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A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica

In análise, conhecimentos universitários, crítica da cultura, dialectics, ensino superior, epistemologia, história, leitura, metodologia científica, pesquisa, século vinte, sociologia, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on March 3, 2016 at 5:01 pm

A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica, por Jacob (J.) Lumier

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A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica by Jacob (J.) Lumier is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
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O presente artigo deveria fazer parte do e-book “Cultura e Consciência Coletiva-2” http://www.oei.es/salactsi/CulturaConsci_06_09.pdf . Deve ser lido como parte integrante de uma série de escritos de teoria sociológica cujos links seguem no fim desta postagem.

Trata-se de situar algumas linhas básicas de pesquisa sobre os obstáculos da explicação em sociologia e, por essa via, descrever o debate suscitado em torno ao problema do círculo hermenêutico, como matéria de interesse para o estudo da sociologia do conhecimento e da metodologia científica.

Esse problema do Círculo Hermenêutico foi situado e comentado pelo autor do presente artigo em E-book publicado na OEI em 2007, antes que o referido problema tivesse ampla divulgação na Internet por outros autores de língua portuguesa. Cf Lumier, Jacob (J.):”Leitura da Teoria de Comunicação Social Desde O Ponto de Vista da Sociologia do Conhecimento”- as tecnologias da informação, as sociedades e a perspectivação sociológica do conhecimento, E-book Monográfico, 338 págs. Julho, 2007, bibliografia e índices remissivo e analítico eletrônico. (com Anexos). Link: http://www.oei.es/salactsi/lumniertexto.pdf , cf. págs. 82 sq.

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Sumário

A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica.. 1

Parte 01.. 1

Karl Popper e o Problema do Círculo Hermenêutico. 1

As teorias historiográficas e as tendências subjetivistas e céticas. 3

A Crítica desenvolvida por Dilthey. 4

Escritos conexos. 5

Notas. 6

 

 

 

Parte 01

 

         Que a sociologia é contra os preconceitos filosóficos inconscientes não há muita novidade nisso. Sabe-se que, apesar de seu culturalismo abstrato, Max Weber insistiu que o cientista social se esforçasse por distinguir os juízos de valor dos juízos científicos. Exigência de objetividade que fora explicada bastante claramente no que Max Scheler e Karl Mannheim chamaram sociologia do conhecimento, a qual, em seus respectivos comentários, Daharendorf qualifica, por sua vez, como “método para a autopurificação dos cientistas sociais[i].

 

Karl Popper e o Problema do Círculo Hermenêutico

 

É claro que essa exigência de objetividade como autopurificação marca a condição mesma de um conhecimento científico, e assimila a ideia de Bacon da pureza do intelecto, isto é, a ideia de purificar o intelecto, purgá-lo de preconceito, conforme a versão de Karl Popper[ii].

Em defesa de sua teoria dinâmica do mundo dos produtos, na referência do qual situa o estudo das teorias e argumentos científicos, esse último autor faz a crítica da influência do psicologismo e, nesse marco, nota que deveria ser lembrado que Husserl e muitos pensadores ainda mais recentes consideravam uma teoria científica como uma hipótese científica que foi demonstrada verdadeira, e que a tese do caráter conjectural das teorias científicas era ainda vastamente execrada como absurda, quando o próprio Karl Popper tentara propagá-la a partir de 1930 (cf. ib. p.348 sq).

Em prosseguimento, Popper expõe uma tentativa de ilustrar, em conexão com o problema da compreensão histórica, a suposta superioridade de seu método, centrado no esforço de reconstruir criticamente as situações de problema, em detrimento do que chamou método psicológico, tido como voltado para reviver intuitivamente alguma experiência pessoal, o qual discutirá em cotejo com R.G. Collingwood[iii], mas em crítica contra Dilthey.

Desta forma, podem observar os dois conjuntos de argumentos que Popper aventa para esclarecer sobre o problema do círculo hermenêutico.

Inicialmente, considera tratar-se de um debate que foi encaminhado por Dilthey, mas supostamente de forma inadequada, já que, segundo Popper, fora desenvolvido em vista de “livrar-se da subjetividade por temer a arbitrariedade[iv].

Quer dizer, o problema do círculo hermenêutico teria surgido para Dilthey no marco da “necessidade de transcender as tendências subjetivistas e céticas em historiografia” (ib.p.352). É o problema de que o todo, seja de um texto, de um livro, da obra de um filósofo, de um período, só pode ser compreendido se compreendermos as partes constituintes, enquanto estas partes, por sua vez, só podem ser compreendidas se compreendermos o todo (ib.ibidem).

Popper não só sugere haver em Dilthey um desconhecimento da formulação anterior desse problema por Bacon, mas destaca ser essa formulação anterior que deve ser levada em conta, seguinte: “de todas as palavras temos de extrair o sentido de cuja luz cada palavra isolada deve ser interpretada”; e frisa que (1)- a palavra ‘interpretada’, nessa proposição de Bacon, significa ‘lida simplesmente’; e (2)- que a mesma ideia de transcender as tendências subjetivistas e céticas mediante o preceito de confrontar o sentido de “todas as palavras” a “cada palavra isolada” está encontrável em Galileu, lá onde, “a fim de compreender Aristóteles”, deve-se ter “todos os ditos dele sempre diante da mente”.

 

As teorias historiográficas e as tendências subjetivistas e céticas

 

Mas não é tudo. Para melhor ilustrar seu método, Popper retorna a Bacon em vista de avaliar a distinção entre “interpretatio naturae” e “anticipationis mentis”, confrontando-a ao uso que supõe ter sido aquele feito por Dilthey.

Com efeito, Popper valoriza a ideia de Bacon da pureza e de purificar o intelecto, e considera que se trata de purgar o intelecto de preconceitos. Sugere que, adequadamente entendida, essa significação equivaleria a purgar o intelecto de teorias historiográficas ou representações de experiências passadas, livrá-lo de “anticipationis mentis”.

Popper inclui, desta forma, as teorias historiográficas ou representações de experiências passadas no âmbito das tendências subjetivistas e céticas, e as situa como características do sentido moderno de “interpretação”, que, segundo ele, é o sentido que Dilthey houvera usado equivocadamente, ao ter traduzido o sentido do “simplesmente lido” por esse sentido moderno, metafórico.

Aparentemente Popper quer estabelecer que a crítica por Dilthey à historiografia e a filosofia da história se volta contra o próprio. Quer dizer, a crítica elaborada por Dilthey não se colocaria acima das tendências subjetivistas e céticas.

 

A Crítica desenvolvida por Dilthey

 

Há, porém, aspectos mais sutis e nuances significativas a respeito da orientação crítica de Dilthey que Popper não levou em conta, e que valem como refutação a essa tentativa de identifica-lo ao ceticismo.

Com efeito, na “ Introducción a las Ciencias del Espíritu”, sua mais importante obra, Dilthey nos diz que “todas as fórmulas de Hegel, Schleiermacher ou Comte, com que pretendem expressar a lei dos povos, pertencem ao pensar natural que precede a análise, e que é precisamente metafísico”. Esses pretensiosos conceitos gerais da filosofia da história não são outra coisa que as notiones universales, cuja origem natural fora descrita magistralmente por Spinoza, quem assinalou também seus fatais efeitos sobre o pensamento científico [v].

Todavia, é certo que o posicionamento intuicionista de Dilthey é abstrato, posto que não adota a explicação. No seu dizer: “o conhecimento do todo da realidade histórico-social (…) se verifica sucessivamente em um nexo de verdades que descansa em uma autognosis epistemológica (…)” (ib. p.112).

Nada obstante, embora adote desta forma a compreensão, Dilthey deixa claro sua consciência das limitações dessa autognosis epistemológica, e assim se afasta decididamente da pretensão subjetivista de chegar a um conhecimento conclusivo por esta via, ou seja, rejeita a pretensão de que a compreensão substitua a explicação.

Isto não quer dizer que a possibilidade da explicação esteja excluída na orientação de Dilthey. Pelo contrário. Comprometido com a busca de uma metodologia científica, esse pensador rejeita igualmente excluir a possibilidade da explicação e, por essa postura crítica, consegue limitar o aspecto cético de sua orientação, isto é, a atribuição de valor positivo exclusivamente à compreensão, restringindo seu alcance ao que há de previsível em relação à possibilidade da explicação. Posicionamento esse facilmente perceptível no desdobramento de sua análise sobre o conhecimento do todo da realidade histórico-social, a saber que “(…) nessa conexão de verdades se chega a conhecer a relação entre fatos, lei e regra por meio da autognosis”. Quer dizer, a compreensão encontra uma abertura para seu caminhar até a explicação.

A análise de Dilthey também nos mostra quanto distante estamos de toda a possibilidade previsível de uma teoria geral do curso histórico, por mais modestos que sejam os termos em que se fala dela. A história universal, na medida em que não é algo sobre-humano, formaria a conclusão desse todo das ciências do espírito. (ib. p.112) E ainda lemos: “a ciência unicamente se pode aproximar a encontrar princípios claros de explicação por meio da análise e valendo-se de uma pluralidade de razões explicativas” (ib.ibidem).

