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O Calvário de Proust

In sociologia da literatura, twentieth century on March 31, 2013 at 9:35 am

O Calvário de Proust.

 

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O Calvário de Proust

 

A Moral do Artista: Leitura de Proust (Uma Abordagem Inspirada em Samuel Beckett) – Ensaio por Jacob (J.) Lumier

Fragmento do libro “A Moral do Artista: Leitura de Proust“, por Jacob (J.) Lumier

(Uma Abordagem Inspirada em Samuel Beckett)  – Ensaio

Internet, versão E-book pdf, Setembro 2010, texto: 131 págs.

Com notas, referências bibliograficas e índice analítico eletrônico (sumário).

Editor Bubok Publishing http://www.bubok.es/libros/190395/A-Moral-do-Artista-Leitura-de-Proust

Publicação do Websitio Produção Leituras do Século XX – PLSV: Literatura Digital http://www.leiturasjlumierautor.pro.br

 

 

 

 

 

PARTE QUARTA:

 Sentimento e Individuação  –  Sob A Visão de Albertine  

A filosofia estética do sentimento como Expressão da individuação.

 

 

 

A análise desenvolvida sobre a cena do primeiro contato em Balbec nos mostra um narrador às voltas com a multiplicidade pictórica de Albertine convertendo-se em uma multiplicidade plástica.

A Multiplicidade Plástica

Nesse desenvolvimento do pictórico ao plástico a visão de Albertine antes e depois do primeiro contato se altera muito mais do que um simples efeito do ângulo de enfoque do observador, desembocando em um tumulto de contradições objetivas e imanentes, sobre as quais o sujeito carece de controle.

O narrador vê Albertine pela primeira vez incorporada ao brilho do pequeno bando de moças em bicicletas contrastadas pelo mar. Grupo pictórico este que, em sua adoração invejosa, o narrador simbolizará nas Bacantes.

Albertine lhe parece carecer de individualidade e, nessa imaginação pictórica, está como envolta em um casulo: “uma crisálida delicada e quase abstrata”, em tal modo que “só o mistério do bando orgiástico de Bacantes” envolvendo-a num “cerco de rosas que rompe as linhas das ondas” será a única imagem válida, e permanecerá nas referências posteriores do narrador.

Em outro dia, ela o fita na praia e Beckett nos reproduz a frase desse relato retrospectivo, escrita pelo narrador então já fascinado pelo desejo de possuí-la e pressentindo a impossibilidade desse sentimento: “soube que não possuiria a jovem ciclista se não conseguisse possuir o que havia em seus olhos” – ele ainda não consegue vê-la dissociada do mistério das bacantes em bicicleta.

O contato com ela lhe é proporcionado pelo pintor Elstir que lha apresenta, e ele “começa a conhecê-la através de uma série de subterfúgios” em que cada fragmento de sua fantasia e seu desejo é substituído por um conceito bastante menos preciso.

Criar-se-á então a Albertine da multiplicidade plástica, cujas expressões são equiparáveis a um caleidoscópio.

Empenha-se em observá-la em todas as oportunidades. Observa-a nas relações dela com Mme. Bontemps; nas primeiras ambigüidades entre ele e ela; no reflexo de um luar em seu queixo; na maneira em que emprega o advérbio ‘perfeitamente’ no lugar de ‘inteiramente’; na inflamação no canto de seu olho interferindo nas suas feições e, dessas observações, encontra a aparência dela como a passar da superfície mansa e polida a “um estado quase fluido de alegria translúcida, uma congestão febril”.

Quando ousou seu primeiro gesto impreciso de aproximação, é repelido com frieza, levando-o a concluir que, em modo contrário à sua fantasiosa hipótese pictórica inicial, de ser ela a possível amante de um corredor ciclista ou de um campeão de Box, Albertine era honesta e fora falsa sua apreciação sobre o caráter dela.

