SSF/RIO

Posts Tagged ‘sociology of knowledge’

A Ordem dos Conhecimentos no Nascimento do Capitalismo

In análise, conhecimentos universitários, desenvolvimento, divulgação científica, ensino superior, história, history, pesquisa, sociologia, sociologia do conhecimento on July 21, 2016 at 4:27 pm

O estudo sociológico do sistema cognitivo das sociedades globais no nascimento do capitalismo

Resumo dos resultados da pesquisa de Georges Gurvitch (1894-1965) divulgados em: “Los Marcos Sociales Del Conocimiento”( Les Cadres sociaux de la connaissance).

 

Por

Jacob (J.) Lumier

 

Sumário

Despotismo esclarecido. 1

O papel do saber como fato social 1

O fim do regime feudal 1

Características das sociedades no nascimento do capitalismo. 1

O sistema cognitivo e as classes de conhecimento. 1

Marx e o maquinismo. 1

O conhecimento do mundo exterior 1

o conhecimento técnico. 1

Os aspectos do conhecimento político. 1

O senso comum.. 1

O conhecimento de outro e dos Nós-outros. 1

Os intelectuais. 1

Notas. 1

 

 

 

Despotismo esclarecido

No estudo sociológico do sistema cognitivo das sociedades globais que dão à luz o capitalismo o traço marcante é o despertar do Estado na forma da monarquia absoluta participando ativamente do desenvolvimento do capitalismo nascente e, nessa e por essa atividade, tratando todos os problemas políticos sob seu aspecto econômico.  Daí que os historiadores e os economistas caracterizam a organização política dessa sociedade como “despotismo esclarecido”.

Todavia, além dessa vinculação ao “Estado ressuscitado”, o caráter particular desse tipo de sociedade inclui os começos do maquinismo, as primeiras fases da industrialização, a transformação do trabalho em mercadoria, a aparição das classes sociais propriamente ditas (estrutura de classes) e, do ponto de vista da tipologia qualitativa e descontinuista [i], certa diminuição do desacordo entre a estrutura global e o fenômeno social total subjacente.

 

O papel do saber como fato social

 

Em conseqüência, não se pode minimizar o papel do saber como fato social nesse e para esse tipo de estrutura, devendo-se acentuar a reciprocidade de perspectivas que aqui se configura entre experiência e conhecimento.

Como já tivemos a ocasião de notar, Gurvitch assinala que frequentemente não é possível ir além das explicações por correlações funcionais e buscar o máximo de coerência do processus de reestruturação como fundado numa causalidade singular deixando o fato social do saber como epifenômeno.

A causalidade singular somente é aplicada quando se está perante um caso de desacordo preciso de quadro social e saber, como nas análises de Karl Marx em que o saber da Economia Política clássica está em desacordo com o quadro da sociedade de classes ao qual pertence.

Nesses casos, se poderá estabelecer uma determinada mudança social como a causa particular de que a estrutura é o efeito, polarização esta que, aliás, muitos tentaram fazer apressadamente para este tipo de sociedade que dá à luz o capitalismo, atribuindo ao advento do maquinismo o papel de causa singular da mudança estrutural, o que excluiria o alcance ou a relevância do saber como fato social para a reestruturação desse tipo global [ii].

 

O fim do regime feudal

Ao falar de diminuição do desacordo entre a estrutura global e o fenômeno social total subjacente, Gurvitch tem em vista uma comparação com as sociedades feudais, em cujo tipo nota-se um desacordo cuja intensidade é um fato novo, a que se conjuga um “pluralismo excepcional” da estrutura em si.

A explicação aqui assenta o fato singular produzido ao fim do regime feudal, quando tem lugar a aliança dos monarcas feudais com as cidades francas ou abertas que compraram sua liberdade ao Estado territorial reanimando-o. Assim é a mudança social levando à reanimação do Estado recuperando forças com a referida aliança que constitui o elemento máximo de coerência da teoria para as sociedades feudais, restando, então, o saber como fato social em estado preponderantemente espontâneo e difuso, sem que seja feito valer.

 

Características das sociedades no nascimento do capitalismo

 

Com efeito, tirado do seu sono secular por essa aliança singular, o Estado toma a forma da monarquia absoluta como dizíamos, constituindo na análise gurvitcheana um traço característico das sociedades globais que dão à luz o capitalismo.   Na Europa Ocidental, são os séculos XVII e XVIII os que correspondem a esse tipo de sociedade, já iniciada durante a segunda metade do século XVI, sobretudo na Grã-Bretanha.

Segundo a descrição de Gurvitch, excluindo a equivocada atribuição do papel de causa singular para o advento do maquinismo e resgatando o alcance ou a relevância do saber como fato social para a reestruturação desse tipo de sociedade global que dá à luz o capitalismo, nota-se: (1) – o predomínio do Estado territorial monárquico de grande envergadura, que atribui ao monarca o poder absoluto, e que se aliou com a burguesia das cidades e com a nobreza ligada à burocracia, dita nobreza de toga; 2) – o Estado apóia aos plebeus burgueses, aos capitalistas industriais das manufaturas, aos comerciantes de envergadura internacional e, muito particularmente, aos banqueiros, quem, enriquecidos depois da descoberta do Novo Mundo, tornaram-se seus credores; 3) – e os apóia contra a nobreza de espada, contra os operários e os camponeses, substituindo assim a antiga hierarquia das dependências feudais por uma nova.

Quanto aos níveis em profundidade da realidade social, nota-se em primeiro lugar duas classes de modelos: os modelos idênticos às regras jurídicas, tomados como regulamentação minuciosa feita de cima para baixo, e os modelos técnicos, estes nascidos das fábricas, exatamente como um aspecto do transtorno da vida econômica, ambos inovadores; em segundo lugar, nota-se incluindo todo o mundo dos produtos, a base morfológico-demográfica como estando ligada à necessidade de mão de obra e ao problema de seu recrutamento; e em terceiro lugar, nota-se os aparelhos organizados de toda a classe, cuja burocratização começa;

Nota-se igualmente que: (a) – a enorme impulsão da divisão do trabalho técnico, superando muito a divisão do trabalho social, sendo combinada ao maquinismo, tem por conseqüência uma produtividade sem precedentes em quantidade e em qualidade; (b) – a acumulação de riquezas, acelerada pelo descobrimento do Novo Mundo, alcança em tempo record grandes proporções agravando os contrastes entre a pobreza e a opulência.

Assiste-se em particular à vitória do natural sobre o sobrenatural, da razão sobre toda a crença; bem como ao crescimento do individualismo em todos os campos, e ao nascimento da idéia do “progresso da consciência”, sendo a reter que a expressão mais completa da civilização e da mentalidade própria dessa sociedade no seu apogeu é a “época das luzes”, que faz o homem confiar no seu êxito e no das suas empresas técnicas e indústrias.

Quanto ao mais, já repetimos que não se pode minimizar o papel do saber como fato social para este tipo de estrutura e de sociedades globais que dão à luz o capitalismo. A diminuição do desacordo entre a estrutura global e o fenômeno social total subjacente favorece na teoria sociológica a prevalência das correlações funcionais sobre a causalidade singular.

 

Sistema cognitivo e classes de conhecimento

 

Desta forma, decompondo o sistema cognitivo desse tipo de sociedade, Gurvitch assinala que o primeiro lugar na ordem dos conhecimentos é compartilhado pelo conhecimento filosófico e o conhecimento científico, que se completam mais do que competem.

Se nas sociedades feudais e no curso para a forma da monarquia absoluta, ocultando grande desacordo da estrutura no conjunto (pluralismo excepcional da estrutura), o saber como fato social não é feito valer, restando difuso, por contra nas sociedades que dão à luz o capitalismo a preeminência das correlações funcionais faz ver a maior valoração do saber, cujo papel é de alta eficácia para o equilíbrio da estrutura no conjunto.

Com efeito, gurvitch insiste a respeito deste papel significativo do saber como fato social, traçando de inicio um esboço histórico do salto prodigioso da ciência desde a renascença, cujos expoentes, como se sabe, são os seguintes: Copérnico (1473-1543), Kepler (1571-1630), Galileu (1564-1642), nos conhecimentos astronômicos; Newton (1643-1727) inventa o cálculo infinitesimal no mesmo momento em que Leibniz (1646-1716) também o faz de outra forma, ambos fundadores da física mecânica; a química moderna nasce com Lavoisier (1743-1794); as ciências do homem se desenvolvem dividindo-se em muitos ramos, seguintes: a economia política é criada por Adam Smith e David Ricardo e, com outra forma, pelos fisiocratas; a ciência política se afirma com Hobbes, Spinoza, Locke, Montesquieu, Rousseau, os enciclopedistas, Condocert, e Destut de Tracy (Montesquieu já pressente o advento da sociologia).

Nota-se, igualmente, a reforma do ensino, cada vez mais laico, a acelerar o desenvolvimento do conhecimento científico, sobretudo a partir de 1529, com a fundação do Collège de France.  Todos os grandes filósofos participam das discussões científicas (com alguma reserva, pascal e Malebranche) já que a laicização do saber filosófico, cada vez mais independente da teologia, favorece sua tendência a fazer das ciências a base de suas reflexões.  Nota-se, entretanto, que o contrário não se verifica e os cientistas mostram pouco interesse pelo saber filosófico como tal.  Mesmo assim, o prestígio do conhecimento filosófico está em que é o melhor colocado para defender a ciência contra a teologia e, além disso, são os filósofos quem amiúde emitem hipóteses verdadeiramente científicas, como Descartes e Leibniz.

Nesta descrição proporcionada pela análise sociológica de Gurvitch, o saber filosófico acolhe mais o racional sobre o místico, excetuando a Pascal, um pouco a Malebranche e a Spinoza, místico da racionalidade; da mesma maneira, acolhe mais o adequado sobre o simbólico e ainda favorece a combinação do conceitual e do empírico, do especulativo e do positivo e, finalmente, o predomínio da forma individual sobre a forma coletiva, esta última, por sua vez, muito relegada, aqui, no saber filosófico.

O conhecimento científico, por sua vez, tem a acentuação do elemento racional como exclusiva sua; aqui, o conceitual predomina sobre o empírico e a forma coletiva é preponderante; nota-se a formação de equilíbrio do positivo e do especulativo, assim como do simbólico e do adequado.

 

Marx e o maquinismo

 

Karl Marx tivera razão ao insistir no primeiro tomo de O Capital (cf.tomo I, 4ªseção, caps. XIV e XV) que não são as invenções técnicas as que tiveram por resultado a profusão de fábricas, mas, pelo contrário, foi a divisão do trabalho técnico nas grandes fábricas cada vez mais numerosas que criou a necessidade de técnicas mecanizadas e provocou assim a introdução das máquinas, tal como confirmado pelo estudo das técnicas industriais dos séculos XVII e XVIII.

 

O conhecimento do mundo exterior

 

Quanto ao segundo lugar no sistema cognitivo dessas sociedades que dão à luz o capitalismo, corresponde ao conhecimento perceptivo do mundo exterior, com as seguintes características: (1) – a rápida promoção desse conhecimento (1a) – deve-se à criação dos novos meios de comunicação que acompanham a extensão do comércio em escala mundial, favorecendo o conhecimento dos oceanos e de continentes até então desconhecidos; (1b) – além disso, o que também permitiu comunicações relativamente rápidas foi o aumento e o melhoramento dos caminhos que cruzam os países ocidentais favorecendo a maior circulação das diligências.

(2) – Todavia, a análise de Gurvitch tem por mais relevante as novas percepções e conceituações das amplitudes e dos tempos em que se encontra imbricado o mundo exterior: 2.1) – nota-se uma competição entre os tempos “adiantado a respeito de si” e o “tempo atrasado”, correspondendo a uma estrutura de uma só vez inovadora e anacrônica, competição esta que anuncia um tempo em que o passado, o presente e o porvir irão entrar em conflito rapidamente, numa situação explosiva que favorecerá o porvir, com o “tempo surpresa” ameaçando quebras nas poderosas organizações da superfície;

2.2) – essa competição entre o tempo adiantado e o tempo atrasado aplica-se igualmente ao fenômeno social total global subjacente à estrutura, de tal sorte que encontramos, por um lado, que o conhecimento do mundo exterior, a vida econômica, as técnicas industriais, o comércio internacional, o saber filosófico, a burguesia e sua ideologia estão essencialmente adiantados em relação à estrutura, enquanto que, por outro lado, a nobreza, o clero, a vida agrícola, o campesinato estão atrasados a respeito da mesma.  A própria monarquia absoluta está adiantada a respeito de suas iniciativas e atrasada quanto a sua organização e suas conseqüências.

2.3) – Desta forma Gurvitch avalia que a quebra do Antigo Regime foi muito mais espetacular do que as revoluções inglesa e holandesa ou do que as guerras religiosas e civis, incluindo nesta lista a guerra da independência nos Estados Unidos; e que esta quebra do antigo regime não se apagará jamais da memória coletiva das sociedades que virão.

2.4) – Temos, então, que esses tempos e amplitudes em que se encontra imbricado o mundo exterior, embora rico em incógnitas e em possibilidades novas, se fazem particularmente mensuráveis com o lema da classe burguesa que toma consciência da sua existência: “tempo é dinheiro”, a que se junta: “todos os caminhos conduzem ao ouro, ou, pelo menos, ao dinheiro”.

