revelada de Deus; colocando, enfim, a eternidade no tempo histórico do mundo.
O produto final desse paradoxo será a transposição de valores, a inversão pela qual Hegel conceberá um Estado que, igualmente à sua concepção do grande homem, não tem qualquer obrigação moral.
Segue-se que, por este enfoque, se, no sistema hegeliano, a história não é mera aparência de Deus, mas a sua realidade; se a realidade como tal deve ser definida em termos de história (que são termos da Natureza) e se o Estado é o pré-requisito da história, então devemos ver no Estado a suprema e mais perfeita realidade!
O Estado de Hegel é não só a representação, mas a própria encarnação do Espírito do Mundo; a civitas terrena de Santo Agostinho lhe aparecia como a “ideia divina” tal qual ela existe na terra. E Cassirer faz a síntese: “trata-se de um tipo inteiramente novo de absolutismo”.
Finalidade negativa da teodiceia no sistema do hegelianismo
Nota que, em face do paradoxo e do dualismo, uma das principais finalidades da teodiceia de Hegel é negativa, e consistia em repelir as lamentações da consciência moral e sustentar a impossibilidade em descobrir a substância ética numa lei tida por meramente formal, como atribuído a Spinoza.
Em consequência, a mística “realidade essencial” exprimir-se-ia então na vida do Estado: o Estado tomado como mente absoluta e infalível, que não reconhece regras abstratas de bem e mal, do vergonhoso e mesquinho, de astúcia e engano.
Nota Cassirer que Hegel distingue entre Moralitat (moralidade) e Sittlichkeit (eticidade) e que essa fórmula do Estado como mente absoluta encontra-se no seu “Sistem der Sittlichkeit” (sistema da eticidade), na obra “A Fenomenologia do Espírito”.
Na medida em que a teodiceia permite repelir as lamentações da consciência moral e sustentar a impossibilidade em descobrir a substância ética numa lei tida por meramente formal, no sistema do Hegelianismo tem lugar uma transposição de valores, pela qual a moralidade vale para a vontade individual, mas não conta para a suposta vontade universal do Estado: o único dever do Estado nesse sistema de uma eticidade mística é a sua própria conservação.
Nessa transposição de valores está, pois, a principal finalidade da teodiceia no sistema filosófico. E será essa ausência de limite da vontade universal mítica que passará na ideologia da dialética; na crença de que a revolução é desprovida de limites e não conhece obstáculos, ou pode simplesmente saltá-los e criar do nada a ordem nova.
A Teodiceia em Max Weber
Será, então, com referência à defesa da religião, como conhecimento, embora um conhecimento baseado na intuição ou iluminação carismática, que o tema da teodiceia é estudado por Max Weber.
Entretanto, a análise de Cassirer não esgota o interesse sociológico nesta matéria, e a crítica de que a concepção da história do mundo como teodiceia é constitutiva da ideologia da dialética tem amparo na sociologia de Max Weber, que aceita a influência do hegelianismo [ix], em que pese sua descoberta do desencantamento do mundo.
A “tensão da religião” como conhecimento teológico
O tema da teodiceia pode até ser considerado central na sociologia de Max Weber, como nos sugere Raymond Aron [x], sobretudo se tivermos em conta o marco da análise weberiana sobre a “tensão da religião”, como conhecimento teológico ou apologético, isto é, a religião como desprendida de seus aspectos mágicos e místicos para se tornar doutrina (na verdade, essa tensão da religião é um dos aspectos ou dos efeitos do desencantamento do mundo estudado por Max Weber, que não leva diretamente a uma racionalidade exclusiva, já que o mesmo constata uma necessidade racional de teodiceia) [xi].
Quer dizer, teríamos uma incompatibilidade com a ciência positiva e com a filosofia independente da metafísica, como disciplinas que “desencantam o mundo”, como diria Julien Freund [xii]. Disciplinas estas que enfraqueceriam a religião, tornando-a relegada entre as forças irracionais ou antirracionais, que exigem o sacrifício do intelecto.
Será, então, com referência à defesa da religião, como conhecimento, embora um conhecimento baseado na intuição ou iluminação carismática, que o tema da teodiceia é estudado por Max Weber.
Tivera ele observado que o impacto da secularização veste uma nova roupagem à teodiceia, cujo problema central deixa de ser o da existência do sofrimento e do mal para se concentrar no problema da imperfeição do mundo, condenado ao pecado. Tivera ocorrido uma reação, um verdadeiro “processo moral” contra a mentalidade difundida a partir do século XVIII, com os valores humanos sendo alvos de acusação.