Todavia essa nova impressão é plástica e cambiará. O esquema da tragédia de Albertine se complica e altera o estado do narrador nas suas relações em Paris. Há certa perplexidade em face da própria incapacidade dele para encontrar um denominador comum, interligando a nova Albertine ou a nova multiplicidade dessa nova Albertine agora tomada em seus braços.

A configuração poética já não tem apenas uma base visual, fosse pictórica ou plástica.

O objeto do desejo que ela parece simbolizar – a mulher e o mar –, acentuando no plano espiritual o prazer desfrutado dos favores dela, sofisticada, para ele já iniciada, esse objeto ou esse composto, através do hábito dela, leva a formar um segundo composto, desta vez com os ciúmes.

De fato, Beckett acentua que as simbolizações de Balbec e seu mar vêm a ser restituídas através do hábito de Albertine, como amálgama do humano e do marinho em um estímulo do coração, exatamente através dos ciúmes.

A visão de Albertine espantando o narrador e escapando a toda a composição de unidade mostra não só a Albertine de sua imaginação, a apaixonada e irreal da praia; a Albertine real e aparentemente virginal, revelada a ele no final de sua estadia em Balbec; mas também lhe mostra esta terceira Albertine que, no dizer de Beckett, “cumpre a promessa da primeira na realidade da segunda”.

Mas essa nova Albertine é múltipla e o narrador vê claramente a dificuldade em viver com ela, melhor: vê a ameaça aos seus sentimentos, tanto que, depois de sua primeira visita à Princesa de Guermantes, quando sentado em seu quarto esperando-a que não chega, sente como essa “não-chegada” exalta uma simples irritação física convertendo-se em chama de angústia espiritual.

Beckett faz sobressair nesta narrativa de Proust o modo como, muito mais que o ouvido ou a mente, o narrador é todo o coração ao atentar para os passos dela ou para a chamada sublime do telefone.

Destaca-se ainda a necessidade, a carência com que o narrador relacionou o consolo outrora obtido pelo carinho de sua mãe à esperada chegada de Albertine, causando-lhe ademais uma inquietação suplementar a consciência de haver visto nesta Albertine comum “uma fonte de consolo e salvação que milagre algum poderia substituir”.

Tal a impressão da impossibilidade em possuir o outro que então o narrador formula na seguinte frase: “só se ama aquilo que não se possui, só se ama aquilo no qual se busca o inacessível”.

Será a este e a outros semelhantes pensamentos do narrador que, como veremos, Beckett se refere ao afirmar que, em Proust, o amor é uma função da tristeza, comportando o sentimento de que nessa matéria não há escolha ruim, mas o fato mesmo de ter havido uma escolha implica que tenha sido ruim.

A solidificação do perfil de Albertine só acontecerá na segunda visita a Balbec, o que não significa o encerramento da dúvida do narrador sobre esse capítulo da relação entre ele e ela.

Pelo contrário, “a transformação de uma criatura de superfície em uma criatura com profundidade” tem início no momento em que o Dr. Cottard vê Albertine dançando com Andrée, uma das suas amigas do bando em bicicleta, e insinua tratar-se de intimidade sexual, dando lugar ao tormento recíproco na relação entre o narrador e ela.

Em meio a mentiras e contra-mentiras, perseguição e evasão, ele vivencia um amor por Albertine “cuja intensidade está em relação direta com o êxito dos seus enganos” – nos dirá Beckett .

E isso tanto mais significativo, quanto, – a exemplo dos que se consideram amados, e mais ainda do que estes –, Albertine é uma embusteira nata, porém neutraliza e acalma os ciúmes e a sensação de impotência do narrador.

Ou seja, no perfil dessa nova criatura descoberta por ele “tranqüiliza-o a docilidade de uma Albertine sempre a sua disposição”.

Mas não é tudo. Neste ponto Beckett seleciona e nos comenta um trecho considerado de alta significação para a brusca mudança de sentimento do narrador em relação à indiferença que, em sua docilidade, Albertine já lhe chegava a suscitar.