Em suma, o fato de Dilthey não adotar fundamentalmente a explicação não faz dele obrigatoriamente um subjetivista cético, tanto mais que ele repele inequivocamente e se afirma crítico dos preconceitos filosóficos, como conceitos gerais cultivados na filosofia da história, e não somente reconhece o valor epistemológico das razões explicativas, mas sustenta que a análise fundada na autognosis epistemológica ou, simplesmente, fundada na compreensão, se revela o único meio capaz de encontrar os princípios de explicação – embora fundada na intuição, o campo da análise compreensiva não é completamente estranho à objetividade da possível explicação determinística.

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Continua na Parte 02

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Escritos conexos

http://www.oei.es/salactsi/CulturaConsci_06_09.pdf

 

O presente artigo é parte integrante da série de escritos cujos links seguem abaixo.

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/11/03/culturalismo-e-sociologia/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/11/10/cultura-e-objetividade-segunda-parte-wilhelm-dilthey/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/10/29/cultura-e-objetividade-_-primeira-parte-max-weber/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/10/23/cultura-e-objetividade/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2013/04/30/vontade-de-valor-vontade-de-verdade-ideias-de-valor-em-sociologia/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/a-utopia-do-saber-desencarnado-a-critica-da-ideologia-e-a-sociologia-do-conhecimento/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/a-dialetica-sociologica-o-relativismo-cientifico-e-o-ceticismo-de-sartre-aspectos-criticos-de-um-debate-atual-do-seculo-xx/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/sartre-e-a-sociologia-diferencial/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2008/09/15/resumo-para-a-dialetica-sociologica-o-relativismo-cientifico-e-o-ceticismo-de-sartre-aspectos-de-um-debate-atual-do-seculo-vinte/

 

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Notas

[i] DAHARENDORF, Ralf: “Ensaios de Teoria da Sociedade”, trad. Regina Morel, revisão e notas Evaristo de MORAES FILHO, Rio de Janeiro, Zahar-Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 1974, 335pp. (1ªedição em Inglês, Stanford, EUA, 1968), p.273].

[ii] POPPER, Karl: ‘Conhecimento Objetivo: Uma abordagem evolucionária’, tradução Milton Amado, São Paulo/Belo Horizonte, EDUSP/editora Itatiaia, 1975, 394pp, traduzido da edição inglesa corrigida de 1973 (1ªedição em Inglês : Londres, Oxford University Press, 1972), pág. 353.

[iii] COLLINGWOOD, R.G.: “A Ideia de História”, trad. Alberto Freire, Lisboa, Ed. Presença, 1972, 401pp. (1ªedição em Inglês, 1946), pp.343 a 401.

[iv] POPPER, Karl : ‘Conhecimento Objetivo : uma abordagem evolucionária, op. cit. Pág. 171.

[v] DILTHEY, Wilhelm: “Introducción a las Ciencias del Espíritu: em la que se trata de fundamentar el estudio de la sociedad y de la historia”, tradução e prólogo por Eugenio ÍMAZ , México, Fondo de Cultura Económica, 1944, 485pp. (1ªedição em Alemão, 1883), pág.113.

Los Derechos Humanos del punto de vista del elemento de la solidaridad internacional

In altermundialismo, Bem-estar, cidadania, Democracia, dialectics, direitos humanos, sociologia on July 13, 2015 at 11:49 am

Los Derechos Humanos del punto de vista del elemento de la solidaridad internacional.

Cultura e Função Simbólica: Observações sobre as análises filosófica e sociológica

In dialectics, history, laicidad, portuguese blogs, sociologia, twentieth century on November 17, 2014 at 10:27 am

 

Web sitio Leituras do século vinte

Cultura e Função Simbólica

Observações sobre as análises filosófica e sociológica

Artigo de sociologia

Por

Jacob (J.) Lumier

 

Websitio Leituras do Século XX

http://www.leiturasjlumierautor.pro.br

 

Rio de Janeiro, Novembro 2014

 

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Cultura e Função Simbólica: Observações sobre as análises filosófica e sociológica de Jacob (J.) Lumier está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://www.oei.es/cienciayuniversidad/spip.php?article388.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais às concedidas no âmbito desta licença em http://www.leiturasjlumierautor.pro.br.

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 Resumo:

A compreensão da variabilidade suscita as análises filosófica e sociológica. Um símbolo humano genuíno se caracteriza não por sua uniformidade, mas por sua variabilidade: não é rígido ou inflexível, mas móvel. A função simbólica é inseparável do homem tomado coletiva ou individualmente, de tal sorte que os Eu, Nós-outros, grupos, classes sociais, sociedades globais são construtores inconscientes ou conscientes dos símbolos variados.

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  Apresentação

 Originariamente a esfera simbólica surge ligada às crenças no sobrenatural, religioso ou não. O conhecimento de que a maior parte dos símbolos adquiriu um caráter completamente racional, não tendo mais o aspecto místico original da esfera simbólica, foi conquistado por etapas nos tipos mais recentes de sociedade.

  • Sem embargo, é exagero sustentar que, do fato desse caráter racional adquirido através dos tipos de sociedade, torna-se válida a conclusão de que os símbolos se tornaram simples signos, simples indicativos da ação ou do comportamento: é exagerada a hipótese da “preponderância total dos signos”, com a consequente redução na intensidade do caráter que tem o símbolo de instrumento impulsionando para a participação direta no significado.
  • Nessa hipótese exagerada, acredita-se que os sistemas simbólicos engendram o sentido e o consenso em torno do sentido por meio de alguma lógica e se deixa de lado a pesquisa sociológica fundamental do sentido da esfera simbólica ela própria, como setor da realidade social, pesquisa indispensável para pôr em perspectiva o coeficiente humano e existencial do conhecimento, sem o que o problema da função simbólica resta superficial.
  • Para uma sociologia diferencial, é insuficiente concluir a análise na afirmação de que os sistemas simbólicos estão propensos por sua própria estrutura a servirem simultaneamente a funções de inclusão e exclusão, de associação e dissociação, de integração e distinção – às quais são atribuídas um alcance político. Isso não basta.
  • Certamente, o critério da linguagem como fato é reconhecido, mas, ao invés de acentuar como imprescindível e indispensável para a comunicação o fato sociológico da união prévia, o todo existente que torna possível a apreensão dos significados, tomam a linguagem como fato em si, por ela própria, sem condição prévia, em uma abordagem fora de lugar.
  • Nenhuma comunicação pode ter lugar fora do psiquismo coletivo, isso é básico, muito menos com criaturas lógicas, seres imaginados não-humanos. Toda a língua pressupõe um todo, uma união prévia viabilizando as significações.
  • Aliás, a apreensão da união prévia é reconhecida por sociólogos notáveis. Admitem que a sociedade tem necessidade não apenas de um “conformismo moral”, mas também de um mínimo de “conformismo lógico”, sem o qual não poderia subsistir. O primado é para a produção do sentido, que Durkheim vincularia a um entendimento entre os homens, a uma concepção homogênea do tempo, do espaço, da causa, do número, etc., como base prévia de todo o acordo viabilizando a vida em comum.

 

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Sumário

Resumo. 4

Apresentação. 5

PRIMEIRA PARTE.. 8

A análise filosófica da função simbólica.. 8

Uma função de síntesis filosófica. 9

A rede simbólica. 11

Inteligência e imaginação simbólicas. 12

Função simbólica da linguagem.. 13

A função do pensamento simbólico. 14

Distinção entre realidade e possibilidade. 15

A arte e o descobrimento da realidade. 16

Universo de discurso independente. 18

SEGUNDA PARTE.. 21

A análise sociológica da esfera simbólica do mundo humano.. 21

A afinidade de realidade social e esfera simbólica. 21

A Classificação dos símbolos sociais. 23

Pluralismo da função simbólica. 24

O signo no símbolo. 25

Instrumento de participação. 27

Uma compreensão ampliada da função simbólica. 28

Notas de Fim.. 29o


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PRIMEIRA PARTE

A análise filosófica da função simbólica

A Função simbólica examinada como um vínculo geral do mundo da cultura.

 

A análise filosófica vem a ser orientada por um processus de simplificação da interpretação alegórica, em vista de descobrir um só objeto ou um só motivo simples que contenha e compreenda todos os demais.

 

Como se sabe, sendo um nível da realidade social, o mundo da cultura pode ser estudado sob seu aspecto simbólico, não só em sociologia, mas em filosofia.

Já vimos que a noção de cultura se refere ao mundo dos valores e ideais e que em sua autonomia relativa é estudado na sociologia das obras de civilização.

Já vimos igualmente que podemos utilizar a expressão sociologia da cultura para designar o ramo mais geral de estudo sociológico dos sinais, símbolos, ideias, valores e ideais, incluindo o estudo das suas diferenciações, combinações, hierarquias variáveis em função dos tipos sociais diversificados.