A incongruência entre o destino e o mérito
Max Weber repercute o hegelianismo na medida em que coloca a teodiceia na base real dos movimentos messiânicos.
Repercutindo o hegelianismo, a teodiceia aparece então para Weber como a questão essencial das religiões monoteístas, estando na base das escatologias messiânicas, das representações relativas às recompensas e aos castigos na outra vida, sobretudo na base das teorias dualistas, em que se confrontam “bem e mal”, até o triunfo definitivo do bem em um tempo indeterminado.
Será no marco desse dualismo que a ligação entre teodiceia e ideologia revolucionária (ou ideologia da dialética), a que já nos referimos, aparece em Max Weber. E isto em razão das dificuldades crescentes colocadas para a “teodiceia do sofrimento”.
De fato, aparecia demasiado frequente “o sofrimento individualmente imerecido”, pois não eram os homens “bons”, mas os “maus” que venciam – Weber sublinha que isso acontecia mesmo quando a vitória era medida pelos padrões da camada dominante e não pela “moral dos escravos” [xiii] .
O aspecto negativo da teodiceia ou sua “finalidade negativa”, para falar em termos de hegelianismo, vem a ser estudado por Max Weber como uma estrutura mental da teodiceia que lhe aparece como o conjunto das respostas “racionalmente satisfatórias” para explicar a “incongruência entre o destino e o mérito”, de tal sorte que teríamos aí a configuração de uma “necessidade racional”; uma “exigência inerradicável”, levando à “concepção metafísica de Deus e do Mundo” (ibid, ibidem).
Será em relação aos “efeitos extremamente fortes” dessa necessidade racional de uma teodiceia, que Weber atribui “os traços de religiões como o hinduísmo, o zoroastrismo e o judaísmo e, até certo ponto, o cristianismo Paulino e posterior”. Como exemplos desses “efeitos extremamente fortes” da necessidade racional de teodiceia, Weber cita dados de 1906, já no século XX, portanto, mostrando que, dentre um número bastante considerável de proletários, (a) – só uma simples minoria mencionou como razões para deixar de acreditar no cristianismo, as teorias das modernas ciências naturais, enquanto (b) – a maioria referiu-se à injustiça da ordem do mundo.
Para Max Weber, esta última referência revelou a atitude dos que acreditavam “numa compensação revolucionária ainda neste mundo” – quer dizer que, ainda em 1906, os efeitos extremamente fortes da necessidade racional de uma teodiceia estavam presentes e eram atuantes na crença revolucionária dos proletários.
É claro que aa possibilidade para a teodiceia superar seu aspecto negativo e vir a reforçar a crença nas religiões, não era lá muito grande. Em sua análise, podemos ler a fórmula geral de que se pode explicar o sofrimento e a injustiça em referência ao pecado individual, ao pecado dos ancestrais ou pela maldade das criaturas por si. A estas explicações se sobrepõem “promessas de recompensas”, em que têm lugar as esperanças de uma vida melhor no futuro, seja neste mundo ou para os sucessores; ou ainda as esperanças de uma vida melhor no outro mundo. Para Weber, as respostas para a incongruência entre o destino e o mérito não poderiam se afastar muito desse esquema, o que torna prevista a constatação da ligação entre teodiceia e atitude revolucionária (correspondendo à eticidade mística do hegelianismo).
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Ideologia proletária e Teodiceia em Karl Marx
Sem dúvida, indispensável para superar a sombra de Hegel, os resquícios de teodiceia e hegelianismo na sociologia, o exame do problema sociológico da ideologia em Marx resta inconcluso caso não se leve em conta a aspiração à libertação total da alienação, como superação de todas as ideologias. É aqui na perspectiva dessa superação que, mais do que uma aspiração, a ideologia proletária pode se confundir à teoria marxista: uma teoria filosófica, sociológica e econômica possuidora de uma validade universal exatamente porque chamada a ultrapassar todas as ideologias, no sentido extensivo do termo.
Quer dizer: na sociedade futura, o desaparecimento das classes deveria conduzir a uma situação em que todo o conhecimento científico e filosófico seria liberto das suas relações com os quadros sociais: o seu coeficiente social seria eliminado.
Portanto, a ideologia proletária é para Marx um conhecimento liberto das suas relações com os quadros sociais, ideologia esta na qual Marx configura uma concepção de “verdade completa, total, absoluta”, que se afirma fora de qualquer quadro de referência. Em suma, a ideologia proletária não seria somente desalienada: seria um poderoso estimulante da desalienação.