De fato, o narrador estava decidido a romper sua relação sentimental. Havia até comunicado a sua mãe tal decisão quando, durante o trajeto em que regressavam de uma recepção em La Raspalière, uma fala de Albertine dizendo sua amizade com Mlle. Vinteuil e amiga, a atriz Léa, associadas pelo narrador como lesbianas a saborearem seu prazer em um ato de teatro sadista, lhe provoca uma impressão tão forte que os ciúmes elevados ao paroxismo juntam-se aos remorsos sofridos ante as lembranças das “maldades” cometidas a sua avó.

Remorsos provocados pelo fato de que, igual a sua avó, estar M. Vintueil falecido há um tempo, e assim também exposto aos maus pensamentos que então indiretamente lhe atingiam [1].

Marcel_Proust_ 1871-1922

Marcel_Proust_ 1871-1922

O Tormento Recíproco

Deste modo se esclarece para nós, leitores, o significado da expressão “tormento recíproco” qualificando como vimos os sentimentos na relação entre o narrador e Albertine, sobretudo aquela “proporção direta” entre o amor dele e o êxito dos seus enganos.

Trata-se de um paroxismo de ciúmes: a Albertine “tão alheada e desprendida do seu coração um momento antes”, a suscitar-lhe a indiferença, agora, um instante depois, não é somente uma obsessão, mas é parte dele mesmo, dentro dele.

Tal o episódio classificado por Beckett como “visão do Montjouvain”, a encerrar o verão, tornando inexistentes a praia e as ondas.

Veja a continuação deste artigo teclando no link de início desta postagem.

principium individuationis « datorformarum’s Blog

In dialectics, direitos humanos, sociologia on December 30, 2012 at 6:29 pm

principium individuationis « datorformarum’s Blog.

 

Notas sobre o

principium individuationis, a criação de

identidades particulares e a arte de montage.

Por

Jacob (J.) Lumier

A constatação da ambiguidade do romance tornado técnica de comunicação levou o sociólogo crítico da cultura a uma reflexão sobre a situação do gênero romanesco em face da realidade no momento antirrealista do romance, ao século vinte, a partir de uma cultura histórica difusa, vaga, sem pertença, uma cultura que não se individualiza, sobre a qual se observa a extensão do mundo da comunicação social.

A supressão do objeto do romance por efeito cultural da preeminência da informação com o gênero reportagem e o predomínio da ciência leva à seguinte situação do romance do século vinte: para permanecer fiel à sua herança realista e continuar dizendo como são realmente as coisas, o romance tem que se afastar de um realismo voltado para reproduzir apenas a fachada e tem que promover o equívoco desta.

Dostoyevski, por exemplo, antecipando a transição da literatura do século vinte, tivera assimilado o sentimento de que o romance estava obrigado a romper com o positivo e apreensível e a assumir a representação da essência como das qualidades humanas, uma psicologia do caráter inteligível. Encontrando seu verdadeiro objeto na contraposição entre os homens vivos e as petrificadas (ou mumificadas) relações, a própria alienação se convertendo assim para o romance em meio artístico, como bem observou T. W. Adorno.


A produção capitalista e o coeficiente de realidade do indivíduo

►Tendo em conta a coisificação como a outra face da desmitologização que se desenrola na base do processus de mediação próprio à sociedade de produção para o mercado, a crítica da cultura histórica mostra que a separação irreversível da ciência e da arte está em correlação com a  coisificação do mundo. A análise da situação do romance leva, pois, à assertiva de que na transcendência estética se reflete o desencantamento do mundo, no sentido utópico de fim do mistério de envolvimento no mundo como apelo à aventura e ao reencontro de si mesmo e seu destino.

Daí o acentuado interesse no problema da individuação, pelo que a sociologia da literatura guarda interesse para os estudos em Direitos Humanos, corroborando o reconhecimento de que os seres humanos têm direitos iguais à sua própria identidade particular e personalidade.