Entretanto, na análise filosófica a função que se toma em consideração se afirma em referência outra que não primordialmente os tipos construídos em sociologia.

Não predomina a missão voltada para pôr em relevo as correlações específicas entre as obras de civilização e os quadros sociais, visando explicar a eficácia do direito, do conhecimento, da moral, da arte, da religião, da educação como setores diferenciados na colagem da estruturação da realidade social.

Uma função de síntesis filosófica

Antes disso, o que se busca na análise filosófica será no dizer de Ernst Cassirer não uma unidade de efeitos, mas uma unidade do processus criador.

Todavia, o ponto de partida especulativo não aparece orientado como em sociologia, por uma conjectura apenas descritiva e não significante.

A busca do processus criador em análise filosófica compreende uma intenção afirmativa ou até confirmativa, admitindo-se que, se o termo humanidade tem alguma significação apesar das diferenças e oposições entre as formas simbólicas, estas são chamadas a atender um fim comum, de tal sorte que será possível fazê-las convergir em um foco comum de pensamento.

  • Desta maneira, embora sob o aspecto interpretativo individual e conceitualista não seja exagerado comparar a análise filosófica ao culturalismo, devemos comentá-la sob outro aspecto, pelo enfoque do realismo, que põe em perspectiva a união prévia que a linguagem humana pressupõe, fazendo notar a vertente fenomenológica da análise filosófica.

Com efeito, em relação à realidade social, a análise filosófica acentua a autonomia da esfera da cultura referindo-a antes ao pensamento sob as seguintes orientações: (a) – em sentido especulativo, como intenção para algo não inteiramente idêntico, e (b) – notadamente como atividade penetrada e envolvida na subjetividade individual (aspiração aos valores).

Daí que a função tomada em consideração seja uma função de síntesis filosófica, chamada a incluir a função simbólica e tomada como constitutiva da função geral do mundo da cultura, de tal sorte que permita tratar o mito, a religião, a arte, a linguagem e até a ciência como variações de um mesmo tema [i].

Deste ponto de vista, a análise filosófica vem a ser orientada por um processus de simplificação da interpretação alegórica [ii], em vista de descobrir um só objeto ou um só motivo simples que contenha e compreenda todos os demais.

 

O homem não pode mais enfrentar-se com a realidade em modo imediato, mas, por efeito desse elemento intermédio que é sua descoberta, a realidade física lhe aparece envolta em formas lingüísticas, em imagens artísticas, em símbolos míticos ou religiosos, de tal sorte que não pode ver nem conhecer coisa alguma senão através da interposição desse meio artificial.

 

No dizer de Cassirer o sistema das atividades humanas se resolve na obra do homem, cujo círculo de humanidade encontra na linguagem, no mito, religião, arte, ciência e na história os elementos constitutivos: tal é a concepção de filosofia do homem que orienta previamente a análise filosófica da função simbólica, tomada como um vínculo geral do mundo da cultura.

O sistema simbólico se define na referência do mundo humano e na análise das respostas humanas, tomadas em relação a certos motores representados como estímulos externos.

O esquema da análise filosófica é feito em comparação ao processus de adaptação dos organismos biológicos ao seu ambiente.

Se cada organismo se acha coordenado ao seu ambiente é porque há cooperação e equilíbrio dos sistemas de recebimento dos estímulos externos e de reação ante os mesmos.

Sem embargo, no tocante ao mundo humano há uma diferença específica posta na descoberta de um novo método para adaptar-se ao seu ambiente, método diferencial este que aparece como intermediário entre a recepção dos estímulos externos e a reação ante os mesmos e que, todavia, transforma a totalidade da vida humana, constituindo desse modo uma nova dimensão da realidade.

Quer dizer, na realidade do mundo humano a resposta é demorada, é interrompida e retardada por um processus lento e complexo de pensamento intermediado.

Cassirer entende essa diferença específica das respostas humanas como reversão da ordem natural: o homem já não pode escapar desse universo simbólico, desse processo lento e complicado de pensamento a transformar a totalidade da vida humana.

Dito com outras palavras, o homem não pode mais enfrentar-se com a realidade em modo imediato, mas, por efeito desse elemento intermédio que é sua descoberta, a realidade física lhe aparece envolta em formas linguísticas, em imagens artísticas, em símbolos míticos ou religiosos, de tal sorte que não pode ver nem conhecer coisa alguma senão através da interposição desse meio artificial.

 

A rede simbólica

O critério do progresso no pensamento e na experiência se descobre na configuração de uma rede simbólica, que se reforça e se torna mais refinada em função do próprio progresso no pensamento e na experiência.

  • Todavia, além da descoberta, Cassirer não se formula a questão de saber como esse meio artificial vem a ser um meio interposto entre a recepção dos estímulos externos e a reação ante os mesmos, mas aprecia tão somente o efeito dessa interposição descoberta, que é afirmação do universo simbólico: a configuração de uma rede simbólica, que se reforça e se torna mais refinada em função do progresso no pensamento e na experiência, aliás, é o critério mesmo desse progresso. Daí sua diferença especifica.

Onde há progresso no pensamento, há reforço dessa rede simbólica tecendo a linguagem, a arte, o mito e a religião sem se confundir a esses, em conjunto ou separadamente.

A rede simbólica é, pois, a trama complexa da experiência humana, trama formada exatamente pela linguagem, a arte, o mito, a religião. Desta sorte, se afirma que a realidade física parece retroceder na mesma proporção em que avança a atividade simbólica do homem.

Todavia, em face dessa análise Cassirer sublinha que a racionalidade é um traço inerente a todas as atividades humanas, seu imperativo ético fundamental, que pode ser observado na mitologia, na linguagem, na religião pelo que estas se afirmam como formas da vida cultural humana em toda a sua riqueza e diversidade, isto é, se afirmam como formas simbólicas nas quais se compreendem os caminhos da civilização.

Inteligência e imaginação simbólicas

Deste modo, visando esclarecer a configuração do simbolismo da linguagem humana, a análise filosófica busca estabelecer o conceito de inteligência e imaginação simbólicas.

Toma como ponto de partida a distinção entre signos e símbolos. Raciocina à maneira clássica por contraste com a suposição usual de um mundo de natureza animal a partir da seguinte imagem: se, na “conduta animal” há um complexo sistema de signos e sinais, constata-se uma distância imensa destes fenômenos à inteligência da linguagem simbólica e humana.

Quer dizer, os famosos experimentos do behaviorista Pavlov e todos os fenômenos descritos comumente como reflexos condicionados não só estão muito longe como estão em oposição ao caráter essencial do pensamento simbólico humano.

Sinais e símbolos correspondem a dois universos diferentes do discurso: um sinal é uma parte do mundo físico do ser, enquanto um símbolo é uma parte do mundo humano do sentido.

Os sinais são operadores, os símbolos são designadores. Mesmo sendo entendidos e utilizados como tais, os sinais possuem uma espécie de ser físico ou substancial, os símbolos possuem unicamente um valor funcional.

Para esclarecer sobre a transição, na psyché individual, de uma imaginação e inteligência práticas para uma inteligência e imaginação simbólicas, Cassirer nota a ultrapassagem dos métodos usuais de observação psicológica, sublinhando que a visão do caráter geral e da importância extraordinária dessa transição se alcança observando a realização da própria natureza.

Quer dizer, o fato de uma criatura aprender a combinar certa coisa ou evento com certo signo do alfabeto manual, ou que se tenha estabelecido uma associação fixa entre essas coisas e certas impressões tácteis, ainda que se repitam e ampliem, não implicam a inteligência do que é e do que significa a linguagem humana.

 

 Função simbólica da linguagem

 Um símbolo humano genuíno se caracteriza não por sua uniformidade, mas por sua variabilidade: não é rígido ou inflexível, mas móvel.

 

  • Segundo Cassirer, para chegar à inteligência da linguagem humana a criatura tem que fazer um descobrimento novo muito mais importante do que a mera associação entre certas coisas e certas impressões tácteis. Tem que compreender que cada coisa tem um nome, que a função simbólica não se acha restrita a casos particulares, mas constitui um princípio de aplicabilidade universal que abrange todo o campo do pensamento humano.

Essa compreensão do simbolismo da linguagem humana pode se produzir como um choque súbito favorecido pela natureza. Quer dizer, o princípio do simbolismo constitui a chave que dá acesso ao mundo especificamente humano, o mundo da cultura, e uma vez que o homem se acha em posse dessa chave está assegurado o progresso ulterior. Por isso, o progresso no pensamento não pode ser obstruído nem impossibilitado por lacuna alguma do material sensível.

Desde o ponto de vista da análise filosófica a cultura deriva seu caráter específico e seu valor intelectual e moral não do material que a compõe, não de impressões sensíveis originais, mas de sua forma, de sua estrutura arquitetônica a qual pode ser expressa com qualquer material sensível. O livre desenvolvimento do pensamento simbólico e da expressão simbólica não se acha obstruído pelo mero emprego de signos tácteis em lugar dos signos verbais. No reino da linguagem, sua função simbólica geral é a que vivifica os signos materiais e os faz falar. Sem esse princípio vivificador o mundo humano seria surdo e mudo.