Desde o ponto de vista libertário, há um paradoxo da verdade absoluta ocultando-se sob a ideologia da classe proletária, que desta se serve para se constituir, a fim de fazer triunfar essa verdade na história transformada em teodiceia, no sentido do paradoxo hegeliano retomado por Max Weber, acima observado como incongruência de destino e mérito. Quer dizer, com Marx a teodiceia pode superar as suas dificuldades, mas permanece negativa como no hegelianismo, apontando para uma eticidade mística, no caso, uma verdade chamada a se afirmar fora de qualquer quadro de referência.
A sociologia deve livrar-se desse mistério
Quanto à sociologia, deve livrar-se desse mistério em que, através do hegelianismo, a filosofia da história vinga-se da análise sociológica, impondo uma verdade chamada a se afirmar fora de qualquer quadro de referência, e deve pôr em relevo o caráter desnecessário da ligação entre ideologia e alienação, observada no capitalismo.
Uma vez assim desmistificada, a ideologia revela-se um aspecto do conhecimento político que se afirma em todas as estruturas e em todos os regimes, mas cuja importância e cujo papel variam. Esse reconhecimento favorece o aproveitamento da sociologia do conhecimento de Marx, como estudo dialético das correlações entre o conhecimento e os quadros sociais.
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06 de janeiro 2017
Jacob (J.) Lumier
http://www.leiturasjlumierautor.pro.br/
Notas
[i] Ernst Cassirer fala de “ideologia revolucionária”, mas a define como representação de um procedimento que salta as etapas do processo histórico. Neste sentido, o termo “ideologia da dialética”, aqui adotado, é bem colocado e permite evitar equívocos com a propaganda de ideologias revolucionárias. Por outro lado, cabe notar que o termo ideologia da dialética não tem referência alguma aos autores reacionários como Karl Popper, que despreza a dialética como realidade reconhecida em sociologia. A ideologia da dialética ora em questão refere-se exclusivamente à representação de um procedimento que salta as etapas do processo histórico, como proposta equivocada para a sociologia do conhecimento.
[ii] Mannheim, Karl: « Ideologia e Utopia: uma introdução à sociologia do conhecimento », tradução Sérgio Santeiro, revisão César Guimarães, Rio de Janeiro, Zahar editor, 2ªedição, 1972, 330pp. (1ªedição em Alemão, Bonn, F.Cohen, 1929; 2ªedição remodelada em Inglês, 1936).
[iii] Wrigth Mills, C. E Gerth, Hans – Organizadores: « Max Weber: Ensaios de Sociologia », tradução Waltensir Dutra, revisão Fernando Henrique Cardoso, 2ªedição, Rio de Janeiro, Zahar, 1971, 530 pp. (1ªedição em Inglês: Oxford University Press, 1946). Ver pp.318 sq, pp.409 sq
[iv] Cassirer, Ernst: “O Mito do Estado”, trad. Álvaro Cabral, Rio de Janeiro, Zahar editor, 1976, 316 pp. (1ªedição em Inglês, Londres, 1946).
[v] Sobre a dialética efetiva em sociologia, ver Gurvitch,Georges:”Dialectique et Sociologie”, Flammarion, Paris 1962, 312 pp., Col. Science.
[vi] Sobre a descoberta da episteme como consciência moral, veja Mondolfo, Rodolfo: ‘Sócrates’, tradução Lycurgo Motta, São Paulo, editora Mestre Jou, 2ª edição, 1967, 107 pp. (1ª edição em castelhano, 1959), cf. pp. 57 a 61
[vii] cf. Hegel, G.W.F.: “Lectures on the Philosophy ou History”, p.16, apud Cassirer, E.: “O Mito do Estado”, op.cit, p.274; tradução em Francês: “La Raison dans la Histoire”, Paris, Ed.10/18, cf. 1965, p.67sq
[viii] Dilthey, Wilhelm: “Hegel y el Idealismo”, tradução e epílogo Eugenio Imaz, México, Fondo de Cultura Económica (FCE), 1956, 2ª edição, 315 pp (1ª edição em Alemão, G. Misch editor, 1913). pp. 234 sq
[ix] Em que pese a relevância da constatação do desencantamento do mundo na definição do tipo de dominação racional estudado por Max Weber, podem notar com nitidez o peso que o tema da teodiceia ocupa em suas análises.