Isto em maneira não conceitual, mas aproximando da história íntima, que cabe não confundir com os relatos de biografia dos personagens romanescos.  A sociologia compreende a análise da correlação entre o mundo romanesco do personagem em suas relações com os objetos figurados, por um lado, e as transformações na vida social do século vinte por outro lado. Interesse de análise este provocado depois de Balzac e Stendhal devido à acentuada dificuldade reconhecida junto aos autores contemporâneos em descrever a biografia e a psicologia do personagem, sem limitar-se ao anedótico ou ao fato diverso.

Desse modo, os sociólogos buscaram verificar a hipótese de que a forma romanesca como estrutura das relações personagem/objetos no mundo do romance deve ser compreendida como sendo a mais imediatamente e a mais diretamente ligada às estruturas comportamentais de troca mercantil e de produção para o mercado, na medida em que admitem uma psicossociologia particular.

Como veremos adiante, na pesquisa sobre o romance ao século vinte constatou-se a transforma¬ção da unidade estrutural personagem/objetos como levando não somente ao desaparecimento mais ou menos acentuado do personagem, mas, correlativamente, acentuando o reforço da autonomia dos objetos.

Constatação esta que logo faz lembrar a observação de que os mecanismos de auto-regulação da produção capitalista ao século vinte levaram ao deslocamento progressivo do que Lucien Goldmann chamou coeficiente de realidade do indivíduo, cuja autonomia e atividade foram transpostos para o objeto inerte.

O princípio de individuação da cultura histórica como essencialmente problemático

►Nada obstante, o ponto de vista da individuação mostra a criação de identidades particulares em arte literária romanesca. O procedimento narrativo com monólogo interior desenvolvido notadamente por Proust, por exemplo, que atende à exigência de suspensão da ordem objetiva espacio-temporal onde predomina a coisificação, permite ao narrador fundar um espaço interior todo seu.

Quer dizer, será exatamente pela arte do monólogo que o mundo vai sendo arrastado ao espaço interior assim fundado, e todo o externo se apresenta como um fragmento de interioridade: momento da corrente da consciência, desta forma resguardada em face da refutação pela ordem do mundo alheio. Tal a “técnica micrológica” que T.W. Adorno interpreta ao observar que todo o primeiro livro de Proust  -”Combray” – não é mais do que o desenvolvimento das dificuldades que tem uma criança para dormir quando a mãe bonita não lhe deu o beijo de boa noite.

Como se sabe, o termo “individuação” foi adotado nas teorias metapsicológicas por influência de Schopenhauer, que fala do principium individuationis. Em geral, o conceito é utilizado em maneira abstrata para denotar o processus básico pelo qual uma pessoa se torna individual no sentido de afirmar-se uma unidade indivisível ou um ‘todo’.

O principium individuationis tornou-se objeto de estudo nas ciências sociais depois que, nos anos de 1920, os seguidores do culturalismo abstrato do filósofo Heinrich Rickert – dentre os quais Max Weber – insistiram no indivíduo e no individual como focos das significações, e estudaram o mundo histórico como essencialmente singular e individualizado nas condutas.

Em que pese o irrealismo dessa orientação abstrata, resultou que a afirmação do indivíduo como um todo verificando-se no mundo histórico ultrapassa os limites psicológicos dos estudos sobre desenvolvimento da personalidade, e surge como o princípio (abstrato) de individuação da cultura histórica.

Se, por sua vez, tomada do ponto de vista da filosofia da ciência, a individuação implica um método para atingir o real, a sociologia crítica da cultura em seu horizonte de disciplina científica reconhecerá o princípio de individuação da cultura histórica como essencialmente problemático, e tentará verificá-lo a partir da literatura, notadamente no gênero romanesco, onde tem foco privilegiado.


Da mesma maneira em que as coisas mudam de significado e os grupos mudam de função, os indivíduos mudam de caráter