Quer dizer, todas as amplitudes são apreciadas menos pelo sistema métrico e mais pelo tempo necessário para percorrê-las, decorrendo desta quantificação que o mundo exterior se torna um objeto de estudo científico.

Em maneira idêntica, desse modo de apreciar as amplitudes pelo tempo necessário para percorrê-las decorre a posição de relevo alcançada conjuntamente pelo conhecimento perceptivo do mundo exterior e pelo saber científico no sistema cognitivo do tipo de sociedades que dão à luz o capitalismo.

Aliás, essa posição de relevo alcançada conjuntamente é muito mais significante aqui do que em muitos outros tipos de sociedade, ocultando o fato de que o saber científico prepara o salto que na etapa seguinte do capitalismo o levará ao primeiro lugar.

 

o conhecimento técnico

 

No terceiro lugar desse sistema cognitivo vem o conhecimento técnico, que deu um salto considerável, e isto não só na indústria (ramos dos têxteis e da metalurgia), mas na navegação e na arte militar.

Reitera Gurvitch como já o notamos que o aperfeiçoamento do conhecimento técnico levando ao maquinismo se encontra em relação direta não com as aquisições da ciência, mas com as melhoras de ordem prática, o que já fora assinalado por Adam Smith e por Karl Marx, apesar de suas diferenças intelectuais.

Neste tipo de estrutura e de sociedades globais que dão à luz o capitalismo observam-se ainda como retardados a respeito das técnicas, não só o movimento demográfico, mas a organização da economia, que é prejudicada pelos vestígios das corporações de ofícios (vestígios pré-capitalistas), assim como as invenções e suas aplicações não seguem uma curva de avanço regular.

 

Os aspectos do conhecimento político

 

Por sua vez, o conhecimento político, tanto implícito ou espontâneo quanto explícito ou formulado, ocupa o quarto lugar desse sistema cognitivo, ainda que possa parecer surpreendente essa colocação tão baixa em face do meio fértil em intrigas constituído pelos grupos privilegiados no Antigo regime.

Há que distinguir três aspectos seguintes:

1º) – o conhecimento político implícito está evidentemente estendido na corte em função de várias rivalidades seguintes: (a) – rivalidade da nobreza de espada e da nobreza de toga; (b) – de toda a nobreza e da burguesia em ascensão; (c) – rivalidade entre as diferentes frações da burguesia: a industrial, a comercial, a financeira;

2º) – esse conhecimento político espontâneo se encontra ausente no meio das classes populares representadas pelos operários das fábricas e pelo “campesinato”. Derrotados pelas mudanças de estruturas que nada lhes traz de benefício essas classes populares permanecem não sabendo o que fazer ou que tática adotar numa situação que, em geral, lhes é muito desfavorável.  Aliás, a respeito disso, Gurvitch nos lembra que a consciência de classe e a ideologia dos operários e dos camponeses não se formarão antes do século XIX, e muito depois das grandes comoções da Revolução francesa.

3º) – Na medida em que se mantém, o Antigo Regime necessita de uma política que não leva geralmente em conta os grupos de interesse, por privilegiados que sejam.  Quer dizer, as disputas políticas e, conseqüentemente, o conhecimento político das pessoas são de importância secundária para o absolutismo.

Por sua vez, esses grupos de interesses (os que têm futuro e os mais adiantados e clarividentes) encontram uma compensação na elaboração das doutrinas políticas, cujo esquema tirado da análise gurvitcheana é o seguinte:

(a) – na Inglaterra, Thomas Morus (“Utopia”, 1516) e Francis Bacon (“Nova Atlântida”, inconclusa), durante a renascença; posteriormente, nos séculos XVII e XVIII, os escritos de Hobbes e Locke correspondem, nessa análise sociológica, às aspirações da burguesia ascendente como quadro social do conhecimento, que, finalmente, só então triunfará;

(b) – na França: os fisiocratas, os enciclopedistas, Turgot, J.J.Rousseau terão influência desde o começo e durante a revolução, e suas doutrinas tratam tanto do fim ideal quanto da tática a empregar para alcançá-lo, tipificando o conhecimento político formulado ou elaborado, não-espontâneo ou não-implícito;

(c) – na Holanda: o “Tratado Político” (1675-1677) de Spinoza faz pressentir segundo Gurvitch certos elementos do pensamento de Rousseau;

Nota-se que nas doutrinas políticas (e nas ideologias em que se inspiram) apesar do predomínio da forma racional “o simbólico, o especulativo, o conceitual, e o individual são sempre muito acentuados”, mesmo naquelas doutrinas mais preocupadas pela racionalidade, pelo empirismo, pela objetividade, pela adequação.  Já no conhecimento político espontâneo, a forma racional se combina à forma empírica, estando igualados em importância o positivo e o individual.

 

O senso comum

 

Quanto à sociologia do conhecimento de senso comum, aqui, neste tipo de sociedades globais dando à luz o capitalismo, conhecimento situado em penúltimo lugar, está marcado pela grande multiplicidade dos meios que lhe servem de quadro social de referência.

Quer dizer, o conhecimento de senso comum neste tipo de estrutura e de sociedades globais que dão à luz o capitalismo está consideravelmente confundido pelo seguinte: por um ambiente tão novo e imprevisto; pelo advento do começo do capitalismo e do maquinismo; pelo descobrimento do Novo Mundo; pela política absolutista de nivelação dos interesses; pelo debilitamento da igreja; pela afluência das grandes massas da população às cidades, etc.

Assim, esse conhecimento de senso comum se encontra disperso em vários meios, seguintes: (a) – entre os cortesãos, os representantes da nobreza de espada e os da nobreza de toga; (b) – nos diferentes grupos da burguesia, no novo exército profissional, entre os marinheiros, etc., ou ainda, entre os operários da fábrica.

Seu refúgio será, então, a vida rural e os círculos restritos da família doméstica conjugal.  Gurvitch nos lembra a observação de Descartes de que o senso comum é “a mais compartilhada” das faculdades, avaliando que o mestre do racionalismo moderno resistia desta maneira à tentação de negar a existência mesma dessa classe de conhecimento, “provavelmente pressionado pelas contradições crescentes entre os diversos beneficiários do conhecimento de senso comum”.

Enfim, nota-se a disputa entre a forma mística e a forma racional desse conhecimento de senso comum, em particular no clero e no campesinato (“paysannerie”).

 

O conhecimento de outro e dos Nós-outros

 

No último lugar desse sistema cognitivo das sociedades globais que dão à luz o capitalismo vem o conhecimento de outro e dos Nós-outros que: 1) – como o conhecimento de senso comum, também se encontra em grande dispersão pelos diferentes meios relacionados com a atualização da sociabilidade das massas, com a política de nivelação do absolutismo e com a desintegração dos grupos herdados da sociedade feudal, estando em nítida regressão a identificação do conhecimento dos Nós-outros ao “espírito de corpo”.

2) – Todavia, Gurvitch observa que se nota um novo conhecimento de outro, servindo de compensação parcial para o rebaixamento desse mesmo conhecimento de outro como de indivíduos concretos, lembrando-nos que tanto na classe proletária nascente como na classe burguesa ascendente, ambas penetradas da ideologia de competição e de produção econômica, o conhecimento de outro é quase nulo.

Nosso autor acrescenta que, nesse novo conhecimento de outro, se trata de uma tendência para universalizar a pessoa humana que se relaciona a Rousseau, com sua teoria da vontade geral idêntica em todos, e a Kant, este, com seu conceito de “Consciência Transcendental” e de “Razão Prática”, que chega à afirmação da “mesma dignidade moral” em todos os homens [iii].

Quer dizer, tem-se um conceito geral do outro fora de toda a concreção, de toda a individualização efetiva, acentuando-se as formas racional, conceitual, especulativa e simbólica, com tendência frustrada a reunir o coletivo e o individual no geral ou no universal.

Os intelectuais

Para encerrar, Gurvitch nota que as sedes de intelectuais encarregados de manter esse sistema cognitivo, desenvolvê-lo e difundi-lo se enriqueceu com a adição de novos grupos e novos membros, destacando-se junto aos filósofos, aos estudiosos, aos docentes a entrada dos representantes das “belas letras”, dos escritores, dos doutrinários políticos e por fim dos inventores de técnicas novas.

 

***

 

 

Notas

[i] Ultrapassando o nominalismo e o individualismo limitando o pensamento probabilitário do criador da tipologia qualitativa, Max Weber, que terminou por aplicá-la no vazio do culturalismo abstrato, a pesquisa de Gurvitch tem orientação dialética, sendo voltada para acentuar o caráter intermediário dos tipos sociológicos que “representam quadros de referência dinâmicos adaptados aos fenômenos sociais totais e chamados a promover a explicação em sociologia”.  Daí decorre a importância em distinguir (a) – entre generalização, singularização e sistematização, bem como (b) – entre repetição e descontinuidade, sem falar na distinção (c) – entre explicação e compreensão, pois estas distinções e critérios dos tipos sociológicos só podem ser utilizados numa orientação de teoria dinâmica. Ver Gurvitch, Georges (1894-1965) et al.: “Tratado de Sociologia – vol.1 e vol. 2″, 2ªedição corrigida.

 

[ii] Como se sabe, o aperfeiçoamento do conhecimento técnico levando ao maquinismo se encontra em relação direta não com as aquisições da ciência, mas com as melhoras de ordem prática – como já fora assinalado por Adam Smith e Karl Marx, apesar de suas diferenças.  Quer dizer, Karl Marx tivera razão ao insistir no primeiro tomo de “O Capital” de que não são as invenções técnicas as que tiveram por resultado a profusão de fábricas, mas, pelo contrário, foi a divisão do trabalho técnico nas grandes fábricas cada vez mais numerosas a que criou a necessidade de técnicas mecanizadas e provocou assim a introdução das máquinas, tal como confirmado pelo estudo das técnicas industriais dos séculos XVII e XVIII.

 

[iii] Em sociologia, o interesse pelo homem como indivíduo específico e diferente de seus semelhantes é reconhecido.  A individualidade concreta tem sua dignidade moral reconhecida na Declaração dos Direitos Sociais. Ver: Gurvitch, Georges: “La Déclaration des Droits Sociaux”.

 

A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica

In análise, conhecimentos universitários, crítica da cultura, dialectics, ensino superior, epistemologia, história, leitura, metodologia científica, pesquisa, século vinte, sociologia, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on March 3, 2016 at 5:01 pm

A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica, por Jacob (J.) Lumier

Creative Commons License
A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica by Jacob (J.) Lumier is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
Based on a work at http://www.leiturasjlumierautor.pro.br/.
Permissions beyond the scope of this license may be available at http://www.leiturasjlumierautor.pro.br/.

***

O presente artigo deveria fazer parte do e-book “Cultura e Consciência Coletiva-2” http://www.oei.es/salactsi/CulturaConsci_06_09.pdf . Deve ser lido como parte integrante de uma série de escritos de teoria sociológica cujos links seguem no fim desta postagem.

Trata-se de situar algumas linhas básicas de pesquisa sobre os obstáculos da explicação em sociologia e, por essa via, descrever o debate suscitado em torno ao problema do círculo hermenêutico, como matéria de interesse para o estudo da sociologia do conhecimento e da metodologia científica.

Esse problema do Círculo Hermenêutico foi situado e comentado pelo autor do presente artigo em E-book publicado na OEI em 2007, antes que o referido problema tivesse ampla divulgação na Internet por outros autores de língua portuguesa. Cf Lumier, Jacob (J.):”Leitura da Teoria de Comunicação Social Desde O Ponto de Vista da Sociologia do Conhecimento”- as tecnologias da informação, as sociedades e a perspectivação sociológica do conhecimento, E-book Monográfico, 338 págs. Julho, 2007, bibliografia e índices remissivo e analítico eletrônico. (com Anexos). Link: http://www.oei.es/salactsi/lumniertexto.pdf , cf. págs. 82 sq.

Ícone+legenda SSF_RIO

 

Sumário

A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica.. 1

Parte 01.. 1

Karl Popper e o Problema do Círculo Hermenêutico. 1

As teorias historiográficas e as tendências subjetivistas e céticas. 3

A Crítica desenvolvida por Dilthey. 4

Escritos conexos. 5

Notas. 6

 

 

 

Parte 01

 

         Que a sociologia é contra os preconceitos filosóficos inconscientes não há muita novidade nisso. Sabe-se que, apesar de seu culturalismo abstrato, Max Weber insistiu que o cientista social se esforçasse por distinguir os juízos de valor dos juízos científicos. Exigência de objetividade que fora explicada bastante claramente no que Max Scheler e Karl Mannheim chamaram sociologia do conhecimento, a qual, em seus respectivos comentários, Daharendorf qualifica, por sua vez, como “método para a autopurificação dos cientistas sociais[i].

 

Karl Popper e o Problema do Círculo Hermenêutico

 

É claro que essa exigência de objetividade como autopurificação marca a condição mesma de um conhecimento científico, e assimila a ideia de Bacon da pureza do intelecto, isto é, a ideia de purificar o intelecto, purgá-lo de preconceito, conforme a versão de Karl Popper[ii].