[x] Nos sugere Raymond Aron que o tema da teodiceia pode ser considerado central em Max Weber. Ver Aron, Raymond: “Les Étapes de la Pensée Sociologique: Montesquieu, Comte, Marx, Tocqueville, Durkheim, Pareto, Weber”, Paris, Gallimard, 1967, 659 pp. Cf. p.546.
[xi] Como sabem, uma das características dos reveses da sociologia de Max Weber e a dispersão de suas análises, como bem observou Gurvitch. Ver Gurvitch, Georges: “Objeto e Método da Sociologia”, in Gurvitch et al.: “Tratado de Sociologia vol.1“, trad. Ana Guerra, revisão: Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1964, pp.15 a 50, 2ªedição corrigida (1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1957). Ver também do mesmo autor e nessa mesma obra coletiva:“Breve Esboço da História da Sociologia”, trad. Rui Cabeçadas, pp.51 a 98. Ver também do mesmo autor: “A Vocação Actual da Sociologia – vol. I: na senda da sociologia diferencial”, tradução da 4ª edição francesa de 1968 por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1979, 587pp. (1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1950).
[xii] Veja Freund, Julien: “Sociologia de Max Weber”, trad. Cláudio de Castro, Rio de Janeiro, editora forense, 1970, 218pp. (1ªedição em Francês, Paris, PUF, 1966). Cf. p.140,141 e passim.
[xiii] Ver Wrigth Mills, C. e Gerth, Hans – Organizadores: « Max Weber: Ensaios de Sociologia », tradução Waltensir Dutra, revisão Fernando Henrique Cardoso, 2ªedição, Rio de Janeiro, Zahar, 1971, 530 pp. (1ª edição em Inglês: Oxford University Press, 1946). Cf pp. 318 sq, pp. 409 sq.
A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica
In análise, conhecimentos universitários, crítica da cultura, dialectics, ensino superior, epistemologia, história, leitura, metodologia científica, pesquisa, século vinte, sociologia, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on March 3, 2016 at 5:01 pmA crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica, por Jacob (J.) Lumier
A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica by Jacob (J.) Lumier is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
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O presente artigo deveria fazer parte do e-book “Cultura e Consciência Coletiva-2” http://www.oei.es/salactsi/CulturaConsci_06_09.pdf . Deve ser lido como parte integrante de uma série de escritos de teoria sociológica cujos links seguem no fim desta postagem.
Trata-se de situar algumas linhas básicas de pesquisa sobre os obstáculos da explicação em sociologia e, por essa via, descrever o debate suscitado em torno ao problema do círculo hermenêutico, como matéria de interesse para o estudo da sociologia do conhecimento e da metodologia científica.
Esse problema do Círculo Hermenêutico foi situado e comentado pelo autor do presente artigo em E-book publicado na OEI em 2007, antes que o referido problema tivesse ampla divulgação na Internet por outros autores de língua portuguesa. Cf Lumier, Jacob (J.):”Leitura da Teoria de Comunicação Social Desde O Ponto de Vista da Sociologia do Conhecimento”- as tecnologias da informação, as sociedades e a perspectivação sociológica do conhecimento, E-book Monográfico, 338 págs. Julho, 2007, bibliografia e índices remissivo e analítico eletrônico. (com Anexos). Link: http://www.oei.es/salactsi/lumniertexto.pdf , cf. págs. 82 sq.
Sumário
A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica.. 1
Karl Popper e o Problema do Círculo Hermenêutico. 1
As teorias historiográficas e as tendências subjetivistas e céticas. 3
A Crítica desenvolvida por Dilthey. 4
Parte 01
Que a sociologia é contra os preconceitos filosóficos inconscientes não há muita novidade nisso. Sabe-se que, apesar de seu culturalismo abstrato, Max Weber insistiu que o cientista social se esforçasse por distinguir os juízos de valor dos juízos científicos. Exigência de objetividade que fora explicada bastante claramente no que Max Scheler e Karl Mannheim chamaram sociologia do conhecimento, a qual, em seus respectivos comentários, Daharendorf qualifica, por sua vez, como “método para a autopurificação dos cientistas sociais”[i].
Karl Popper e o Problema do Círculo Hermenêutico
É claro que essa exigência de objetividade como autopurificação marca a condição mesma de um conhecimento científico, e assimila a ideia de Bacon da pureza do intelecto, isto é, a ideia de purificar o intelecto, purgá-lo de preconceito, conforme a versão de Karl Popper[ii].