Ao lado da aplicabilidade universal devida ao fato de que cada coisa tem um nome, a outra característica da função simbólica é o caráter extremamente variável dos símbolos, que podem expressar o mesmo sentido em idiomas diferentes, assim como – nos limites de um mesmo idioma – uma mesma ideia ou pensamento pode ser expressa em termos diferentes. Um símbolo humano genuíno se caracteriza não por sua uniformidade, mas por sua variabilidade: não é rígido ou inflexível, mas móvel. O dar-se conta dessa mobilidade é uma conquista tardia no desenvolvimento intelectual e cultural do homem e será afirmado no pensamento reflexivo.

 

A função do pensamento simbólico

A moderna teoria da Gestalt já mostrou como o processo perceptivo mais simples implica elementos estruturais fundamentais que antecipam a capacidade do homem para isolar relações ou considerá-las em sentido abstrato.

  • Do ponto de vista da dependência em que se acha o pensamento relacional para com o pensamento simbólico, se chega a compreender que não seria correto dizer que o mero dar-se conta de relações já pressupõe um ato intelectual, um ato de pensamento lógico ou abstrato. Segundo Cassirer o dar-se conta de relações é uma precaução necessária até nos atos elementares da percepção: sem um sistema complexo de símbolos o pensamento relacional não se produziria e muito menos alcançaria seu desenvolvimento.

A moderna teoria da Gestalt já mostrou como o processo perceptivo mais simples implica elementos estruturais fundamentais, inclusive certos níveis ou configurações das quais as estruturas espaciais ou óticas foram demonstradas em etapas relativamente inferiores da vida animal. Daí se entende que no homem se tenha desenvolvido uma capacidade para isolar relações ou considerá-las em sentido abstrato.

Quer dizer, para captar esse sentido abstrato das relações, o homem já não depende de dados sensíveis concretos, dados visuais, auditivos, tácteis, mas considera essas relações em si mesmas: na geometria se estudam relações espaciais universais de que a linguagem humana como rede simbólica é o passo preliminar.

A natureza da linguagem liga-se, pois, à reflexão ou pensamento reflexivo, como capacidade que consiste em destacar de toda a massa indiscriminada do curso dos fenômenos sensíveis fluentes certos elementos fixos, por efeito de isolá-los e concentrar a atenção sobre eles.

Bem entendido, esse pensamento reflexivo depende do pensamento simbólico, compreende o dar-se conta da variabilidade e da mobilidade das relações, inclusive o dar-se conta da função simbólica da linguagem.

  • Cassirer visa mostrar com a distinção de três níveis em sua análise – o pensamento relacional, o pensamento simbólico, o pensamento reflexivo – que a conduta humana como um todo é interligada ao simbolismo da linguagem, de tal sorte que, no campo da psicopatologia da linguagem, os que perdem o uso da palavra – isto é, perdem a captação dos universais – tornam-se incapacitados para a solução de problemas que exigem qualquer atividade especificamente teórica ou reflexiva, se aferram aos fatos imediatos e são incapazes de executar tarefas que exigem a compreensão do abstrato.

 

Distinção entre realidade e possibilidade

O pensamento simbólico consiste na capacidade de dotar o homem com uma nova faculdade: a de reajustar constantemente seu universo humano.

Na observação do progresso ulterior da cultura, Cassirer nota a independência da função do pensamento simbólico no aprofundamento da distinção entre realidade e possibilidade.

Essa distinção não denota nenhum caráter das coisas em si mesmas e se aplica unicamente ao nosso conhecimento.

O bom exemplo é o método hipotético empregado por Galileu para o estudo dos fenômenos naturais, já que esse mesmo método por arrazoamentos hipotéticos e condicionais pode ser encontrado em Rousseau.

Quer dizer, a distinção entre realidade e possibilidade que caracteriza os grandes filósofos éticos se impõe nas ciências da natureza e define as matemáticas como uma teoria de símbolos.

Os fatos da ciência implicam sempre um elemento teórico ou simbólico, foram hipotéticos antes de chegarem a ser observáveis.

Cassirer sublinha que o caráter utópico das descrições dos filósofos éticos como Rousseau constitui uma construção simbólica que o filósofo se propõe descrever e trazer à realidade como um inesperado futuro da humanidade.

Sua conclusão assina ao pensamento simbólico a capacidade de dotar o homem com uma nova faculdade: a de reajustar constantemente seu universo humano.

As teorias éticas revelam esse caráter do pensamento simbólico na medida em que o mundo ético nunca é dado, mas sempre se acha fazendo-se.

O pensamento ético jamais pode limitar-se a aceitar o dado.

Segundo Cassirer, é esse pensamento simbólico que supera a inércia natural do homem e lhe dota com uma nova faculdade, na qual se trata de dar lugar ao possível como o oposto à aceitação passiva do estado atual dos assuntos humanos, do qual o método hipotético é devedor.

 

A arte e o descobrimento da realidade

Em sua análise da arte, Cassirer destaca a aplicação dessa compreensão do pensamento simbólico como dotando o homem da nova capacidade para reajustar constantemente seu mundo humano: a arte não é mera reprodução de uma realidade dada e acabada. É uma via para o descobrimento da realidade. Se a linguagem e a ciência determinam nossos conceitos do mundo exterior não passam de abreviaturas da realidade, enquanto a arte é intensificação da realidade, uma concreção.

Na contemplação de uma grande obra de arte não sentimos separação entre o mundo subjetivo e o objetivo; não vivemos na realidade plena e habitual das coisas físicas, nem tampouco vivemos por completo em uma esfera individual. Para além dessas duas esferas, detectamos um novo reino, ao qual se referem tais formas plásticas, musicais ou poéticas. Estas por sua vez possuem uma verdadeira universalidade, uma comunicabilidade universal, de tal sorte que passamos a ver a realidade em tal forma particular.

A arte desprende um poder construtivo na estruturação de nosso universo humano. Toda a obra de arte possui uma estrutura intuitiva, um caráter de racionalidade, ou seja: antes de comporem analogias com as esferas do inconsciente, cada elemento singular deve ser sentido como parte de um todo compreensivo.

Mais do que representativas e objetivas, ou expressivas e subjetivas, as formas artísticas – plásticas, musicais ou poéticas – são formas simbólicas e nos introduzem uma nova realidade na qual se vê a manifestação de uma interpretação, que o artista alcança não através de conceitos, mas das formas sensíveis.

O artista é um descobridor das formas da natureza: alcança a percepção das formas puras e estruturas visuais, introduzindo em um reino outro que não o da análise de objetos sensíveis e seus efeitos.

A arte é um descobrimento verdadeiro e genuíno. Em sua descrição da experiência estética, definida como um estado psíquico diferente da frieza de nosso juízo teórico e do prosaísmo de nosso juízo moral, Cassirer assinala o seguinte: (a) – a imaginação do artista nos mostra as formas das coisas em sua verdadeira figura, fazendo-as visíveis e reconhecíveis; (b) – ao selecionar um determinado aspecto da realidade, o artista não inventa arbitrariamente, mas (c) – seu procedimento é de objetivação: uma vez que assumimos sua perspectiva, somos levados a olhar o mundo com seus olhos, tudo se passando como se jamais houvéssemos visto o mundo com essa luz peculiar; (d) – essa luz é algo mais do que um vislumbre momentâneo: em virtude da obra de arte tornou-se uma luz duradoura e permanente.

 

Universo de discurso independente

Portanto, na análise filosófica a arte constitui um universo de discurso independente, no qual se afirma a imaginação artística. Esta, por sua vez, se relaciona à linguagem simbólica do mito e da poesia predominante nos povos primitivos, que falavam fabulando e escreviam hieróglifos, como na chamada idade heroica dos gregos, para quem o mito era uma alegoria viva.

A imaginação artística não se confunde nem à capacidade inventiva nem ao poder personificador, mas é a capacidade para produzir puras formas sensíveis cujo resultado é o descobrimento de um mundo novo de formas poéticas, musicais ou plásticas.

Observando a definição de beleza como forma vivente, Cassirer assinala que houve quem considerasse a busca por essas formas viventes como o primeiro passo indispensável que conduz à experiência da liberdade.

Lembra-nos de Schiller, no centro do romantismo alemão, cuja definição de contemplação ou reflexão estética afirma nesta última a primeira atitude liberal do homem diante do universo. No seu dizer: enquanto o desejo se apropria de seu objeto, a reflexão coloca o objeto do desejo à distância e o converte em ideal, salvando-o das garras da paixão. Tal seria a atitude – liberal, consciente, e reflexiva – tida como demarcadora da fronteira entre o lúdico e a arte.