Em defesa de sua teoria dinâmica do mundo dos produtos, na referência do qual situa o estudo das teorias e argumentos científicos, esse último autor faz a crítica da influência do psicologismo e, nesse marco, nota que deveria ser lembrado que Husserl e muitos pensadores ainda mais recentes consideravam uma teoria científica como uma hipótese científica que foi demonstrada verdadeira, e que a tese do caráter conjectural das teorias científicas era ainda vastamente execrada como absurda, quando o próprio Karl Popper tentara propagá-la a partir de 1930 (cf. ib. p.348 sq).

Em prosseguimento, Popper expõe uma tentativa de ilustrar, em conexão com o problema da compreensão histórica, a suposta superioridade de seu método, centrado no esforço de reconstruir criticamente as situações de problema, em detrimento do que chamou método psicológico, tido como voltado para reviver intuitivamente alguma experiência pessoal, o qual discutirá em cotejo com R.G. Collingwood[iii], mas em crítica contra Dilthey.

Desta forma, podem observar os dois conjuntos de argumentos que Popper aventa para esclarecer sobre o problema do círculo hermenêutico.

Inicialmente, considera tratar-se de um debate que foi encaminhado por Dilthey, mas supostamente de forma inadequada, já que, segundo Popper, fora desenvolvido em vista de “livrar-se da subjetividade por temer a arbitrariedade[iv].

Quer dizer, o problema do círculo hermenêutico teria surgido para Dilthey no marco da “necessidade de transcender as tendências subjetivistas e céticas em historiografia” (ib.p.352). É o problema de que o todo, seja de um texto, de um livro, da obra de um filósofo, de um período, só pode ser compreendido se compreendermos as partes constituintes, enquanto estas partes, por sua vez, só podem ser compreendidas se compreendermos o todo (ib.ibidem).

Popper não só sugere haver em Dilthey um desconhecimento da formulação anterior desse problema por Bacon, mas destaca ser essa formulação anterior que deve ser levada em conta, seguinte: “de todas as palavras temos de extrair o sentido de cuja luz cada palavra isolada deve ser interpretada”; e frisa que (1)- a palavra ‘interpretada’, nessa proposição de Bacon, significa ‘lida simplesmente’; e (2)- que a mesma ideia de transcender as tendências subjetivistas e céticas mediante o preceito de confrontar o sentido de “todas as palavras” a “cada palavra isolada” está encontrável em Galileu, lá onde, “a fim de compreender Aristóteles”, deve-se ter “todos os ditos dele sempre diante da mente”.

 

As teorias historiográficas e as tendências subjetivistas e céticas

 

Mas não é tudo. Para melhor ilustrar seu método, Popper retorna a Bacon em vista de avaliar a distinção entre “interpretatio naturae” e “anticipationis mentis”, confrontando-a ao uso que supõe ter sido aquele feito por Dilthey.

Com efeito, Popper valoriza a ideia de Bacon da pureza e de purificar o intelecto, e considera que se trata de purgar o intelecto de preconceitos. Sugere que, adequadamente entendida, essa significação equivaleria a purgar o intelecto de teorias historiográficas ou representações de experiências passadas, livrá-lo de “anticipationis mentis”.

Popper inclui, desta forma, as teorias historiográficas ou representações de experiências passadas no âmbito das tendências subjetivistas e céticas, e as situa como características do sentido moderno de “interpretação”, que, segundo ele, é o sentido que Dilthey houvera usado equivocadamente, ao ter traduzido o sentido do “simplesmente lido” por esse sentido moderno, metafórico.

Aparentemente Popper quer estabelecer que a crítica por Dilthey à historiografia e a filosofia da história se volta contra o próprio. Quer dizer, a crítica elaborada por Dilthey não se colocaria acima das tendências subjetivistas e céticas.

 

A Crítica desenvolvida por Dilthey

 

Há, porém, aspectos mais sutis e nuances significativas a respeito da orientação crítica de Dilthey que Popper não levou em conta, e que valem como refutação a essa tentativa de identifica-lo ao ceticismo.

Com efeito, na “ Introducción a las Ciencias del Espíritu”, sua mais importante obra, Dilthey nos diz que “todas as fórmulas de Hegel, Schleiermacher ou Comte, com que pretendem expressar a lei dos povos, pertencem ao pensar natural que precede a análise, e que é precisamente metafísico”. Esses pretensiosos conceitos gerais da filosofia da história não são outra coisa que as notiones universales, cuja origem natural fora descrita magistralmente por Spinoza, quem assinalou também seus fatais efeitos sobre o pensamento científico [v].

Todavia, é certo que o posicionamento intuicionista de Dilthey é abstrato, posto que não adota a explicação. No seu dizer: “o conhecimento do todo da realidade histórico-social (…) se verifica sucessivamente em um nexo de verdades que descansa em uma autognosis epistemológica (…)” (ib. p.112).

Nada obstante, embora adote desta forma a compreensão, Dilthey deixa claro sua consciência das limitações dessa autognosis epistemológica, e assim se afasta decididamente da pretensão subjetivista de chegar a um conhecimento conclusivo por esta via, ou seja, rejeita a pretensão de que a compreensão substitua a explicação.

Isto não quer dizer que a possibilidade da explicação esteja excluída na orientação de Dilthey. Pelo contrário. Comprometido com a busca de uma metodologia científica, esse pensador rejeita igualmente excluir a possibilidade da explicação e, por essa postura crítica, consegue limitar o aspecto cético de sua orientação, isto é, a atribuição de valor positivo exclusivamente à compreensão, restringindo seu alcance ao que há de previsível em relação à possibilidade da explicação. Posicionamento esse facilmente perceptível no desdobramento de sua análise sobre o conhecimento do todo da realidade histórico-social, a saber que “(…) nessa conexão de verdades se chega a conhecer a relação entre fatos, lei e regra por meio da autognosis”. Quer dizer, a compreensão encontra uma abertura para seu caminhar até a explicação.

A análise de Dilthey também nos mostra quanto distante estamos de toda a possibilidade previsível de uma teoria geral do curso histórico, por mais modestos que sejam os termos em que se fala dela. A história universal, na medida em que não é algo sobre-humano, formaria a conclusão desse todo das ciências do espírito. (ib. p.112) E ainda lemos: “a ciência unicamente se pode aproximar a encontrar princípios claros de explicação por meio da análise e valendo-se de uma pluralidade de razões explicativas” (ib.ibidem).

Em suma, o fato de Dilthey não adotar fundamentalmente a explicação não faz dele obrigatoriamente um subjetivista cético, tanto mais que ele repele inequivocamente e se afirma crítico dos preconceitos filosóficos, como conceitos gerais cultivados na filosofia da história, e não somente reconhece o valor epistemológico das razões explicativas, mas sustenta que a análise fundada na autognosis epistemológica ou, simplesmente, fundada na compreensão, se revela o único meio capaz de encontrar os princípios de explicação – embora fundada na intuição, o campo da análise compreensiva não é completamente estranho à objetividade da possível explicação determinística.

***

Continua na Parte 02

***

Escritos conexos

http://www.oei.es/salactsi/CulturaConsci_06_09.pdf

 

O presente artigo é parte integrante da série de escritos cujos links seguem abaixo.

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/11/03/culturalismo-e-sociologia/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/11/10/cultura-e-objetividade-segunda-parte-wilhelm-dilthey/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/10/29/cultura-e-objetividade-_-primeira-parte-max-weber/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/10/23/cultura-e-objetividade/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2013/04/30/vontade-de-valor-vontade-de-verdade-ideias-de-valor-em-sociologia/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/a-utopia-do-saber-desencarnado-a-critica-da-ideologia-e-a-sociologia-do-conhecimento/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/a-dialetica-sociologica-o-relativismo-cientifico-e-o-ceticismo-de-sartre-aspectos-criticos-de-um-debate-atual-do-seculo-xx/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/sartre-e-a-sociologia-diferencial/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2008/09/15/resumo-para-a-dialetica-sociologica-o-relativismo-cientifico-e-o-ceticismo-de-sartre-aspectos-de-um-debate-atual-do-seculo-vinte/

 

***

 

Notas

[i] DAHARENDORF, Ralf: “Ensaios de Teoria da Sociedade”, trad. Regina Morel, revisão e notas Evaristo de MORAES FILHO, Rio de Janeiro, Zahar-Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 1974, 335pp. (1ªedição em Inglês, Stanford, EUA, 1968), p.273].

[ii] POPPER, Karl: ‘Conhecimento Objetivo: Uma abordagem evolucionária’, tradução Milton Amado, São Paulo/Belo Horizonte, EDUSP/editora Itatiaia, 1975, 394pp, traduzido da edição inglesa corrigida de 1973 (1ªedição em Inglês : Londres, Oxford University Press, 1972), pág. 353.

[iii] COLLINGWOOD, R.G.: “A Ideia de História”, trad. Alberto Freire, Lisboa, Ed. Presença, 1972, 401pp. (1ªedição em Inglês, 1946), pp.343 a 401.

[iv] POPPER, Karl : ‘Conhecimento Objetivo : uma abordagem evolucionária, op. cit. Pág. 171.

[v] DILTHEY, Wilhelm: “Introducción a las Ciencias del Espíritu: em la que se trata de fundamentar el estudio de la sociedad y de la historia”, tradução e prólogo por Eugenio ÍMAZ , México, Fondo de Cultura Económica, 1944, 485pp. (1ªedição em Alemão, 1883), pág.113.

Livro A Utopia do Saber Desencarnado

In dialectics, history, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on February 9, 2014 at 8:48 pm

capa utopia do saber desenc

Livro A Utopia do Saber Desencarnado: Bubok, 106 págs, Outubro 2013. Autor: Jacob (J.) Lumier Autor JLumier2012

Tecle aqui para baixar diretamente a versão e-Pub free dessa obra.

Licença Creative Commons
Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações-SemDerivados 3.0 Brasil.

No presente trabalho, se coloca em questão a desejada “liberação de toda a relação entre conhecimento e quadro social”, que não passa de um desvio conservadorista da sociologia do conhecimento, cujo objeto ao contrário disso acentua a variação do conhecimento em função dos quadros sociais. Nessa referência, se elabora uma análise e interpretação crítica da orientação de Karl Mannheim e se procede à desmontagem de seu hegelianismo. 

 

Para a leitura proveitosa desta obra A Utopia do Saber Desencarnado, devem notar que a mesma completa o Curso de Sociologia do Conhecimento – Texto 05 [ainda não publicado]. Pressupõe a leitura dos textos anteriores 01, 02, 03, já publicados por Bubok publishing.  Cabe lembrar que em todo o presente Curso de Sociologia do Conhecimento a elaboração é desenvolvida com base em materiais discutidos em obras anteriores do autor, que devem ser lidas para tirar o devido proveito deste “Curso”, seguintes: (a) “Comunicação e Sociologia” – Artigos Críticos, 2ª Edição modificada, Madrid, Bubok, Junho 2011, 143 págs.; (b) “Cultura e Consciência Coletiva – 2”, Junho 2009, e-book pdf 169 págs., e (c) “Psicologia e Sociologia”, Fevereiro de 2008, e-book PDF 158 págs., as duas últimas obras publicadas na Web da Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura – OEI .

Sumário

APRESENTAÇÃO: O DESVIO DE KARL MANNHEIM 7<br /> A UTOPIA DO SABER DESENCARNADO – 1 13<br /> CRÍTICA DA IDEOLOGIA E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 13<br /> Linhas para uma leitura crítica das orientações de Karl Mannheim 14<br /> Os intelectuais como mediação viva 14<br /> Os criadores de produtos ideológico-culturais 16<br /> A UTOPIA DO SABER DESENCARNADO – 2 19<br /> CIÊNCIA POLÍTICA, TECNOBUROCRACIA E ROMANTISMO EM KARL MANNHEIM. 19<br /> O comprometimento do pragmatismo. 20<br /> Hegelianismo e Teodiceia. 22<br /> A transposição do hegelianismo 25<br /> A paradoxal teodiceia de Hegel 27<br /> O sistema hegeliano e sua dialética mística 30<br /> A razão conservadora 31<br /> Hegel canoniza o existente 33<br /> A tendência específica da filosofia de Hegel 34<br /> A transposição de valores 37<br /> TEODICEIA E CONHECIMENTO EM MAX WEBER 43<br /> A necessidade racional de uma teodiceia 47<br /> Teodiceia e atitude revolucionária. 49<br /> Conclusão: a ficção do pleno saber 51<br /> IDEOLOGIA E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO – 1 53<br /> OS COEFICIENTES PRAGMÁTICOS DO CONHECIMENTO E OS LIMITES DA ABORDAGEM CONSERVADORA. 53<br /> Consciência sociológica 53<br /> Os continuadores de Karl Mannheim 58<br /> Quadro intelectual de visão do mundo 61<br /> Os quadros sociais reais do conhecimento 63<br /> Uma aplicação da concepção conservadorista do saber 66<br /> IDEOLOGIA E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO – 2 71<br /> A CONSCIÊNCIA MISTIFICADA 71<br /> Teoria multidisciplinar 71<br /> A ideologia burguesa 74<br /> A separação do trabalho intelectual 75<br /> Desigualdades sociais e justificações ideológicas 77<br /> Consciência mistificada e consciência burguesa 81<br /> PROBLEMA SOCIOLÓGICO DA IDEOLOGIA 87<br /> Dialética das alienações 91<br /> História e teodicéia 93<br /> NOTAS DE FIM 97 />

OBS. Uma versão preparatória dessa obra está publicada em Page nesta Web  sob o título “A Utopia do Saber Desencarnado, a Crítica da Ideologia e a Sociologia do Conhecimento“.