Em defesa de sua teoria dinâmica do mundo dos produtos, na referência do qual situa o estudo das teorias e argumentos científicos, esse último autor faz a crítica da influência do psicologismo e, nesse marco, nota que deveria ser lembrado que Husserl e muitos pensadores ainda mais recentes consideravam uma teoria científica como uma hipótese científica que foi demonstrada verdadeira, e que a tese do caráter conjectural das teorias científicas era ainda vastamente execrada como absurda, quando o próprio Karl Popper tentara propagá-la a partir de 1930 (cf. ib. p.348 sq).
Em prosseguimento, Popper expõe uma tentativa de ilustrar, em conexão com o problema da compreensão histórica, a suposta superioridade de seu método, centrado no esforço de reconstruir criticamente as situações de problema, em detrimento do que chamou método psicológico, tido como voltado para reviver intuitivamente alguma experiência pessoal, o qual discutirá em cotejo com R.G. Collingwood[iii], mas em crítica contra Dilthey.
Desta forma, podem observar os dois conjuntos de argumentos que Popper aventa para esclarecer sobre o problema do círculo hermenêutico.
Inicialmente, considera tratar-se de um debate que foi encaminhado por Dilthey, mas supostamente de forma inadequada, já que, segundo Popper, fora desenvolvido em vista de “livrar-se da subjetividade por temer a arbitrariedade” [iv].
Quer dizer, o problema do círculo hermenêutico teria surgido para Dilthey no marco da “necessidade de transcender as tendências subjetivistas e céticas em historiografia” (ib.p.352). É o problema de que o todo, seja de um texto, de um livro, da obra de um filósofo, de um período, só pode ser compreendido se compreendermos as partes constituintes, enquanto estas partes, por sua vez, só podem ser compreendidas se compreendermos o todo (ib.ibidem).
Popper não só sugere haver em Dilthey um desconhecimento da formulação anterior desse problema por Bacon, mas destaca ser essa formulação anterior que deve ser levada em conta, seguinte: “de todas as palavras temos de extrair o sentido de cuja luz cada palavra isolada deve ser interpretada”; e frisa que (1)- a palavra ‘interpretada’, nessa proposição de Bacon, significa ‘lida simplesmente’; e (2)- que a mesma ideia de transcender as tendências subjetivistas e céticas mediante o preceito de confrontar o sentido de “todas as palavras” a “cada palavra isolada” está encontrável em Galileu, lá onde, “a fim de compreender Aristóteles”, deve-se ter “todos os ditos dele sempre diante da mente”.
As teorias historiográficas e as tendências subjetivistas e céticas
Mas não é tudo. Para melhor ilustrar seu método, Popper retorna a Bacon em vista de avaliar a distinção entre “interpretatio naturae” e “anticipationis mentis”, confrontando-a ao uso que supõe ter sido aquele feito por Dilthey.
Com efeito, Popper valoriza a ideia de Bacon da pureza e de purificar o intelecto, e considera que se trata de purgar o intelecto de preconceitos. Sugere que, adequadamente entendida, essa significação equivaleria a purgar o intelecto de teorias historiográficas ou representações de experiências passadas, livrá-lo de “anticipationis mentis”.
Popper inclui, desta forma, as teorias historiográficas ou representações de experiências passadas no âmbito das tendências subjetivistas e céticas, e as situa como características do sentido moderno de “interpretação”, que, segundo ele, é o sentido que Dilthey houvera usado equivocadamente, ao ter traduzido o sentido do “simplesmente lido” por esse sentido moderno, metafórico.
Aparentemente Popper quer estabelecer que a crítica por Dilthey à historiografia e a filosofia da história se volta contra o próprio. Quer dizer, a crítica elaborada por Dilthey não se colocaria acima das tendências subjetivistas e céticas.
A Crítica desenvolvida por Dilthey
Há, porém, aspectos mais sutis e nuances significativas a respeito da orientação crítica de Dilthey que Popper não levou em conta, e que valem como refutação a essa tentativa de identifica-lo ao ceticismo.
Com efeito, na “ Introducción a las Ciencias del Espíritu”, sua mais importante obra, Dilthey nos diz que “todas as fórmulas de Hegel, Schleiermacher ou Comte, com que pretendem expressar a lei dos povos, pertencem ao pensar natural que precede a análise, e que é precisamente metafísico”. Esses pretensiosos conceitos gerais da filosofia da história não são outra coisa que as notiones universales, cuja origem natural fora descrita magistralmente por Spinoza, quem assinalou também seus fatais efeitos sobre o pensamento científico [v].