Sem embargo, esse colocar à distância como característica da obra de arte suscita a problemática da teoria estética referente à racionalidade peculiar da arte, isto é, a racionalidade da forma simbólica. Admitindo que esse colocar à distância não implica a desumanização da arte, Cassirer sustenta que viver no reino das formas não significa uma evasão dos assuntos da vida, mas, pelo contrário, significa a realização de uma das energias mais altas da vida mesma.

A arte desprende um poder construtivo na estruturação de nosso universo humano posto que toda a obra de arte possui uma estrutura intuitiva, um caráter de racionalidade, ou seja: antes de comporem analogias com as esferas do inconsciente, cada elemento singular deve ser sentido como parte de um todo compreensivo.  

Segundo Cassirer há que distinguir essa racionalidade peculiar à arte daquela outra racionalidade das coisas ou dos acontecimentos. A definição de arte como linguagem simbólica nos proporciona o gênero comum, mas não a diferença específica. A arte pode infringir as leis da probabilidade, pode nos proporcionar a visão mais grotesca e extravagante e assim mesmo possuir sua racionalidade peculiar, a racionalidade da forma.

Cassirer nos lembra a frase de Goethe à primeira vista paradoxal seguinte: a arte é uma segunda natureza, também misteriosa, porém mais inteligível porque se origina no entendimento – a que Cassirer acrescenta: a arte nos proporciona a ordem na apreensão das aparências visíveis, tangíveis e audíveis.

Na ciência tratamos de reduzir os fenômenos a suas primeiras causas e a leis e princípios gerais. Na arte nos encontramos absortos em sua aparência imediata e nos deleitamos dessa aparência, plenamente em toda a sua riqueza e variedade: não temos a ver com a uniformidade das leis, mas com a multiformidade e diversidade das intuições.

Observa Cassirer que a arte pode ser descrita como conhecimento cuja verdade não consiste em uma descrição ou explicação teórica, mas antes na visão simpática das coisas.

Essas duas ideias de verdade se encontram em contraste, mas não em contradição: podemos alternar nossas visões da realidade, a arte nos proporciona uma imagem mais rica, mais vívida e com coloração da realidade, facilitando-nos uma visão mais profunda em sua estrutura formal. E Cassirer conclui: a arte caracteriza a natureza do homem como não se encontrando ele limitado a uma única maneira específica de abordar a realidade, mas que pode escolher seu ponto de vista e assim passar de um aspecto das coisas a outro.

 

***

 

 

 Arte e Função Simbólica:

 SEGUNDA PARTE

 

A análise sociológica da esfera simbólica do mundo humano.

A função simbólica é inseparável do homem tomado coletiva ou individualmente, de tal sorte que os Eu, Nós-outros, grupos, classes sociais, sociedades globais são construtores inconscientes ou conscientes dos símbolos variados.

 

Neste ponto, devemos retornar ao problema do simbolismo antes de prosseguir com a análise filosófica da arte e das demais formas simbólicas que compõem o mundo da cultura.

Vimos que, em sua definição descritivo-compreensiva do pensamento simbólico como dotando o homem da nova capacidade para reajustar constantemente seu mundo humano, Cassirer afirma o ponto de vista da mobilidade e da variabilidade levando-nos a relembrar que a variabilidade é pesquisada com prioridade em sociologia.

 

 A afinidade de realidade social e esfera simbólica

Quer dizer, os símbolos são estudados em sociologia como símbolos sociais, portanto, existindo como representações que só em parte exprimem os conteúdos significados, e servem de mediadores entre os conteúdos e os agentes coletivos e individuais que os formulam e para os quais se dirigem, tal mediação consistindo em favorecer a mútua participação dos agentes nos conteúdos e desses conteúdos nos agentes. Os símbolos sociais constituem tanto uma representação incompleta, uma expressão inadequada, quanto um instrumento de participação.

Segundo Georges Gurvitch [iii], os símbolos sociais revelam velando e ao velarem revelam, na mesma maneira em que, impelindo para a participação direta no significado, travam-na.

Portanto, os símbolos constituem uma forma de comportamento diante dos obstáculos, sendo possível dizer que a função simbólica é inseparável do homem tomado coletiva ou individualmente, de tal sorte que os Eu, Nós-outros, grupos, classes sociais, sociedades globais são construtores inconscientes ou conscientes dos símbolos variados.

Na análise sociológica da esfera simbólica do mundo humano acentuam-se as seguintes constatações: (1) – a imensa variabilidade decorrente da ambiguidade fundamental do simbólico; (2) – os planos subjacentes da realidade social ela própria são dependentes do simbolismo, na medida em que, justamente, simbolizam o todo indecomponível dessa realidade seccionada; (3) – ao mesmo tempo, os símbolos sociais mais especialmente ligados às obras de civilização[iv] funcionam como argamassa de colagem, juntando as descontinuidades entre os níveis seccionados; (4) – os símbolos se apoiam em experiências coletivas e atos criadores dos Nós-outros , grupos, sociedades que (a) – constituem uniões prévias as quais, por sua vez, tornando possível a comunicação (a1) – ultrapassam a esfera simbólica tornando-a igualmente possível.

Nada obstante, cabe lembrar que em sociologia não se procede a uma redução que não seja um procedimento dialético. Constata-se que a esfera simbólica não passa de uma camada em profundidade da realidade social dentre outras.

A redução das ideias e valores e das obras de civilização ao plano do pensamento simbólico é característica da análise filosófica. Esta, as destaca da realidade social e do empirismo efetivo, visando desse modo estudá-las mediante a acentuação de sua autonomia relativa, como formas simbólicas dotadas de diferenças específicas.

Cabe, pois, à sociologia esclarecer que a mobilidade provém exatamente do caráter mediador dos símbolos, além disso: (a) – os símbolos variam em função dos sujeitos coletivos que os elaboram, ou emissores; (b) – os símbolos variam em função dos sujeitos coletivos a que se dirigem, ou receptores; (c) – os símbolos variam em função dos tipos de estruturas sociais parciais ou globais, bem como em função das conjunturas particulares, dos quadros sociais (sociedades, classes, agrupamentos particulares, formas de sociabilidade); (d) – os símbolos variam igualmente em função dos obstáculos a ultrapassar ou situações a dominar justamente pelos símbolos, etc.

Desta forma, a sociologia põe em relevo a afinidade entre o conjunto da realidade social e a esfera simbólica.

 

A Classificação dos símbolos sociais

Quer dizer, se analisarmos as características de funcionalidade dos símbolos sociais constataremos com Gurvitch que há duas maneiras de classificar os símbolos: uma, enfocando as colorações dominantes (como aspectos das mentalidades a que se ligam), distingue três gêneros de simbolismo que atendem a diferenças de graus e não a oposições nítidas, é a seguinte: (A) – símbolos sociais com dominante intelectual; (B) – símbolos sociais com dominante emotiva e (C) – símbolos sociais com dominante ativa e voluntária.

Inclui-se na categoria de símbolos sociais com dominante intelectual as representações coletivas e individuais, as medidas, as conceituações das diversas temporalidades e extensões concretas [v], as categorias lógicas, as grandezas matemáticas que evocam a noção de infinito (cálculo infinitesimal), os símbolos servindo de fundamento ao aparato conceitual de diferentes ciências; a linguagem, enfim.

Aliás, deste ponto de vista da coloração dominante, em relação à linguagem, Gurvitch remarca o caráter intermediário da mesma entre os símbolos intelectuais e os símbolos voluntários e ativos, porque a sua primeira forma consistiu em gestos e exclamações.

Na categoria de símbolos sociais com dominante emotiva incluem-se as danças e os cantos, as expressões de luto, as festas de noivado ou de carnaval, as maneiras de fazer a corte e de se declarar, as bandeiras, as condecorações, os monumentos, as imagens ideais que servem de padrões de moralidade [vi].

Finalmente, dentre a categoria de símbolos sociais com dominante ativa e voluntária encontramos os símbolos que servem de “sinais de símbolos”, isto é: os símbolos motores, os símbolos de preparação, os de chamada, os de comando, os de encorajamento, os de excitação, etc.

Quanto à outra maneira de classificar os símbolos em sociologia [vii], compreende uma oposição cujos critérios são eminentemente empíricos, a saber: (a) – símbolos conscientemente enganadores e ilusórios: os slogans, os preconceitos, as imagens ferindo a imaginação ou excitando os complexos de superioridade e de inferioridade, as falsificações, os louvores, etc. (b) – os símbolos inconscientemente irrisórios: ligados às relações entre os sexos (macho e fêmea), à libido e mais especialmente ao tipo de casamento; (c) – símbolos cuja elaboração não contém nenhuma intenção reservada enganadora: são os símbolos ligados às obras de civilização como os símbolos religiosos, os símbolos morais, os símbolos jurídicos, estéticos, do conhecimento, educativos, enfim.

 

Pluralismo da função simbólica

  • Em sociologia, dá-se relevo ao pluralismo da função simbólica: cada símbolo depende do cotejo entre a função simbólica total, por um lado e, por outro lado, uma situação de conjunto (conflitiva por inadequação) mais particularizada.