Os fatores extra-lógicos do conhecimento

In dialectics, history, sociologia on August 26, 2013 at 8:17 pm

Curso de sociologia do conhecimento Texto-02: Introdução
Jacob (J.) Lumier Autor JLumier2012
Tecle aqui para acessar a obra

Curso de Sociologia do Conhecimento – Texto 02

 

Abstract

 

Esta obra é um ensaio sobre os fatores extra-lógicos do conhecimento.
Na trilha da orientação básica da sociologia de que as categorias lógicas são sociais em segundo grau… não só a sociedade as institui, mas constituem aspectos diferentes do ser social que lhes servem de conteúdo…, tem foco na crítica a certos efeitos subordinantes da tecnificação do saber, tomada esta como aspecto da estrutura de classes.Elabora em especial uma crítica sociológica aplicada em oposição à primazia da lógica sobre a consciência coletiva, já preliminarmente comentada no final do
Texto 01 desta obra em seis textos[1]. Os fatores extra-lógicos do conhecimento, tais como os contextos culturais e os determinismos sociais e sociológicos são examinados com profundidade.

***

 

Introdução

A equação existencial é positiva porque chama atenção para os fatores extra- lógicos do conhecimento.

O obstáculo

Seria de esperar que a maior importância do conhecimento e da educação para a estrutura das nossas sociedades em regime de capitalismo organizado, sobretudo a partir dos anos de 1960, servisse de estímulo aos sociólogos para fazer avançar os estudos diferenciados da sociologia do conhecimento, como disciplina científica especial.

Como sabem, a valorização da educação e do conhecimento requeridos pelos públicos políticos em ascensão nos anos de 1920 foi o que motivou ao notável Karl Mannheim, fundador dessa disciplina [2], para promove-la como disciplina diferenciada. Esperavam que esse esforço tivesse amplo alcance e repercussão mais além dos círculos privilegiados de estudiosos. Mas isso não aconteceu. Havia uma projeção do conhecimento como epifenômeno. Tal o obstáculo.

Por demasiado tempo, acreditaram que o os fatos de consciência eram um aspecto periférico que integrava somente os fenômenos chamados de comportamento, como as mudanças de crenças, estilos de vida, hábitos culturais; alterações essas que, supostamente, não colocariam em risco a estrutura da sociedade.

Projetavam que a base da vida social, sua infraestrutura, não seria alterada, supostamente, pelo peso do saber, mas, pelo contrário, apostavam que qualquer alteração no âmbito da consciência e do conhecimento conformaria ou refletiria uma expressão da mudança nas relações de produção, na economia e na história econômica.

Tal crença releva dos falsos problemas da sociologia do século XIX, notadamente a falsa alternativa entre sociologia ou filosofia da história, confusão absolutamente inadmissível, haja vista a capacidade da sociologia para alcançar perfeitamente por si só a situação presente da sociedade sem precisar de outra disciplina para isso [3].

Se tiverem em conta a linguagem, a intervenção do conhecimento e o direito espontâneo verão que a consciência faz parte das forças produtivas em sentido lato e desempenha um papel constitutivo nos próprios quadros sociais (Nosotros, grupos, classes, sociedades). Conforme descreveu Saint-Simon, existe correspondência entre estrutura social, produção econômica, propriedade, regime político, ideias intelectuais e morais [4].

Os fatores extra-lógicos

Sem embargo, é possível constatar a imbricação dispersa da sociologia do conhecimento enriquecendo as inúmeras e esclarecedoras análises sistemáticas das novas classes médias como quadros sociais, difundidas nos anos de 1960. Basta consultar a bibliografia pesquisada à época [5] .

Por outro lado, em face de um formalismo cultivado nos meios epistemológicos, que exagera como necessário o postulado da refutabilidade de todo o conhecimento científico [6], admitiu-se a sociologia do conhecimento para negar sua relevância pedagógica como conhecimento científico[7]. Em contrapartida, é inegável a existência de fatores objetivos que condicionam o conhecimento científico e devem ser examinados criteriosamente por razões de positividade.

A constatação de que os fatores extra-lógicos do conhecimento, tais como os contextos culturais e os determinismos sociais e sociológicos devem ser examinados com profundidade, revela um posicionamento preliminar do sociólogo que foi posto em destaque por C. Wright Mills [8].

Para avançar nesse caminho, sociólogos notáveis chamaram atenção para a inserção da psicologia coletiva na sociologia, contando inclusive as contribuições de Durkheim e Marx [9].

Nessa linha de pesquisa, chegam à autonomia relativa dos níveis simbólicos da realidade social (os níveis intermediários entre a infra e as superestruturas[10], isto é, os patamares de realidade social – “paliers”), incluindo o nível dos valores, das mentalidades e mais amplamente das obras de civilização.

Orientação crítica

Como sabem, a relevância da autonomia simbólica torna-se mais decisiva no estudo das estruturas a partir dos tipos de sociedades que engendram o capitalismo (séculos XVII e XVIII, incluindo a época do Iluminismo), onde, malgrado o advento do maquinismo, o peso do saber para o equilíbrio do conjunto não pode ser minimizado.

Daí, se impõe o reconhecimento dos níveis múltiplos de realidade social, com a inserção da psicologia coletiva (psiquismo, mentalidades) impulsionada junto ao fato do conhecimento em correlações funcionais com os quadros sociais.

A sociologia contra o eudemonismo

Para o sociólogo, o estudo do direito, da vida moral, do conhecimento pode ter lugar unicamente a partir dos fatos sociais e não por imposição de um absoluto.

Émile Durkheim assinalou a indispensabilidade da sociabilidade humana no conhecimento e constatou que “as categorias lógicas são sociais em segundo grau… não só a sociedade as institui, mas constituem aspectos diferentes do ser social que lhes servem de conteúdo…[11] O ritmo da vida social é que se encontra na base da categoria do tempo; é o espaço ocupado pela sociedade que forneceu a matéria da categoria do espaço”[12].

Ainda no começo do século vinte, após a obra do mesmo Emile Durkheim intitulada “De la Division do Travail Social” [13] , torna-se marcante o posicionamento do sociólogo não somente contra o então prestigiado utilitarismo doutrinário[14], reforçado nos meios progressistas depois de Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873), mas igualmente contra o eudemonismo e toda a imposição lógica de um absoluto estranho aos fatos sociais.

Como sabem, as doutrinas eudemonistas especulam sobre um conteúdo moral suposto unitário e imediato, na idêntica medida em que as mesmas buscam em uma contemplativa natureza humana um absoluto para a vida moral, com imposição lógica aos fatos sociais e às manifestações particulares da sociabilidade: tais as doutrinas do que é “útil”, do que é “técnico”, do que dá “prazer” (hedonismo).

Por sua vez, Durkheim sabia que o critério da utilidade constitui a base dos valores econômicos. Sem embargo, fez oposição à pretensão utilitarista em reduzir o valor de uma norma unicamente a sua utilidade como critério de felicidade para o maior número. Ademais, foi firme em repelir a projeção de “utilidade” como um absoluto, como critério último das ações humanas e base mensurável de análise das questões políticas, sociais e econômicas.

Por essa razão, devem distinguir entre mentalidade utilitária e utilitarismo doutrinário.

Diferente deste último, que é uma doutrina eudemonista, na mentalidade utilitária as atitudes são afirmadas em relação à qualidade pela qual os objetos revelam serventia econômica. Essa mentalidade integra a visão de sociedade como constituída por indivíduos para a realização de fins que são primariamente individuais. Daí a proximidade com o atomismo social e a imagem de que “não existe tal coisa chamada sociedade”, projetada pelos neoliberais em sua prioridade mercatória.

Matéria deste trabalho

Na trilha da orientação básica da sociologia, contrária ao eudemonismo, a matéria deste trabalho é a crítica a certos efeitos subordinantes da tecnificação do saber, tomada esta como aspecto da estrutura de classes.

Desta forma, elabora em especial uma crítica sociológica aplicada em oposição à primazia da lógica sobre a consciência coletiva, já preliminarmente comentada no final do Texto 01 desta obra em seis textos. (Veja adiante o Plano da Obra).

Como sabem, a imposição da primazia da lógica é uma projeção de setores tecnocráticos com forte tendência à hegemonia cultural que acontece na esteira da notada influência do conhecimento técnico associado à tecnologia [15]. Sem embargo, a primazia da lógica é questionada pela atitude de oposição sociológica ao utilitarismo doutrinário.

Mas não é tudo. Por extensão, este trabalho põe em questão inclusive as orientações que aceitam um absoluto normativo sobre a realidade social, com foco nas refutadas teorias formalistas que, ao aplicar a separação de análise estrutural e análise histórica, acolhem axiomas doutrinários tirados da filosofia social, como é o caso da persistente teoria de coação ou conflito [16], muito influente no século vinte.

Propósito pedagógico

O propósito aqui agasalhado é o mesmo do Texto 01: contribuir com a revalorização pedagógica da colocação do conhecimento em perspectiva sociológica, mediante observações de leitura e interpretação, elaboradas em comentários com teor crítico no sentido esclarecido por Bachelard, de que “o determinismo é precisamente o objeto de uma discussão[17].

De modo especial, se tem em vista equacionar e solucionar o problema do coeficiente existencial do conhecimento, bem como estudar os tipos sociológicos de sistemas cognitivos. Lembrem que a equação existencial é positiva porque chama atenção para os fatores extra-lógicos do conhecimento, tais como os contextos culturais e os determinismos sociais e sociológicos, já mencionados.

Aliás, em face de opositores fechados no argumento falacioso de que as condições sociais não influiriam na veracidade das proposições, Wright Mills afirma então incumbir-lhes indicar quais são as condições de que a veracidade depende realmente [18].

A maior sequência dos comentários reunidos nos vários textos de que o presente Texto 02 é parte, versa sobre o posicionamento dos opositores à esta disciplina, ao mesmo tempo em que os comentários repelem, em contrapartida, o preconceito contra a sociologia do conhecimento.

Finalmente, cabe relembrar que a elaboração da obra se faz em volta de quatro eixos principais seguintes:

  • O problema sociológico do impacto da tecnificação;
  • A indispensabilidade da psicologia coletiva nos estudos sobre o conhecimento;
  • O reconhecimento da variação do saber como fato positivo;
  • Caráter igualmente positivo da influência dos simbolismos e mitologias para os sistemas cognitivos.

Esperam que as informações, análises e os conteúdos sociológicos resultantes deste ensaio despertem no leitor benevolente maior interesse para prosseguir suas incursões nessa disciplina desafiadora que é a sociologia e, ao chegar no final deste livro, encontre ele na orientação diferencial aqui desenvolvida um caminho de reflexão consistente para contra arrestar os efeitos atomizadores das posições estranhas à defesa da sociabilidade humana.

***

 

 

Etiquetas: coeficiente, compreensão, comunicação, conhecimento, conjunto, consciência, correlações, desenvolvimento, determinismos, dialética, estrutura social, experiência humana, explicação, hierarquias múltiplas, ideologia, juízos, liberdade humana, mentalidade, obras, patamares, pluralismo, produção, psicologia coletiva, psiquismo, quadros sociais, realidade social, regulamentações sociais, símbolos sociais, sistemas cognitivos, sociabilidade, sociologia, tecnificação, tecnocratização, tecnologia, variabilidade.

Rio de Janeiro, Agosto de 2013 – Jacob (J.) Lumier


[19]


[1] Para melhor compreensão deste trabalho, tecle aqui, baixe grátis e leia  em versão e-pub o texto 01.

[2] Mannheim, Karl (1893–1947) : « Ideologia e Utopia : uma introdução à sociologia do conhecimento », tradução Sérgio Santeiro, revisão César Guimarães, Rio de Janeiro, Zahar editor, 2ª edição, 1972, 330pp.(1ªedição em Alemão, Bonn, F.Cohen, 1929 ; 2ªedição remodelada em Inglês, 1936).

[3] A sociologia exige o abandono das ilusões do progresso em direção a um ideal, bem como o abandono das ilusões de uma evolução social unilinear e contínua, sendo da competência da sociologia descobrir na realidade social as diversas perspectivas possíveis e até antinômicas que são postas para uma sociedade em vias de se fazer.  As ilusões trazidas pela confusão com a filosofia da história se encontram favorecidas pela ocorrência de um erro lógico fundamental que é a falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor. Desse erro decorre a confusão, pois em vez de explicar os desejos a partir da realidade social, constrói-se a realidade social em função desses desejos A sociedade está sujeita a flutuações e até aos movimentos cíclicos, e a falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor torna impossível o acesso da análise sociológica a um dado fundamental da vida social que é a variabilidade.