Todavia, é certo que o posicionamento intuicionista de Dilthey é abstrato, posto que não adota a explicação. No seu dizer: “o conhecimento do todo da realidade histórico-social (…) se verifica sucessivamente em um nexo de verdades que descansa em uma autognosis epistemológica (…)” (ib. p.112).
Nada obstante, embora adote desta forma a compreensão, Dilthey deixa claro sua consciência das limitações dessa autognosis epistemológica, e assim se afasta decididamente da pretensão subjetivista de chegar a um conhecimento conclusivo por esta via, ou seja, rejeita a pretensão de que a compreensão substitua a explicação.
Isto não quer dizer que a possibilidade da explicação esteja excluída na orientação de Dilthey. Pelo contrário. Comprometido com a busca de uma metodologia científica, esse pensador rejeita igualmente excluir a possibilidade da explicação e, por essa postura crítica, consegue limitar o aspecto cético de sua orientação, isto é, a atribuição de valor positivo exclusivamente à compreensão, restringindo seu alcance ao que há de previsível em relação à possibilidade da explicação. Posicionamento esse facilmente perceptível no desdobramento de sua análise sobre o conhecimento do todo da realidade histórico-social, a saber que “(…) nessa conexão de verdades se chega a conhecer a relação entre fatos, lei e regra por meio da autognosis”. Quer dizer, a compreensão encontra uma abertura para seu caminhar até a explicação.
A análise de Dilthey também nos mostra quanto distante estamos de toda a possibilidade previsível de uma teoria geral do curso histórico, por mais modestos que sejam os termos em que se fala dela. A história universal, na medida em que não é algo sobre-humano, formaria a conclusão desse todo das ciências do espírito. (ib. p.112) E ainda lemos: “a ciência unicamente se pode aproximar a encontrar princípios claros de explicação por meio da análise e valendo-se de uma pluralidade de razões explicativas” (ib.ibidem).
Em suma, o fato de Dilthey não adotar fundamentalmente a explicação não faz dele obrigatoriamente um subjetivista cético, tanto mais que ele repele inequivocamente e se afirma crítico dos preconceitos filosóficos, como conceitos gerais cultivados na filosofia da história, e não somente reconhece o valor epistemológico das razões explicativas, mas sustenta que a análise fundada na autognosis epistemológica ou, simplesmente, fundada na compreensão, se revela o único meio capaz de encontrar os princípios de explicação – embora fundada na intuição, o campo da análise compreensiva não é completamente estranho à objetividade da possível explicação determinística.
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Continua na Parte 02
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Escritos conexos
http://www.oei.es/salactsi/CulturaConsci_06_09.pdf
O presente artigo é parte integrante da série de escritos cujos links seguem abaixo.
https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/11/03/culturalismo-e-sociologia/
https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/10/23/cultura-e-objetividade/
https://leiturasociologica.wordpress.com/sartre-e-a-sociologia-diferencial/
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Notas
[i] DAHARENDORF, Ralf: “Ensaios de Teoria da Sociedade”, trad. Regina Morel, revisão e notas Evaristo de MORAES FILHO, Rio de Janeiro, Zahar-Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 1974, 335pp. (1ªedição em Inglês, Stanford, EUA, 1968), p.273].
[ii] POPPER, Karl: ‘Conhecimento Objetivo: Uma abordagem evolucionária’, tradução Milton Amado, São Paulo/Belo Horizonte, EDUSP/editora Itatiaia, 1975, 394pp, traduzido da edição inglesa corrigida de 1973 (1ªedição em Inglês : Londres, Oxford University Press, 1972), pág. 353.
[iii] COLLINGWOOD, R.G.: “A Ideia de História”, trad. Alberto Freire, Lisboa, Ed. Presença, 1972, 401pp. (1ªedição em Inglês, 1946), pp.343 a 401.
[iv] POPPER, Karl : ‘Conhecimento Objetivo : uma abordagem evolucionária, op. cit. Pág. 171.
[v] DILTHEY, Wilhelm: “Introducción a las Ciencias del Espíritu: em la que se trata de fundamentar el estudio de la sociedad y de la historia”, tradução e prólogo por Eugenio ÍMAZ , México, Fondo de Cultura Económica, 1944, 485pp. (1ªedição em Alemão, 1883), pág.113.