Todavia, a validade dessa noção de pluralismo da função simbólica deve ser submetida a uma precisão. É que por mais dependentes que os símbolos sejam dos diferentes aspectos da mentalidade, as distinções entre os símbolos devem-se como dissemos a diferenças de grau, de acentuação, de coloração, e não a oposições nítidas, não havendo na classificação dos três gêneros de simbolismo separação completa possível.

 

O signo no símbolo

Não obstante exercer-se como impulso para a participação direta no significado, a função simbólica guarda um aspecto de inadequação que a sociologia designa como “signo no símbolo”, verificando que os símbolos são presenças intencionalmente introduzidas e invocadas para indicar carências.

Podemos notar ainda nesta análise sociológica que as manifestações do social no mundo exterior dependem em grande parte do simbolismo, sendo este o caso das organizações, modelos – especialmente os modelos culturais – ritos, procedimentos, tradições, práticas, modos, papéis sociais.

Todavia, como assinala Gurvitch, não é necessário que todos os símbolos sejam generalizados e standardizados; não é necessário que estejam ligados a modelos mais ou menos cristalizados ou fixados de antemão: há um simbolismo singular e espontâneo que em circunstâncias particulares pode tornar-se importante, e que está próximo das condutas coletivas efervescentes, inovadoras e criadoras, da mesma maneira em que, com referência ao plano dos valores e das ideias sociais, está igualmente próximo da apreensão coletiva direta (não mediatizada por símbolos sociais).

Quer dizer esse simbolismo espontâneo e inteiramente singular está na proximidade dos atos mentais coletivos, incluindo as intuições intelectuais, emotivas, voluntárias dos Nós-outros, dos grupos, das sociedades globais.

  • Daí se compreende os símbolos como presenças intencionalmente introduzidas e invocadas para indicar carências, tornando de tal sorte reconhecida a expressão signo no símbolo, sendo a esta expressão-signo que se refere o aspecto de inadequação, que a função simbólica compartilha com o seu sentido de instrumento de participação, impulso para a participação direta no significado.
  • Cabe lembrar que ao constatar o signo no símbolo não se exagera sobre o conhecimento de que tenha sido por etapas que, nos tipos mais recentes de sociedade, a maior parte dos símbolos adquiriu um caráter completamente racional, não tendo mais o aspecto místico original da esfera simbólica [viii].
  • Vale dizer, a sociologia não tira do fato desse caráter racional adquirido através dos tipos de sociedade a conclusão de que os símbolos se tornaram simples signos, simples indicativos da ação ou do comportamento: a sociologia repele nessa hipótese exagerada da “preponderância total dos signos” [ix] a consequente redução na intensidade do caráter que tem o símbolo de instrumento impulsionando para a participação direta no significado [x].

Pelo contrário. Sustenta Gurvitch que a participação impulsionada pelos símbolos sociais pode ela própria tomar um caráter racional e natural e não levar os símbolos em modo algum a se tornarem veículos de misticidade [xi].

Tomando o exemplo de uma investigação científica em equipe onde prevalece o apelo à descoberta, o sociólogo nota que a participação consciente em diferentes níveis no ser social ou na criação coletiva intelectual não inclui o elemento místico.

Outro exemplo é a língua utilizada pela coletividade que, como sistema de símbolos, serve ao mesmo tempo de resposta antecipada às questões postas e de expressão incompleta das significações e ideias compreendidas pela coletividade, que fala tal língua e a utiliza em seu próprio pensamento.

  • Como se sabe este fato de as mentalidades e as consciências coletivas e individuais utilizarem um vasto aparelho simbólico prova o caráter social da vida mental, o caráter social do elemento psíquico, sobretudo consciente – os quais são integrados na realidade social e assim passam a esta última suas energias ou emanações subjetivas.
    • Daí poderem-se considerar as categorias lógicas, os imperativos morais, as regras do direito, como símbolos que inadequadamente e adaptados às circunstâncias exprimem as ideias lógicas e os valores morais e jurídicos profundos.

 

Instrumento de participação

Seja como for, ao parecer de teoria sociológica essa compreensão da função simbólica como mediação favorecendo a mútua participação dos agentes nos conteúdos significados e desses conteúdos nos agentes coletivos e individuais está em medida de incluir a distinção sugerida pela análise filosófica entre o real e o possível.

É o que se pode depreender da mencionada “expressão-signo no símbolo”, introduzida por Gurvitch para admitir a racionalidade sem excluir o elemento residual alegórico, todavia tornado instrumental em virtude da diferenciação em face de toda a misticidade.

Os símbolos sociais constituem como vimos tanto uma representação incompleta, uma expressão inadequada, quanto um instrumento de participação: revelam velando e ao velarem revelam, na mesma maneira em que, impelindo para a participação direta no significado, travam-na.

Incluindo a expressão-signo no símbolo para dar conta do sentido da função simbólica, sua efetividade como mediação, o sociólogo verifica certa dependência semelhante a uma “alegoria” da unidade de ação, na medida em que põe em relevo como dissemos a dependência que os planos subjacentes da realidade guardam em relação ao simbolismo ou à simbolização do todo indecomponível da realidade social seccionada.

Vale dizer, na verificação da realidade social em vias de se fazer, o procedimento sociológico admite certa afinidade com o “pensamento simbólico” estudado por Cassirer, que insiste na distinção entre o real e o possível desembocando em uma faculdade nova do homem: a mencionada capacidade de reajustar constantemente seu mundo.

Aliás, nessa distinção entre realidade e possibilidade, já sublinhamos tratar-se de uma conquista eminentemente epistemológica que segundo Cassirer se observa nos estágios mais avançados da cultura, no progresso da ciência na Renascença e nas épocas subsequentes.

Nada obstante, ao examinar os símbolos no marco prioritário do pensamento simbólico, a análise filosófica deixa de lado a presença operativa irredutível do simbolismo em afinidade oculta com a realidade social [xii], e tende a restaurar a alegoria e a interpretação alegórica por cima da explicação sociológica e em detrimento do caráter de instrumento de participação que a função simbólica adquiriu por diferenciação de toda a misticidade.  

Sem confundir-se às metamorais tradicionais de Platão, Aristóteles, Spinoza, Hegel, onde um mundo espiritual supratemporal e absoluto se realiza no mundo temporal, a análise filosófica corre o risco de restaurar uma interpretação alegórica do simbolismo como mística do progresso na racionalidade, e tende a projetar para-além da história a capacidade do homem em reajustar constantemente seu mundo.

 

 Uma compreensão ampliada da função simbólica

A possibilidade em apreender as configurações do objeto figurativo, sendo fundada no fato de que a época atual sublima todas as formas do pensamento operativo, põe em relevo a compreensão do símbolo como presença operativa, como mediação.

 

Em modo contrário à análise filosófica, observa-se na função simbólica como mediação uma compreensão ampliada, destacando a ambiguidade em dois polos como tensão constitutiva de qualquer símbolo social, a saber: (a) – signo de uma espécie particular e (b) – instrumento de participação direta no significado (e não somente interpretação) por via do que são apreendidos os conteúdos simbolizados.

Entretanto, da mesma maneira em que se admite que a participação direta nos conteúdos significados, para a qual incita o símbolo, pode tomar um caráter racional e natural, desprovido de qualquer misticidade, se admite igualmente que a ambiguidade fundamental dos símbolos nessa compreensão ampliada acentua a relativização da sua racionalidade.

Dessa ambiguidade, em primeiro momento, a análise sociológica chega inicialmente a um duplo drama da esfera simbólica em seu conjunto, levando segundo Gurvitch à constatação da confusão dos símbolos, bem como à descoberta da inversão do seu sentido ou missão.

Daí, temos os símbolos criando os conteúdos simbolizados – que então podem se tornar predominantemente imaginários – ao invés de exprimir e incitar à participação, e, por essa via, passando os símbolos a contribuir indiretamente para suscitar os obstáculos à participação nos valores e ideias como conteúdos significados.

Em segundo momento, a análise sociológica põe em relevo que, desse duplo drama se chega a constatar o pluralismo da função simbólica em que, como já vimos no seu tríplice aspecto – intelectual, emotivo, voluntário – cada símbolo encontra-se como dependendo do cotejo entre a função simbólica total e uma situação particularizada do duplo drama do conjunto.

Enfim, nesse marco da relativização da racionalidade dos símbolos, a análise constata que o simbolismo sociológico e o simbolismo psicanalítico (onírico e erótico) podem encontrar um denominador comum, com o elemento social fazendo variar o elemento libidinal enquanto que, por sua vez, no aspecto das carências, o simbolismo erótico representando ele próprio um esforço inconsciente para vencer os obstáculos à participação direta nos conteúdos significados.

 

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Notas de Fim

[i] Cf. Cassirer, Ernst: “La Philosophie des Formes Simboliques (La Conscience Mythique)”, versão francesa por Jean Lacoste, Paris, Les Éditions du Minuit, 1972, 342 pp., (1ªedição em Alemão: 1925).