[4] Claude-Henri de Saint-Simon (1760-1825): La physiologie sociale. Oeuvres choisies, par Georges Gurvitch. Versão em volume publicada em Paris, Presses universitaires de France, 1965, 160 pages. Collection: Bibliothèque de sociologie contemporaine. (textes de 1803 à 1825).   http://classiques.uqac.ca/classiques/saint_simon_Claude_henri/physiolo gie_sociale/physiologie_sociale.html édition électronique

[5] Birnbaum, Norman: “A Crise da Sociedade Industrial”, trad. Octávio Cajado, São Paulo, editora Cultrix, 1973, 167 pp. (1ªedição em Inglês, Londres, 1969).

[6] As teorias formalistas de diversos matizes, de que Popper é um dos expoentes, são refutadas na medida em que tomam por base a psicologia interpessoal exclusiva, promovem a técnica de estimação dos ajuizamentos de valor portados por cada membro de um grupo sobre cada um dos outros (sociodrama ou psicodrama), e sobrevalorizam a imitação em detrimento do psiquismo coletivo.

[7] Um filósofo formalista da ciência de alto porte como Karl Popper, atribuindo-lhe equivocadamente um estatuto de disciplina exclusivamente causal, nos diz que nada ou muito pouco a sociologia do conhecimento teria para ensinar. Em suas palavras: …“ podemos aprender acerca da heurística e da metodologia e até a respeito da psicologia da pesquisa, estudando teorias apresentadas pró e contra elas, mais do que por qualquer abordagem direta behaviorista ou psicológica ou sociológica”, cf: Popper, Karl: ‘Conhecimento Objetivo: uma abordagem evolucionária’, tradução Milton Amado, São Paulo/Belo Horizonte, EDUSP/editora Itatiaia, 1975, 394 pp, traduzido da edição inglesa corrigida de 1973 (1ªedição em Inglês: Londres, Oxford University Press, 1972); pág.116.

[8] W. Mills constatou a ocorrência de fatores extra-lógicos como intervindo e influindo na validade do pensamento de uma elite técnico-científica ou de pensadores individuais, e não só assinalou tratar-se de uma situação de fatos, mas reconheceu uma realidade objetiva interessando à sociologia como disciplina determinística. Sustenta uma “teoria social da percepção” segundo a qual, na busca de verificação dos elementos empíricos, os conceitos existentes condicionam os resultados da indagação. Wright Mills, Charles (1916 – 1962): ‘Consecuencias Metodológicas de la Sociología del Conocimiento’, in Horowitz, I.L. (organizador): ‘Historia y Elementos de la Sociología del Conocimiento – tomo I’, artigo extraído de Wright Mills, C.: ‘Power, Politcs and People’, New York, Oxford University Press, 1963; tradução Noemi Rosenblat, Buenos Aires, Eudeba, 3ª edição, 1974, pp.143 a 156. Veja igualmente: Lumier, Jacob (J.): “Comunicação e Sociologia” – Artigos Críticos / 2ª Ediçãomodificada, Junho 2011, 143 págs. Ver especialmente as páginas 130 sq. Versão digital acessivel em:http://www.bubok.es/libros/191754/Comunicacao-e-Sociologia–artigos-criticos–2-edicao-modificada

[9] Cf. Gurvitch, Georges (1894-1965): “Problemas de Sociologia do Conhecimento”, In Gurvitch (Editor) et al. “Tratado de Sociologia – Vol.2”, Tradução: Ma. José Marinho, Revisão: Alberto Ferreira, Iniciativas Editoriais, Porto 1968, Págs. 145 a 189 – 1ª edição em Francês: PUF, Paris, 1960

[10]  Não devem reduzir ao nível da ideologia as obras de civilização como o direito, a moral, o conhecimento. As superestruturas implicam os graus de cristalização, de estruturação e de organização da vida social que podem entrar em defasagem, desequilíbrio e até em contradição com os elementos espontâneos desta, resultando, pelo concurso de ideologias falazes, na ameaça de dominação e sujeição que pesa sobre as coletividades e os indivíduos.

[11] Lembrem que não somente a capacidade em distinguir as semelhanças e as diferenças constitu um fato social básico, mas também é básico o reconhecimento coletivo de que as relações de aproximação ou afastamento com os outros são feitas de semelhanças e diferenças, o que  confirma a constatação de Durkheim de que as categorias lógicas, como o princípio da identidade e do terceiro excluído, são sociais em segundo grau.

[12] Cf. Gurvitch, Georges (1894-1965): “Problemas de Sociologia do Conhecimento”, In Gurvitch (Editor) et al. “Tratado de Sociologia – Vol.2”, Tradução: Ma. José Marinho, Revisão: Alberto Ferreira, Iniciativas Editoriais, Porto 1968, Págs. 145 a 189 – 1ª edição em Francês: PUF, Paris, 1960 – Ver pág.149.

[13] Veja: Émile Durkheim (1858-1917): De la division du travail social (1893),  Paris: Les Preses universitaires de France, 8e édition, 1967, 416 pages. Bibliothèque de philosophie contemporaine.

Versión digital, Les Classiques des Sciences Sociales: http://classiques.uqac.ca//classiques/Durkheim_emile/division_du_travail/division_travail.html

[14] O utilitarismo é contestado na medida em que seus adeptos projetam o objeto utilitário como criterio último de las acciones humanas y como base mensurable de análisis de las cuestiones políticas, sociales y económicas.

[15] A técnica não se limita só ao conhecimento da manipulação da matéria nem se identifica à tecnologia, pois não comporta a exclusividade das competências tecnológicas.

[16] Uma formulação representativa dessa corrente encontra-se na obra de Dahrendorf, Ralf: “Ensaios de Teoria da Sociedade”,  Zahar – Edusp, Rio de Janeiro 1974, 335 pp. (1ª edição Em Inglês, Stanford, EUA, 1968).

[17] O caminho do ensino permanece um caminho de pensamento sempre efetivo porquanto alimentado pela “polêmica da prova”. O espírito científico não repousa sobre crenças, sobre elementos estáticos, sobre axiomas não discutidos. A crença no determinismo não está na base de todos os pensamentos, fora de toda a discussão. Pelo contrário, “o determinismo é precisamente o objeto de uma discussão”, assunto de uma polêmica quase diária na atividade do laboratório. Cf. Bachelard, Gaston: “O Novo Espírito Científico”, São Paulo, editora Abril, 1974, coleção “Os Pensadores”, vol.XXXVIII, pp.247 a 338 (1a edição em Francês, 1935). Págs. 302, 303.

[18]  Wright Mills, Charles (1916 – 1962): ‘Consecuencias Metodológicas de la Sociología del Conocimiento’, in Horowitz, I.L. (organizador): ‘Historia y Elementos de la Sociología del Conocimiento – tomo I’,  op.cit.

***

Sumário
Epígrafe 5
Apresentação 7
Introdução 11
O obstáculo 11
Os fatores extra-lógicos 13
Orientação crítica 15
A sociologia contra o eudemonismo 15
Matéria deste trabalho 18
Propósito pedagógico 19
A Tecnologia, a indústria cultural e o paradigma 25
Ciências da cognição ou sociologia 27
As categorias lógicas são sociais 33
Tecnificação e Sociologia 38
Posicionamento realista 41
A mediação dos atos coletivos 42
As classes de conhecimento – 1 47
O conhecimento técnico 49
União do conceitual e do empírico 52
História e sociologia 55
O impacto da tecnificação 57
A Mentalidade de modernização 57
Opulência e Pobreza 60
Técnica e Tecnificação 63
O Plano organizado e o Espontaneísmo 64
Tecnificação e sintaxe 67
Desenvolvimento das expectativas 68
Problemas reais e esquemas prefixados 69
A mirada diferencial 72
A introdução do maquinismo 77
Não há ligação originária de ciência e técnica. 78
A distributividade do conhecimento técnico 80
Administração e sociologia 84
Sociologia e Objetividade Científica 86
Metodologia e sociologia do conhecimento 89
Mito e conhecimento 93
A Internet e a Mentalidade do Utilitarismo 97
Nova construção do conhecimento 101
As TICs e os valores do utilitarismo 104
O caráter comunicável 111
Notas complementares ao texto 02 114
Plano da Obra em seis textos 120
Sobre o autor 123
Notas de Fim 124

Leia também:
Curso de Sociologia do Conhecimento – Texto 01

Karl Marx e a Sociologia do Conhecimento – 2ª edição ampliada

Comunicação e Sociologia – artigos críticos / 2ª edição modificada

Sociólogos sem Fronteiras - Rio de Janeiro

Sociólogos sem Fronteiras – Rio de Janeiro

Processamento dialético dos conjuntos

In dialectics, history, sociologia on June 18, 2013 at 11:48 pm

 Autor JLumier2012

 Jacob (J.) Lumier

Não sendo reduzida às suas exteriorizações na base morfológica, nas técnicas e nas organizações, nem às suas cristalizações nas estruturas e nas obras de civilização, a realidade social porta nela tensões crescentes ou decrescentes até as reações mais ou menos espontâneas – as quais se manifestam em graus variados do inesperado, do flutuante, do instantâneo e do imprevisível que correspondem ao que se chama o psíquico.

O processamento dialético dos conjuntos

Para estudar a realidade social e aí entrever os conflitos reais entre os aparelhos organizados, as estruturas propriamente ditas e, enfim, a vida espontânea dos grupos a sociologia faz recurso à dialética como instância privilegiada da visão de conjuntos de tal sorte que o conceito de estrutura se revela o mais dialético, com os atos não se reduzindo à objetivação nas obras de civilização.

  • Notem que a descoberta e descrição por Gurvitch da multiplicidade dos tempos sociais [Gurvitch, Georges (1894-1965): Determinismos Sociais e Liberdade Humana: em direção ao estudo sociológico dos caminhos da liberdade”, trad. Heribaldo Dias, Rio de Janeiro, Forense, 1968, 361pp., traduzido da 2ªedição francesa de 1963; 1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1955] confirma a constatação de que a mudança social é permanente no interior das estruturas, as quais expressam os equilíbrios instáveis entre as hierarquias sociais no curso da estruturação.
  • Em consequência, o reconhecimento de hierarquias múltiplas não implica desconsiderar os determinismos em sociologia, ao contrário da suposição agasalhada no livro editado por Gunter W. Remmling: Towards the Sociology of Knowledge: Origin and Development of a Sociological Thought Style [Londres, Routledge and Kegan Paul,1973 (primeira edição), 457 págs. Vejam as págs. 289 e 290]. Antes disso, o reconhecimento de hierarquias múltiplas pôe em relevo o equívoco em confundir determinismo e causalidade, da mesma maneira em que acentua a impossibilidade em descrever os determinismos sociais sem levar em conta a intervenção da liberdade humana.

Como se sabe, o processamento dialético é essencialmente depuração de um conhecimento sob a pressão de uma experiência com a qual se defronta.

       A introdução da dialética nas ciências exatas foi feita em relação ao seguinte: (a)- para abrir um acesso em direção ao que é escondido, ao que dificilmente pudera ser  possuído; (b)- para renovar experiência e experimentação;  (c)- para tornar essencialmente impossível a esclerose dos quadros operativos.  No dizer de Gurvitch trata-se, então, de uma dialética que não é nem uma arte de discutir e de enganar, nem um meio de fazer a apologia de posições filosóficas preconcebidas – sejam elas denominadas racionalismo, idealismo, criticismo, espiritualismo, materialismo, fenomenologia, existencialismo. Tal a dialética experimental e relativista, recorrendo à especulação para melhor adaptar os objetos do conhecimento às profundezas do real. O mesmo valendo para um importante filósofo da cultura científica como Gaston Bachelard, quem começou a introduzir a dialética complexa desde o ano de 1936 (“La Dialectique de la Durée”) e notou que a dialética é ligada a procedimentos operativos que tornam relativo o aparelho conceitual de toda a ciência.

       Gurvitch relaciona os cinco procedimentos operativos nos quais se manifesta o método dialético na seguinte ordem: 1º)- a complementaridade dialética, 2º)- a implicação dialética mútua, 3º)- a ambiguidade dialética, 4º)- a polarização dialética, 5º)- a reciprocidade de perspectiva. Na descrição desses procedimentos, o tópico posto em relevo é a diferença entre a disposição da experiência nas ciências da natureza, a qual visa conteúdos que, neles mesmos, nada têm de dialéticos, por um lado e, por outro lado, a experiência arregrada em sociologia, a qual, por sua vez, visa conteúdos dialéticos, como o é a própria realidade social. Em sociologia, a experiência é o esforço dos homens, dos Nós, dos grupos, das classes, das sociedades globais para se orientar no mundo, para se adaptar aos obstáculos, para os vencer, para se modificar e modificar seus entornos.

O método dialético nega o discursivo

Para que o processamento dialético aconteça é preciso que haja o problema de um conjunto, de uma totalidade real. Não há dialética em relação a certos extremos que se podem juntar e que não têm sentido uns sem os outros tais como o polo Norte e o polo Sul, o Oriente e o Ocidente, o pólo positivo e o pólo negativo da corrente elétrica, o branco e o negro, o alto e o baixo, o dia e a noite, o quente e o frio, o inverno e o verão, a direita e a esquerda, etc., extremos esses que nada têm a ver com a  complementaridade dialética e já acessíveis por eles mesmos. Quer dizer, os “procedimentos discursivos” se revelam inteiramente suficientes e o método dialético nada tem a ver nisso.  No procedimento operativo da complementaridade dialética, por sua vez, se trata de desvelar a aparência de uma exclusão recíproca dos termos ou dos elementos contrários que se revelam à clarificação dialética como irmãos siameses, duplos se afirmando uns em função dos outros e, desse fato entrando nos mesmos conjuntos, os quais podem ser conjuntos de gêneros muito diferentes.

                                          Nas ciências da natureza a dialética de complementaridade se propõe simplesmente a mostrar a relatividade e a insuficiência dos conceitos contrários, utilizados para exprimir um conjunto conceitual que não se consegue delimitar de outra maneira. Tratando-se ainda de conjuntos conceituais e não dos conjuntos reais, nota-se na sociologia que os tipos microssociais, os tipos de agrupamentos, os tipos de classes sociais e os tipos de sociedades globais se apresentam de início compreendidos numa dialética de complementaridade. Gurvitch põe em relevo o caráter mais coerente desses últimos conjuntos conceituais em face daqueles considerados nas ciências da natureza, já que as tipologias sociológicas devem servir para estudar não só “um conjunto conceitual que não se consegue delimitar de outra maneira”, mas os conjuntos reais que se engendram eles mesmos em um movimento dialético direto, limitando-se a complementaridade unicamente como uma etapa preliminar de dialetização.

                                          Quer dizer: (1)- posto que os tipos sociais são construídos em função uns dos outros, eles exigem a clarificação da implicação mútua; (2)- posto que eles podem tornar-se tão simétricos, eles devem ser postos em reciprocidade de perspectiva; (3)-possibilidades essas que não excluem que eles possam entrar em contradição e assim exigir a clarificação dialética da polarização. Essas exigências de aplicação dos outros procedimentos operativos a mais da complementaridade dialética em sociologia é verdadeira quando se trata não só dos quadros conceituais operativos, mas das manifestações dos conjuntos sociais reais eles mesmos, tais como os Nós, os grupos, as classes, as estruturas, as sociedades globais.

A implicação mútua é o procedimento imprescindível para dar precisão à ligação entre a vida psíquica e a vida social.  A imanência recíproca parcial entre esses dois termos é verificada no fato de que, não sendo reduzida às suas exteriorizações na base morfológica, nas técnicas e nas organizações, nem às suas cristalizações nas estruturas e nas obras de civilização, a realidade social porta nela tensões crescentes ou decrescentes até as reações mais ou menos espontâneas – as quais se manifestam em graus variados do inesperado, do flutuante, do instantâneo e do imprevisível que correspondem ao que se chama o psíquico.

       Da mesma maneira, a implicação mútua permite dar precisão à ligação entre o psiquismo individual, o psiquismo interpessoal e o psiquismo coletivo. O argumento de é o seguinte: considerando que no psiquismo coletivo tem lugar uma fusão prévia das consciências (assegurando a mesma significação aos signos e aos símbolos, p.ex., os que são reconhecidos como palavras de uma língua), nota-se que o psiquismo interpessoal ou intergrupal implica os dois outros, pois, se este psiquismo é afirmado nas suas manifestações na comunicação, nenhuma comunicação pode ter lugar fora ou no exterior do psiquismo coletivo. Ao mesmo tempo são os psiquismos individuais que comunicam – o que supõe sua diferenciação tanto quanto sua fusão. A respeito desses psiquismos, observam que o crescimento dos graus de implicação mútua entre os mesmos conduz para a reciprocidade de perspectiva. Quanto à implicação mútua entre as estruturas sociais e as obras de civilização, sabem que só o estudo das estruturas sociais já exige o emprego de todos os procedimentos dialéticos disponíveis.

       Observa-se, enfim, no conjunto, a implicação mútua entre as manifestações da sociabilidade, os grupos, as classes e as sociedades globais, e as relações que se  desenvolvem entre os diferentes planos seccionados da realidade social.

 Quer dizer, a complementaridade por dupla compensação não é suficiente para estudar o vai-vem deles. A base morfológica, os aparelhos organizados, os modelos culturais e técnicos, as condutas mais ou menos regulares, os papéis sociais, as atitudes, os símbolos sociais, as condutas novadoras, as ideias e valores coletivos, os estados e atos coletivos, se interpenetram em um certo grau mesmo preservando-se tensos, sempre suscetíveis de entrar em conflito uns com os outros e de tornar-se, finalmente, antinômicos (cf. ib. p. 261sq).

O domínio de aplicação da sociologia é pleno de ambiguidade: ser ligados e ficar em certa medida irredutíveis; melhor, se interpenetrar, fusionar parcialmente sem se identificar; participar nas mesmas totalidades  e se combater, se revelar frequentemente de uma só vez amigos e inimigos, centros simultâneos de atração e de repulsão, focos de reconforto e de ameaça – o que é segundo Gurvitch a sina do homem vivendo em sociedade, a sina dos Nós, dos grupos, das sociedades inteiras-  é se mover não somente na esfera da complementaridade por dupla compensação, mas é igualmente se mover na esfera da ambiguidade que se exaspera facilmente em ambivalência. Nesse estudo sociológico a relação entre Massa, Comunidade e comunhão é privilegiada.  O jogo das compensações verificado entre esses três graus de intensidade do Nós toma frequentemente um caráter de ambiguidade e até de ambivalência.

Assim acontece de maneira geral que os fatos sociais exercem sobre os indivíduos uma preeminência psicológica e moral. Sociólogos notáveis chegaram à compreensão de que o indivíduo volta a encontrar o social igualmente nas profundidades do seu próprio Eu. Os dois termos “indivíduo e sociedade” são de uma ambiguidade extrema que se torna um impasse se nos obstinarmos em considerar esses dois termos como antitéticos.

Essa ambiguidade será posta em relevo na análise sociológica diferencial ao rejeitar não a realidade do indivíduo e da sociedade, mas unicamente o erro inaceitável de que esses termos sejam tratados como entidades exteriores uma a outra.

Outro exemplo refere-se à aplicação do procedimento da ambiguidade dialética no estudo das relações com Outrem. Já notamos que em sociologia as relações mistas são àquelas onde a pessoa se aproxima distanciando-se e onde se distancia aproximando-se.  Sob o aspecto ativo, se trata das trocas, das relações contratuais, das relações de crédito, de promessas diversas.

Apesar do seu caráter fundado sobre a reciprocidade nota-se certa ambiguidade nessas relações. Elas implicam de uma só vez certa harmonia de interesses quanto à validade das obrigações previstas, e um conflito de interesses quanto à interpretação de suas cláusulas materiais e dos modos de sua execução. Essa ambiguidade se exaspera em ambivalência quando essas relações com Outrem de caráter misto tomam uma forma passiva, já que os indivíduos, grupos, sociedades (os Eu e os Outrem) são de uma só vez atraídos e repelidos uns pelos outros, sem que cheguem a se dar conta da parte de elementos negativos e positivos nessas confusões.

       No estudo sociológico do procedimento operativo da polarização dialética se dá ênfase à inexistência de antinomias em si ou que permaneceriam sempre assim, em todos os tempos e em todos os lugares. Se as tensões de diferentes graus – argumenta-se -, os conflitos, as lutas, os contrários, compreendidos em relações de complementaridade, de implicação mútua, ou de ambiguidade podem se exasperar em antinomias, eles podem também em outros momentos se encontrar em relações diferentes e demandar procedimentos outros que não a polarização dialética.

       As classes sociais nas sociedades de capitalismo organizado não podem ter afirmado de antemão um caráter antinômico, já que se admite a possibilidade de evitar as desigualdades econômicas graças a um regime de compensações planejadas, o qual não é excluído a-priori. Nota-se, além disso, que podem surgir antagonismos entre Eu, Outrem e Nós, assim como entre as manifestações da sociabilidade, os grupos e as sociedades globais – quer dizer, é possível a ruptura da reciprocidade de perspectiva ou da implicação mútua, a que tais elementos tendem habitualmente. Uma mudança sobrevinda no Nós posto diante de um dilema imprevisto impulsiona certos Eu participantes, seja a tornar-se heterogêneos a esse Nós, seja a participar de outros Nós. Ou então acontece que em um Nós, no lugar da Comunidade a que um Eu permanece fiel, é o elemento da Massa que se encontra acentuado (Ver: Gurvitch, Georges (1894-1965): “Dialectique et Sociologie”op. cit, págs. 249 sq.).

sociologia da sociologia

Toda a ciência investiga não aquilo que já se sabe, mas o objeto encoberto, assim como a sociologia investiga a realidade social encoberta na crosta dogmática e fossilizada, e a construção dos objetos precisos da experiência e do conhecimento é precedida pela descrição mediante os procedimentos hiperempíricos, cujo segredo é ser uma descrição orientada para a “demolição de todos os conceitos adquiridos”, em vista de impedir a “mumificação” dos mesmos, e compreende as complementaridades, as compensações, as ambiguidades, as ambivalências, as reciprocidades de perspectivas e as polarizações, como procedimentos hiperempíricos ou procedimentos dialéticos de intermediação.

                                          Se o conhecimento não é separado da mitologia, podemos notar finalmente, que, no estudo do coeficiente existencial do conhecimento – incluindo os coeficientes humanos (aspectos pragmáticos, políticos e ideológicos) e os coeficientes sociais (variações nas relações entre quadros sociais e conhecimento) – deve-se ter em conta não somente o reconhecimento da autonomia do significado, mas deve-se acentuar igualmente a equivalência dos momentos antitéticos (anulação da oposição espiritualismo-materialismo), e mais: deve-se levar em conta que a realidade que a sociologia estuda, como já o dissemos, é a condição humana considerada debaixo de uma luz particular e tornando-se objeto de um método específico.

                                          A análise sociológica enfatiza o equívoco das pretensões da ciência em ser desvinculada dos quadros sociais.   Segundo Georges Gurvitch, o conhecimento científico parte de quadros operativos essencialmente construídos, justificados pelos resultados conseguidos, que chamam a uma verificação experimental.  A ciência busca a união do conceitual e do empírico e, se cultiva a pretensão de ser desvinculada, será, talvez, porque é uma classe de conhecimento que tende ao desinteresse, ao “nem rir nem chorar” de Spinoza, ao aberto, à acumulação, à organização e ao equilíbrio.

                                            Gurvitch observa que o conhecimento científico ocupou um lugar predominante no sistema do conhecimento somente nas estruturas capitalistas, particularmente as do capitalismo competitivo, e que é nas sociedades industriais que o mesmo entrou em competição com o conhecimento filosófico e o ultrapassou.

                                            Em todo o conhecimento científico intervêm os coeficientes sociais do conhecimento precipitando as variações do saber em função dos quadros sociais, variações tanto mais fortes quanto maior seja o desenvolvimento do próprio conhecimento científico.  Na apreciação desta situação, se observa, inicialmente, que a intervenção dos coeficientes sociais do conhecimento nas ciências exatas e nas ciências da natureza pode ser analisada sob quatro linhas, seguinte: primeiro: o coeficiente social do conhecimento intervém através da experiência e da experimentação, que são sempre essencialmente humanas e não apenas lógicas, e sofrem a influência do humano; segundo: o coeficiente social do conhecimento intervém também através da conceituação a qual, geralmente, está avançada em face da experimentação.

                                            Quer dizer, toda a hipótese nova traz a marca da estrutura da sociedade em que se elaborou, como, aliás, já nos esclareceu Wright Mills[i].   Nada obstante, Gurvitch acrescenta como exemplos significativos a este respeito (a) – a correspondência ideológica entre o darwinismo e a concorrência, tomada esta última como princípio em ação na sociedade da época; (b) – em maneira menos evidente que a anterior e em estado inconsciente, observa-se a correspondência entre as incertezas na microfísica e os limites à capacidade de controle que a mesma faz aparecer e que provêm da energia atômica, como fator de explosão das estruturas sociais globais.

                                           Terceiro: o coeficiente social do conhecimento intervém através da importância das organizações privadas e públicas no planejamento da pesquisa científica, importância esta que é muito notada, já que, na época da energia atômica e da eletrônica, a pesquisa exige laboratórios ou organismos de investigação e experimentação de muito vasta envergadura, com extensão internacional; quarto: os coeficientes sociais do conhecimento intervêm através da vinculação que se estabelece entre as ciências e a realidade social.

                                           Ou seja, independentemente do fato de que a realidade social tanto pode dominar as ciências por efeito das forças de produção nas quais as ciências se integram como pode ser dominada por elas, os conhecimentos científicos exigem os meios adequados para a difusão dos seus resultados, estando entre estes meios de difusão o ensino, a vulgarização, as edições de bolso, o rádio, a televisão, os meios informáticos, enfim a multimídia.

                                           Menos comprometidas e menos ideológicas que as outras ciências do homem, voltadas estas últimas que são para sistematizar em vista de metas práticas, mas incapazes de liberar-se de certos coeficientes ideológicos, a história e a sociologia sofrem  a pegada dos coeficientes sociais do conhecimento que nelas intervém a duplo título: (a) – em vinculação com a organização crescente da pesquisa e com a constituição cada vez mais relativista do aparato conceitual operativo; (b) – em vinculação com o tema mesmo a estudar – os temas coletivos reais-, pois as sociedades, as classes, os grupos, os Nós, estão em movimento dialético e penetrados de significados humanos.