[ii] Ver sobre a interpretação alegórica a (Nota 01) dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final deste artigo.

[iii] Gurvitch, Georges et al.: “Tratado de Sociologia“, volumes 1 e 2, revisão Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1964 (vol.1), 1968 (vol.2). (1as edições em Francês: Paris, PUF, 1957, 1960, respectivamente).

[iv] Os símbolos da linguagem, conhecimento, moralidade, arte, religião, direito, incluindo as ideias e valores que essas obras de civilização implicam (mediante redução ao plano do pensamento, a análise filosófica as estuda em sua autonomia relativa como formas simbólicas dotadas de diferenças específicas).

[v] Ver sobre a multiplicidade dos tempos sociais segundo Georges Gurvitch o seguinte ensaio: Lumier Jacob (J.): Leitura da Teoria de Comunicação Social desde o ponto de vista da Sociologia do Conhecimento (Ensaio, 338 págs.). Internet, O.E.I. / E-book / pdf, 2007, págs. 180 a 219. link: http://www.oei.es/salactsi/lumniertexto.pdf

[vi] Ver neste ensaio o capítulo 4: Introdução ao Estudo Sociológico da Variabilidade na Vida Moral.

[vii] A sociologia não é competente para considerar a oposição entre os símbolos como produtos da vida coletiva e os símbolos possuindo uma verdade em si.

[viii] Originariamente a esfera simbólica surge ligada às crenças no sobrenatural, religioso ou não.

[ix] Nessa hipótese exagerada adotada por Bourdieu, acredita-se que os sistemas simbólicos “engendram o sentido e o consenso em torno do sentidopor meio de alguma lógica e se deixa de lado a pesquisa sociológica fundamental do sentido da esfera simbólica ela própria, como setor da realidade social, pesquisa indispensável para pôr em perspectiva o coeficiente humano e existencial do conhecimento, sem o que o problema da função simbólica resta superficial. Para Bourdieu, os sistemas simbólicos estão propensos por sua própria estrutura a servirem simultaneamente a funções de inclusão e exclusão, de associação e dissociação, de integração e distinção – funções essas que este autor considera terem um alcance político. Cf. Bourdieu, Pierre: “A Economia das Trocas Simbólicas”, introdução, organização e seleção dos originais em Francês por Sérgio Miceli, São Paulo, ed. Perspectiva, 1974, 361 pp., pág.33.

[x] Em sociologia a autonomia do significado é relativa e só se afirma na dependência ao fenômeno social total de tal sorte que o avanço na racionalidade da cultura tem igualmente seu critério nessa dependência.

[xi] Já notamos esta característica racional quando Cassirer liga o progresso da cultura à diferenciação entre coisas e símbolos, com a distinção entre realidade e possibilidade tornando-se mais pronunciada.

[xii] Já assinalamos o fato de as mentalidades e as consciências coletivas e individuais utilizarem um vasto aparelho simbólico provar o caráter social da vida mental, o caráter social do elemento psíquico, sobretudo consciente – os quais são integrados na realidade social e assim passam a esta última suas energias ou emanações subjetivas. Tal a afinidade oculta do simbolismo com a realidade social.

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O Surrealismo e o expressionismo dentre as vertentes da crítica da cultura

In dialectics, history, sociologia, sociologia da literatura, twentieth century on September 19, 2014 at 8:48 pm

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O Surrealismo e o expressionismo dentre as vertentes da crítica da cultura

 

Por

Jacob (J.) Lumier

 

A Crítica Social

 

 

► Em sentido estrito, a Crítica da Cultura relaciona a Modernização, a literatura e arte de avant-garde – contemplando notadamente expressionismo e surrealismo –, o romance e o individualismo.

Como se sabe, o interesse sociológico na literatura do século XX aprofunda no individualismo para focar-se na própria individuation burguesa, na possibilidade mesma do que constitui ou diferencia um indivíduo de outro indivíduo em contexto de alienação. Daí o domínio conexo entre a estética sociológica e as teorias metapsicológicas, já que à objetivação do humano nas estruturas corresponde o surgimento da subjetividade, a aspiração aos valores que resta em estado de aspiração, uma cultura que não se individualiza.

Daí igualmente a simples subjetividade como pensamento letargado, perplexo, chegando à ataraxia, a qual não deve ser confundida às alienações mentais subjetivas, esquizofrenias ou delírios patogênicos em face da realidade e frequentemente provocados no envolvimento do indivíduo em alternativas inconciliáveis para o sentimento de felicidade.

Com efeito, em sociologia a busca da individuação na composição literária de avant-garde deve levar em conta a coisificação não somente como condição da ruptura libertadora, condição negativa, mas como a forma positiva que torna objetivo o trauma subjetivo, como o caráter de mercadoria assumido pela relação entre os homens. O modelo da tradição do romance que vem do século XVIII, desde o Iluminismo, tendo por objeto o conflito entre o homem vivo e as petrificadas relações sociais, é uma referência limitada ao nível ideológico e, falta de crítica social, não atende à exigência de justiça poética, não evita colocar os personagens em injustiça pelo não reconhecimento ou pela descaracterização do perfil neurótico desempenhado.

T.W. Adorno acentua a crítica social não só como ponto de vista aproximadamente freudiano sobre a busca da individuação (objetivação do trauma subjetivo), porém equipara a crítica social ao conhecimento de que a promessa humanista da civilização afirma o humano como incluindo em si juntamente com a contradição da coisificação também a coisificação mesma.

Nesse caráter de mercadoria assumido pela relação entre os homens, uma relação que se esqueceu de si mesma – forma positiva que torna objetivo o trauma subjetivo – a busca da individuação passa pela forma reflexa afirmando a falsa consciência que o homem tem de si mesmo e que é decorrente dos seus fundamentos econômicos. Essa falsa consciência configura por sua vez o homem coisificado não somente como uma realidade crítico-teórica, mas dá-lhe expressão como um homem obnubilado diante de si mesmo.

Daí, finalmente, desse estado patético procede a figura recorrente na literatura de avant-garde do personagem neurótico como afirmação da individuação buscada no contexto da Estandardização e da indústria cultural, o personagem com alcance crítico e por isso com valor artístico positivo.

De fato, se a justiça poética é uma noção reflexiva aplicável à utopia negativa como tema configurando o campo da arte e literatura de avant-garde, e se tal noção vale para designar o modo pelo qual o autor, como artista, deve observar e aplicar a forma de objetivação na composição dos personagens, sua figuração da ataraxia (ou até mesmo da ancilose, como em “A Metamorfose”, de Kafka), isto é, sua assimilação ou seu distanciamento para com a crítica social [[i]], então temos que a atitude efetiva assumida em face desse modo composicional ou dessa crítica social leva a distinguir um momento positivo e um momento negativo interpenetrados na utopia negativa. É o que T.W. Adorno nos sugere e suas análises esclarecem.

Portanto, não é só como ponto de vista aproximadamente freudiano sobre a busca da individuação (objetivação do trauma subjetivo) que se compreende a crítica social. Há igualmente como vimos o conhecimento de que a promessa humanista da civilização afirma o humano como incluindo em si juntamente com a contradição da coisificação também a coisificação mesma.

 

 

 

Romantismo e Cultura Obscura

 

 

 

►Nesta linha iremos encontrar a crítica da cultura pela análise do tradicional na modernização desenvolvida por Ernst Bloch nas antípodas de Max Weber. Orientação esta fundada na história do Gótico Tardio na Alemanha e na experiência das revoluções camponesas dos séculos XV e XVI como vinculada à história das heresias cristãs.

À luz desta orientação crítica se coloca em questão igualmente o chamado estilo gothic, considerado não somente como gosto do obscuro, mas como paixão das trevas, que teria nascido de uma visão fantasmagórica da Idade Média atribuída aos românticos.

Com efeito. Quando se busca uma definição para o que seria gothic ou dark nos dias de hoje, no mundo da indústria cultural, além da referência às manifestações comportamentais e indumentárias de feição tida por não-conformista ou “tribo urbana”, que recebeu essa denominação, admite-se frequentemente em maneira confusa o seguinte: (a) – ser gothic ou dark relaciona-se mais a uma opção estética do que qualquer outra coisa; (b) – este sentido estético particular apresenta características definidas principalmente no que se refere às temáticas abordadas, mas não constituiria em si nenhuma escola artística específica, absorvendo influências diversas, unindo em um mesmo caldeirão influências românticas, surrealistas, expressionistas y muchas otras más.

Os simpatizantes do chamado “movimento gothic”, que fez a fama de certos grupos do Rock’n’roll, vendo no romantismo dos séculos XVIII-XIX uma espécie de “reabilitação” da Idade Média e do seu imaginário misterioso, nos dirão que os românticos são os responsáveis pelo surgimento da “gothic novel” ou “romam noir”, normalmente ambientados em castelos sombrios e ambientes tenebrosos.