                                          Desta forma, a sociologia do conhecimento como disciplina capaz de pôr em evidência os coeficientes sociais e desse modo diminuir a sua importância, torna-se duplamente solicitada neste campo onde os temas a estudar são temas coletivos reais, alcançando a sociologia da sociologia.

Sociólogos sem Fronteiras - Rio de Janeiro

Sociólogos sem Fronteiras – Rio de Janeiro


[i] Wright Mills, C.: ‘Consecuencias Metodológicas de la Sociología del Conocimiento’, in Horowitz, I.L. (organizador): ‘Historia y Elementos de la Sociología del Conocimiento – tomo I’, artigo extraído de Wright Mills, C.: ‘Power, Politcs and People’, New York, Oxford University Press, 1963 ; tradução Noemi Rosenblat, Buenos Aires, EUDEBA, 3ªedição, 1974, pp.143 a 156.

O Sistema Cognitivo do Capitalismo

In history, sociologia on December 1, 2012 at 10:23 am

O Sistema Cognitivo do Capitalismo.

O Saber como Regulamentação Social

In dialectics, history, portuguese blogs, sociologia on November 30, 2012 at 8:49 am

Tópico do livro por Jacob J. Lumier intitulado   “Comunicação e Sociologia – Artigos Críticos -2ª Edição modificada” / Editor: Bubok Publishing S.L., Madrid /// ISBN papel: 978-84-9981-937-2 /// ISBN ebook: 978-84-9981-938-9
Coletânea de artigos – com notas, bibliografia e índice analítico eletrônico (sumário), Junho 2011, 143 págs.

Comunicação e Sociologia

Comunicação e Sociologia

 

  O sociólogo realista acentua a eficácia do conhecimento na realidade social.

 Em sociologia é básico que nenhuma comunicação pode ter lugar fora do psiquismo coletivo, as consciências individuais não se afirmam isoladamente, mas são intercomunicadas. De maneira semelhante, todo o conhecimento é comunicável mediante os mais diversos simbolismos sociais, incluindo a linguagem humana, de tal sorte que a existência dos conhecimentos coletivos e suas hierarquias ou sistemas é preponderante em sociologia [1].

De maneira diferente das chamadas “ciências da cognição”, o sociólogo realista elabora sua mirada seguindo o ensinamento de Émile Durkheim (1858 – 1917) que, juntamente com os colaboradores da revista L’Année sociologique que fundou em 1898, já na primeira metade do século XX,  colocou em relevo a existência de memórias coletivas múltiplas, acentuando que as consciências individuais se revelam deste modo interpenetradas.

Como vimos, Durkheim ele próprio em debate com Gabriel Tarde (1843 – 1904), ao insistir que não se pode  desconhecer a descontinuidade e a contingência que diferenciam as esferas do real, se posiciona sobre a referência das funções cerebrais na vida da consciência, deixando claro sua recusa em reabsorver a consciência coletiva nas consciências individuais [2].

Tomando base na diferenciação das esferas do real, os sistemas cognitivos são pesquisados a partir dos tipos de sociedades globais, e são decompostos segundo as classes do conhecimento que, por sua vez, podem ser (a) mais profundamente implicados na realidade social – o conhecimento perceptivo do mundo exterior, o conhecimento de outro e o conhecimento de senso comum, estudados nesta seqüência; (b) menos espontaneamente ligadas aos quadros sociais, cuja ligação funcional requer o diálogo e o debate: como é o caso para o conhecimento técnico, o conhecimento político, o conhecimento científico e o conhecimento filosófico.

O conhecimento perceptivo do mundo exterior é privilegiado e dá conta das perspectivas recíprocas sem as quais não há funções estritamente sociais, enquanto os demais conhecimentos já são classes de conhecimento particular, já são funções correlacionadas dos quadros sociais e pressupõem aquele conhecimento perceptivo do mundo exterior.

Onde se verifiquem as classes do conhecimento mais profundamente implicadas na realidade social – o conhecimento perceptivo do mundo exterior, o conhecimento de outro (do que não é a mesma pessoa, o diferente) e o conhecimento de senso comum – descobre-se a simples manifestação dos temas coletivos: os Nós, os grupos, as classes sociais, as sociedades.

Daí o saber como controle ou regulamentação social, ou seja: o conhecimento aparece como obstáculo ao avanço real desses temas de que tomamos consciência; é constringente como aquilo que suscita os esforços e faz participar no real, levando desse modo à configuração da funcionalidade dos quadros sociais como reciprocidade de perspectivas, aos quais são essas classes de conhecimento as mais espontaneamente ligadas.

  Assim, por exemplo, quando formulamos em palavras o conhecimento de um Nós do qual tomamos consciência como tema coletivo (que apreendemos ou vivenciamos e percebemos antes de formular o conhecimento), verificamos, neste caso, um obstáculo ao avanço real da experiência humana vivida, obstáculo surgido por força da objetivação pela linguagem conceitual.

Tal é um exemplo do saber como fato social assinalado em termos didáticos, sendo a este aspecto da condição humana que o sociólogo chama regulamentação ou controle social pelo saber, acentuando a eficácia do conhecimento na realidade social [3].

 As categorias lógicas são sociais em segundo grau.

 Em realismo sociológico não se corre o risco de cair no preconceito do culturalismo abstrato que, olvidando as censuras sociais como elemento de regulamentação presente em princípio nas obras de civilização, atribui ao conhecimento (e a todas as obras de civilização em geral) uma independência e uma ineficácia muito maior do que as mesmas têm efetivamente na engrenagem complexa e constringente da realidade social.

É improcedente a objeção de que os conhecimentos e a mentalidade coletiva que lhes serve de base só poderiam vincular-se às sociedades globais e às classes sociais.  Assenta no pressuposto dogmático de que tais quadros sociais operariam sobre o saber que corresponde às manifestações da sociabilidade, e o fariam como uma força tal que modificariam completamente as tendências cognitivas dos grupos e das manifestações da sociabilidade como quadros sociais.

Sem dúvida, a orientação do realismo sociológico contrário ao culturalismo abstrato com ascendência em Max Weber, não exclui o cotejo dos sistemas de conhecimento com as sociedades globais. Pelo contrário, como vimos, trata-se de um cotejo imprescindível para que tenha relevo o estudo das relações entre os grupos particulares e o saber, embora seja admitido, junto desse estudo, como igualmente indispensável, o estudo das manifestações da sociabilidade como quadros sociais do conhecimento – a microssociologia do conhecimento, segundo a classificação de Gurvitch.

Enfim, para o sociólogo importa que ideias tão abstratas como as de tempo e de espaço estão a cada momento da sua história em relação íntima com a estrutura social correspondente. Da mesma maneira, se aprende com Durkheim que as categorias lógicas são sociais em segundo grau… não só a sociedade as institui, mas constituem aspectos diferentes do ser social que lhes servem de conteúdo… O ritmo da vida social é que se encontra na base da categoria do tempo; é o espaço ocupado pela sociedade, que forneceu a matéria da categoria do espaço; a força coletiva criou o protótipo do conceito de força eficaz, o elemento essencial da categoria de causalidade… O conceito de totalidade é, afinal, a forma abstrata do conceito de sociedade

 O caráter estrutural específico dos conhecimentos se manifesta em dois níveis das variações do saber.

 ►Do ponto de vista dos sistemas cognitivos em sociologia, merece destaque o estudo das quatro classes de conhecimento menos espontaneamente ligadas aos quadros sociais ou cuja ligação passa pela reflexão coletiva – isto é, cuja ligação funcional requer o diálogo e o debate: como é o caso para o conhecimento técnico, o conhecimento político, o conhecimento científico e o conhecimento filosófico.

Podemos notar, juntamente com G. Gurvitch, que o caráter estrutural específico dos conhecimentos se manifesta em dois níveis das variações do saber, seguintes: (a) – tanto pela efetuação de múltiplos coeficientes sociais variados (caso do conhecimento científico que, embora seja aberto ao público e desinteressado, não é conhecimento direto, mas derivado, e tem como pressuposição a acumulação, a organização e o planejamento da pesquisa); (b) – quanto pela participação direta dos interessados em preservar ou em partilhar os segredos do conhecimento (caso do conhecimento técnico e do conhecimento político).

A exceção vai para o conhecimento filosófico, que é reflexivo em segundo grau, deixando ver que o componente individual predomina sobre o coletivo. É um conhecimento que se produz quase sempre com atraso, inserindo-se com retardo nos atos mentais, cognitivos ou não.

Quer dizer, o conhecimento filosófico se insere muito tarde nos outros conhecimentos já obtidos e é caracterizado pelo esforço voltado para integrar as manifestações parciais de fatos, não em simples planos de conjunto, mas nas totalidades infinitas, que superam o humano, para justificá-las (exemplo: o mundo dos valores na filosofia fenomenológica).

Portanto, essa classe de conhecimento afirma um caráter altivo, distante, esotérico, aristocrático. Todavia, o predomínio do individual não é isento de paradoxo, e o conhecimento filosófico surge de uma dialética do conhecimento sem compromisso e do conhecimento comprometido ou engajado, de sorte que a filosofia se cristaliza em doutrinas cortantes.

O conhecimento técnico é uma parte constitutiva da práxis e se integra diretamente nas forças produtivas. Mas não se limita só ao conhecimento da manipulação da matéria nem se identifica à tecnologia.

Em relação ao conhecimento técnico, a análise sociológica volta-se para evitar os mal-entendidos que estimulam a identificação com a tecnologia e para dimensionar a especificidade do conhecimento técnico, notadamente em nossa época, tendo em conta o histórico das técnicas em suas correlações com os quadros sociais.

Procura-se evitar a representação de certas filosofias espiritualistas e sua idéia de racionalidade abstrata, assinalando, contra essas tendências, que o conhecimento técnico não é simplesmente o conhecimento dos métodos empregados para alcançar os fins ideais. Além disso, evita-se também a afirmação do positivismo vulgar, que equipara o conhecimento técnico a um conhecimento científico aplicado, que seria caracterizado por sua elaboração e por sua transmissibilidade.

Em contrapartida, há que sublinhar o caráter irredutível do conhecimento técnico, que é um conhecimento sui generis, inspirado e penetrado pelo desejo de dominar os mundos da natureza, do humano e da sociedade; desejo de manejá-los, de manipulá-los, de comandá-los, a fim de produzir, de destruir, de salvaguardar, de organizar, de planificar, de comunicar e de difundir.

Portanto, o conhecimento técnico é como disse uma parte constitutiva da práxis e se integra diretamente nas forças produtivas. Mas não se limita só ao conhecimento da manipulação da matéria nem se identifica à tecnologia, já que é um conhecimento explícito enquanto se transmite, e implícito enquanto se exerce como habilidade e manipulação, sendo desprovido da exclusividade das competências tecnológicas, que são restritas aos seus detentores.

O domínio do conhecimento técnico é incomparavelmente mais vasto que o manejo da matéria e, como insiste Gurvitch, abarcam todas as manipulações eficazes, as quais, todavia, tendem a se independizar e a valorizar-se como manipulações precisas, transmissíveis e inovadoras.

 O conhecimento técnico não se identifica à tecnologia.

 É na observação das variações dos graus do conhecimento técnico dentro de um mesmo tipo de sociedade que a análise sociológica ressalta a importância dos segredos técnicos, como critério cognitivo da especificidade dessa classe de conhecimento. Constata-se que, na sua distribuição dentro de um mesmo tipo de sociedade, os graus mais altos ficam para os “experts”, que são os possuidores dos segredos técnicos, enquanto os graus mais baixos são atribuições dos executantes de ordens recebidas, dos grupos de ofício ou dos simples homens.

É este caráter específico do conhecimento técnico, esta sua distributividade em função dos seus próprios segredos que torna a importância do conhecimento técnico desigual e inesperada para os distintos tipos de sociedades globais.

►Em relação ao conhecimento científico, a análise sociológica enfatiza o equívoco das pretensões da ciência em ser desvinculada dos quadros sociais. O conhecimento científico parte de quadros operativos essencialmente construídos, justificados pelos resultados conseguidos, que chamam a uma verificação experimental. A ciência busca a união do conceitual e do empírico e, se cultiva a pretensão de ser desvinculada, será, talvez, porque é uma classe de conhecimento que tende ao desinteresse, ao “nem rir nem chorar” de Spinoza, tende para o aberto, à acumulação, à organização e ao equilíbrio.

Gurvitch observa que o conhecimento científico ocupou um lugar predominante no sistema do conhecimento somente nas estruturas capitalistas, particularmente as do capitalismo competitivo, e que é nas sociedades industriais que o mesmo entrou em competição com o conhecimento filosófico e o ultrapassou.

De acordo com este autor [4], em todo o conhecimento científico intervêm os coeficientes sociais do conhecimento, precipitando as variações do saber em função dos quadros sociais, variações tanto mais fortes quanto maior for o desenvolvimento do próprio conhecimento científico.

Na apreciação desta situação, se observa, inicialmente, que a intervenção dos coeficientes sociais do conhecimento nas ciências exatas e nas ciências da natureza pode ser analisada sob as quatro linhas seguintes:

Primeiro: o coeficiente social do conhecimento intervém através da experiência e da experimentação, que são sempre essencialmente humanas e não apenas lógicas, e sofrem a influência do humano;

Segundo: o coeficiente social do conhecimento intervém também através da conceituação a qual, geralmente, está avançada em face da experimentação.

Quer dizer, toda a hipótese nova traz a marca da estrutura da sociedade em que se elaborou, como, aliás, já nos esclareceu C. Wright Mills [5]. Nada obstante, Gurvitch acrescenta como exemplos significativos a respeito disto, o seguinte: (a) – a correspondência ideológica entre o darwinismo e a concorrência, tomada esta última como princípio em ação na sociedade da época; (b) – de maneira menos evidente que a anterior e em estado inconsciente, observa-se a correspondência entre as incertezas na microfísica e os limites à capacidade de controle que a mesma faz aparecer e que provêm da energia atômica, como fator de explosão das estruturas sociais globais.

 Toda a hipótese nova traz a marca da estrutura da sociedade em que se elaborou.

 Terceiro: o coeficiente social do conhecimento intervém através da importância das organizações privadas e públicas no planejamento da pesquisa científica, importância esta que é muito notada, já que, na época da energia atômica e da eletrônica, a pesquisa exige laboratórios ou organismos de investigação e experimentação de muito vasta envergadura, com extensão internacional;

Quarto: os coeficientes sociais do conhecimento intervêm através da vinculação que se estabelece entre as ciências e a realidade social. Ou seja, independentemente do fato de que a realidade social tanto pode dominar as ciências por efeito das forças de produção nas quais as ciências se integram como pode ser dominada por elas, os conhecimentos científicos exigem os meios adequados para a difusão dos seus resultados, estando entre estes meios de difusão o ensino, a vulgarização, as edições de bolso, o rádio ou a televisão.

No que concerne à história e à sociologia, menos comprometidas e menos ideológicas que as outras ciências do homem, voltadas estas últimas que são para sistematizar os conhecimentos em vista de metas práticas, Gurvitch sustenta que aquelas não podem liberar-se de certos coeficientes ideológicos.

Na história e na sociologia, os coeficientes sociais do conhecimento intervêm a duplo título: (a) em vinculação com a organização crescente da pesquisa e com a constituição cada vez mais relativista do aparato conceitual operativo; (b) em vinculação com o tema mesmo a estudar – os temas coletivos reais -, pois as sociedades, as classes, os grupos, os Nós, estão em movimento dialético e penetrados de significados humanos.

Desta forma, a sociologia do conhecimento, que é capaz de pôr em evidência os coeficientes sociais e, desse modo, diminuir a sua importância, torna-se duplamente solicitada neste campo, alcançando a sociologia da sociologia.

A colocação do conhecimento em perspectiva sociológica tornou-se desta forma um fato “transparente” cada vez mais acentuado ao longo dos séculos modernos e definitivamente assimilado na cultura do século XX.

 As proposições testáveis da ciência não são afirmações morais.

 Assim, por exemplo, tornou-se extremamente difícil esperar que o público não profissional acolha a distinção metodológica entre as proposições testáveis ou “formulações irrealistas” dos sociólogos científicos, feitas “no interesse da boa teoria científica” – como o postulado do comportamento que se conforma aos papéis sociais – por um lado e, por outro, as afirmações de valor sobre a natureza do homem, que sejam atribuídas como decorrentes ou implícitas naquelas proposições teoréticas.

Ralf Dahrendorf reconhece [6] que, por trás desta atribuição indevida de valor, tida por uma “espécie de reificação dos postulados”, observa-se que “o público geral não compreende a distinção sutil entre as afirmações entendidas realisticamente e os postulados deliberadamente irrealísticos”.

As proposições teoréticas “implicam uma divergência fundamental do mundo do senso comum” que está no cerne da “contradição” entre este e a ciência.

Ao mesmo tempo em que acolhe “a inadequabilidade de um argumento puramente lógico”, como ressalta aquele autor, e não obstante o fato de que a lógica da pesquisa científica é especificamente baseada na incerteza fundamental do conhecimento humano, a ciência não é possível sem a publicidade.

Desta forma, é inegável que esta situação de aparente contradição em face da incompreensão pelo público geral da “distinção sutil” de Dahrendorf revela-se dialética e nos coloca diante de duas orientações complementares, atinentes ao público da ciência como quadro social e configurando um caso de variação do saber em função dos quadros sociais, seguinte: (a) se é o caráter profissional que se impõe ao público da ciência, há compreensão da distinção sutil entre as afirmações entendidas realisticamente e os postulados deliberadamente irrealísticos, e prevalece então a classe do conhecimento científico; (b)- se, pelo contrário, é o caráter não-profissional que se impõe, há “não-compreensão”, e prevalece a classe do conhecimento de senso comum, com a atribuição de uma imagem sobre a “natureza do homem” sendo afirmada em um “falso saber”.

Desta forma, vem a ser suscitada a sociologia do conhecimento, da qual a perspectivação sociológica do conhecimento é o procedimento e o fato a que corresponde, (como dialética sociológica, no sentido examinado por Gurvitch [7]) e, exatamente por tratar-se de um procedimento que é também uma situação de fatos, exige a análise diferencial das classes de conhecimento. Quer dizer, exige a análise das mencionadas sete classes do conhecimento, umas mais espontânea e profundamente implicadas na realidade social, e as outras que passam pela reflexão e os debates, implicadas na engrenagem das estruturas.

 O conhecimento político dispensa a pressuposição da existência de um Estado e sua ação política.

 ►A análise do conhecimento político é sem dúvida mais complexa. Tendo pela frente um conhecimento completamente particular que ao mesmo tempo é uma combinação de muitas classes de conhecimento, tornando-o sui generis.

A análise sociológica diferencial apresenta uma definição do conhecimento político que concilia partidarismo e realismo, e aprecia sua eficácia como o conhecimento mais ideológico que há. Todavia, há que caracterizar seus diferentes aspectos a fim de delimitá-lo em sua relação com as demais classes do saber.

O conhecimento político deve ser entendido em maneira muito próxima do conceito anglo-saxão de “policy”, por oposição a “politcs” que designa aquele que faz política. Todavia, a análise sociológica diferencial amplia sua observação para além do âmbito da ciência e do Estado, para dar conta das seguintes características do conhecimento político:

(1) – é um conhecimento tanto espontâneo quanto reflexivo: “engrenagem particular de afirmações espontâneas e reflexivas sobre a situação presente, futura e, às vezes, passada de uma estrutura ou de uma conjuntura social” — é, pois, conhecimento teórico;

(2) – é um conhecimento exterior a toda a ciência, que se elabora diretamente em uma luta social com apostas ou alternativas variadas;

(3) – é um conhecimento partidário por excelência ou diretamente comprometido do qual os militantes e os dirigentes ou “homens políticos” são os autênticos conhecedores: “têm aptidão para descobrir os obstáculos mais escondidos e conseguir juízos exatos sobre as condições reais e sobre as conjunturas propícias para a realização parcial ou total dos fins previstos”;

(4) – é um conhecimento que dispensa a pressuposição da existência de um Estado e sua ação política, já que, sob o aspecto da luta social com alternativas variadas e da aptidão para descobrir os obstáculos, o conhecimento político se manifesta nos diferentes tipos de sociedades arcaicas bem como nas sociedades patriarcais.

Portanto, se trata de um conhecimento específico cujo segredo liga-se à combinação da fé em um ideal com o conhecimento ou “estratégia de ação social” indispensável para contornar os obstáculos e aproveitar as oportunidades quando aparecem.

Quer dizer, o conhecimento político opera uma combinação de juízos de valor e juízos de realidade sendo observável notadamente nos atos, nas intrigas e nas lutas em que os grupos, classes e partidos se confundem diretamente. Em nossa época, o conhecimento político é mais facilmente estudado nas resoluções dos congressos sindicais e dos diversos partidos políticos, mais do que em seus programas e suas doutrinas.

Mas a compreensão ampliada desenvolvida pela análise sociológica diferencial do conhecimento político acrescenta mais algumas características igualmente centrais.

Dado que o conhecimento técnico, aplicado como manipulação das fileiras de partidários e das grandes massas, tem aqui um papel não desprezível, Gurvitch observa que a combinação das muitas classes do conhecimento que compõem o conhecimento político deve ser vista não como simples soma das classes de saber ali compostas, mas como sua fusão indecomponível. Fusão de conhecimentos esta demonstrável pela capacidade do conhecimento político em dominar a todas as demais classes do saber e penetrá-las, como aconteceu nos sistemas cognitivos correspondentes ao capitalismo dirigista levando aos fascismos, por um lado, e nos sistemas cognitivos correspondentes ao comunismo centralizador, por outro lado.

No conhecimento político, estão fusionados o conhecimento de outro e dos Nós, o conhecimento de sentido comum, o conhecimento técnico e por fim “o conhecimento direto, sem pressuposições, dos aspectos econômico e psicológicos da realidade social, através de suas manifestações nas conjunturas globais” [8].

Então, podemos ver que, no foco da análise sociológica diferencial está afirmado o caráter de saber político virtual ou real dos sistemas cognitivos [9] e, por esta via, está igualmente reconhecido o papel preponderante dos grupos, classes e partidos em luta social como expressão da eficácia sociológica da combinação específica entre “fé em um ideal” e “estratégia de ação social”.

Por meio desta compreensão ampliada do caráter de conhecimento político, a análise diferencial encontra o fundamento da afirmação de que não há irreconciliação entre o aspecto ideológico do conhecimento político – o qual tende para a consciência mistificada, e se mostra habitualmente impermeável à argumentação dos adversários ou até de simples contrincantes —, por um lado, e por outro lado, sua aptidão para descobrir os obstáculos, seu realismo.

 O “falso saber” é um elemento dos sistemas cognitivos.

 Daí a relevância atribuída à “influência da ideologia”, da qual nem o conhecimento político e nenhuma classe de conhecimento escapam completamente, sendo, então, permitido dizer que o “falso saber” é um elemento dos sistemas cognitivos.

Aliás, esta abordagem que observa a influência da ideologia como falso saber está igualmente contemplada no caso da “distinção sutil” de Dahrendorf a que já nos referimos, pois este autor assinala que “a má interpretação” liga-se a uma experiência notada em todas as formas de vida moral e que é uma experiência não-cognitiva, isto é, a má interpretação liga-se a uma imagem antropológica do homem como sujeito capaz de “um protesto permanente contra as exigências da sociedade”; e, ademais, a má interpretação é inerente à publicidade geral do conhecimento e serve de ideologia [10].

Por implicar, no âmbito do realismo que o caracteriza, a consciência clara dos obstáculos a vencer, e um sentido agudo da conduta a adotar em tal ou qual conjuntura social, o conhecimento político conforme o caso inspirará uma conduta revolucionária, extremista ou reivindicativa.

Em outras circunstâncias inspirará o compromisso, a contemporização ou até o retroceder, podendo ser ao mesmo tempo revolucionário e reformista. Gurvitch acrescenta ainda que o conhecimento político está penetrado não só de ideologia, mas também de utopias e de mitos, no sentido soreliano de imagens-sinais que chamam para a ação.

***

Ícone+legenda SSF_RIO

Sociólogos sem Fronteiras Rio de Janeiro – SSF/RIO

Autor JLumier2012

O autor Jacob (J.) Lumier


[1] Veja adiante o capítulo “Notas Críticas Sobre as Teorias de Interação”.

[2] Veja Gurvitch, Georges (1894-1965): “A Vocação Actual da Sociologia –vol.II: antecedentes e perspectivas”, tradução da 3ª edição francesa de 1968 por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1986, 567 págs. (1ª edição em francês: Paris, PUF, 1957).

[3] Veja Gurvitch, Georges (1894-1965): “Los Marcos Sociales Del Conocimiento”, Trad. Mário Giacchino, Monte Avila, Caracas, 1969, 289 págs. – 1ª edição em Francês: Paris, Puf, 1966.

[4] Gurvitch, G (1894-1965): “Los Marcos Sociales del Conocimiento”, op.cit.

[5] Wright Mills, C.: ‘Consecuencias Metodológicas de la Sociología del Conocimiento’, in Horowitz, I.L. (organizador): ‘Historia y Elementos de la Sociología del Conocimiento – tomo I’, artigo extraído de Wright Mills, C.: ‘Power, Politcs and People’, New York, Oxford University Press, 1963; tradução Noemi Rosenblat, Buenos Aires, EUDEBA, 3ªedição, 1974, pp.143 a 156.

[6]            Dahrendorf, Ralf: “Ensaios de Teoria da Sociedade”, trad. Regina Morel, revisão e notas Evaristo de Moraes Filho, Rio de Janeiro, Zahar-Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 1974, 335págs. (1ª edição em Inglês, Stanford, EUA, 1968). Cf. págs. 114 a 117.

[7] Cf. Gurvitch, Georges: “Dialectique et Sociologie”, Paris, Flammarion, 1962, 312 págs., col. Science.

[8] Gurvitch, G: “Los Marcos Sociales Del Conocimiento”, op.cit. pág. 42.

[9] Lembrando que o conhecimento não é separado da mitologia.

[10] Dahrendorf, R: “Ensaios de Teoria da Sociedade”, op.cit. pp.114 a 121.