Paralelamente ao embelezamento do passado no cultivado mistério da História, o romantismo literário do século XVIII-XIX teria um “lado escuro” levando ao pessimismo, à loucura, aos sonhos, sombras, decomposição, queda, atração pelo abismo (trevas) e morte, bem como à urgência pela vida. Para os simpatizantes do gothic, no “dark side” do romantismo se encontrariam como vimos praticamente todos os elementos estéticos que tanto deliciam os góticos até os dias de hoje… Além da sua origem através da gothic novel.

Sem dúvida, essa abordagem do gothic como paixão das trevas, sendo cogitada pelo aspecto da filosofia da arte suscita um tema crítico, a saber: será legitimo falar de estética no lado escuro do romantismo tendo em conta que toda a arte afirma um horizonte, afirma a criação enlaçada à aspiração?

O gosto das “trevas pelas trevas”, a atração pelo abissal não será nihilismo? Não será uma apologia do Nihil ex-nihilo, uma filosofia do nada que se tira do nada, portanto negação absoluta da criação tornada non-sense absoluto? Dizer que o gothic como atração das trevas constituiria uma opção estética não será paradoxal? Mesmo que procedente do romantismo à Novalis?

Ultrapassando a noção simples de cultura obscura, reservada para designar unicamente as ambiências com pouca luz e muitas sombras, alguns idealizadores do gothic nos dirão ainda que “a celebração da noite escura” como passando a ser o lugar privilegiado da evocação dionisíaca [[ii]] se faz no romantismo literário, tomando-se como exemplo a obra de Novalis (Hinos à Noite).

Por essa mistificação do noturno, conduzindo a uma transposição nihilista do dionisíaco, acredita-se que na “urgência pela vida” do romantismo haveria o resgate de fantasiosos e irrisórios “valores noturnos” levando ao pessimismo, à loucura, aos sonhos, às sombras, à decomposição, à queda, à atração pelo abismo (trevas) e morte.

Para os simpatizantes do gothic, portanto, no “dark side” do romantismo se encontrariam praticamente todos os elementos estéticos que dão motivo e estilo aos apreciadores dessa figuração da tradição gótica.

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A indústria cultural

 

 

►Neste e-book haverá oportunidade para inferir sobre o artificialismo de uma abordagem artística sobre o gothic como cultura obscura identificada à paixão das trevas.

Como se sabe, depois das análises de Theodor W. Adorno, no século XX, toda a abordagem artística só é válida se compreende que a arte assume sua liberdade distanciando-se das classes desfavorecidas: essa negatividade da cultura faz parte de sua verdade.

Mediante o primado do divertimento, a indústria cultural no século vinte abusa das precauções em relação às massas fornecendo-lhes as distrações procuradas por quem em seus lazeres busca escapar às rotinas do trabalho automatizado.

Todavia, a indústria cultural não lhe oferece para isto senão os produtos que são a cópia do seu trabalho, já que produzidos segundo os mesmos procedimentos automatizados de toda a produção industrial: a mesma divisão do trabalho, a mesma estandardização.

►Deste ponto de vista, o chamado gothic é cultura de massa, é “tribo urbana”, é fenômeno comportamental ou maneira de consumir e não opção estética, a não ser que se prolongue artificialmente para além do campo da filosofia da arte a noção do estético, para aí incluir o comportamental, as indumentárias, os estereótipos de consumo, e desse modo venham a falar de um sentido estético (industrial) para valorizar certos hábitos que não passam de meras preferências incutidas pelo empreendedorismo e a indústria cultural.

Sem dúvida, estender a mesma concepção de arte e estética que se aplica para situar o romantismo literário do século XVIII-XIX, visando nessa ampliação incluir o comportamental e as indumentárias do mundo estandardizado da comunicação, será pelo menos um posicionamento muito problemático. Tanto mais repelido quanto limitado a opções ou preferências previamente estabelecidas e padronizadas, como o são os estereótipos de contestação social, sobretudo as veleidades produzidas ou induzidas pela indústria cultural sobre os consumidores.

Em suma: no habitual de certas veleidades aceitas como contestação social e identificadas aos comportamentos ou “estilos” de certos grupos de admiradores e consumidores da chamada cultura obscura, tida supostamente por dotada de apelo estético-filosófico, mentalizou-se certa satisfação particular, afirmada no e pelo gosto nostálgico das ambiências sombrias e imagens fúnebres tiradas do romantismo conservador, sobretudo no cinema e no Rock and Roll: tal o perfil dos chamados gothics.

Certamente, tal questão é mais do que mero reflexo das correntes atuais na cultura de massa que, em estilo semelhante ao devocionismo, cultivam o gosto do obscuro. O Dark é maneira de revalorizar menções alusivas às misteriosas potências das trevas, muito à feição das lendárias bandas do Heavy Metal que impulsionaram a busca da vertigem e o headbanger, inclusive o chamado Gothic como tendência cultora da elegante arte cemiterial [[iii]].

Embora se imagine como corrente de índole artístico-industrial com impacto produtivo nas mídias, a cultura obscura encontrou-se reforçada na esteira de filmes fantásticos como Star Wars. Para isso contribuíram as imagens da adoração iconoclasta de certos efeitos mentais paranormais ali projetados e as menções alusivas a uma entidade do escuro espaço sideral dita a Força.

Absolutamente fictícias (dentro da própria ficção), a emanar da inverossímil simbiose com seres incorpóreos viventes, tais concepções difundidas em Star Wars são absolutamente impróprias para aludir a qualquer totemismo artístico.

Aliás, não há horizonte etnológico nessa arte de superstições cabalistas e truques tecnológicos de George Lucas. A tal Força ubíqua sem mito nem alienação é exaltada por um gnomo (Dragonlance) alienígena, o poderoso Mestre Yoda que não passa de um Gremlin civilizado.

Tal é a fantasia antiexperimental que se revelou tão atrativa aos admiradores do déjà vu elaborado à maneira equivocada da utopia negativa em Aldous Huxley (Brave New World, 1932): um futurismo de aparência inconformista perpetuado no filme fantástico por contraste com as antecipações futuristas de Jornada nas Estrelas (Star Trek), onde o futurismo é mais a expressão de um futuro virtual do que a imagem do sistema cristalizado de poder e violência que se vê em Star Wars.

Portanto, não há maneira de repelir a questão sobre a ambiência obscura do chamado filme fantástico sem menosprezar o caráter contestatório da supersticiosa fantasia Dark com forte apelo aos sentimentos indefinidos de um público juvenil em renovada rebeldia ante a prosaica vida futura de incertezas constantes. Devemos então discuti-la.

 


Cultura Obscura e Expressionismo

 

► Com efeito, abrindo-se ao público da cultura obscura podemos ler certa interpretação da história da arte no cinema cuja intenção é voltada para aproximar do Dark os filmes do expressionismo.

Nessa aproximação tudo se passa como se a obscuridade da ambiência fosse o componente diferencial da histórica arte das montagens, máscaras, deformações. Por exemplo, há quem sustente na Internet sob a categoria “o expressionismo e o fantástico” a inclusão na galeria expressionista de certos filmes que lhe são bem posteriores tomando como critério simplesmente a menção alusiva a uma “potência das trevas”, numa tentativa de nos passar a sugestão de que esta imagem seria predominante no Nosferatu, de Murnau, ou nela se concentrasse todo o alcance contestatório desta notável obra dos anos de 1920.

Os equívocos são nítidos e se sucedem uns aos outros desde a concepção errônea de que <l’expressionnisme allemand invoque une obscure vie marécageuse où plongent toutes choses, soit déchiquetées par les ombres, soit enfoui dans les brumes. La vie non-organique des choses, une vie terrible qui ignore la sagesse et les bornes de l’organisme tel est le premier principe de l’expressionnisme, valable pour la nature entière, c’est à dire pour l’esprit inconscient perdu dans les ténèbres, lumière devenue opaque. >

Nessa falsa interpretação que, desprezando o paradigma dos artistas plásticos do expressionismo confunde essa arte com o chamado “film noir”, favorecendo, sobretudo o chamado “filme fantástico”, prenda dos seus afetos, termina-se por colocar no mesmo saco os filmes sobre Frankenstein e os de Alfred Hitchcock ou de John Ford.

Devemos, pois nos acautelar contra tais páginas que semeiam a confusão. Não há em absoluto menção alusiva alguma a “potências das trevas” no expressionismo, seu caráter contestatório tem horizonte na existência e pode inspirar o ideal político. Certamente a relação com a realidade a pintar não é inocente. A realidade será apreendida em uma perspectiva exclusivamente antropomórfica consistindo em dar um sentido humano mesmo ao inanimado.

Raramente os expressionistas pintam a paisagem em si, mas escolhem frequentemente a figura humana ela mesma, lapidada pela exigência do sentido. Em vez da paisagem simplesmente, nas obras expressionistas nos defrontamos a uma realidade produzida pelo homem: a realidade a pintar traz objetividade humana são os ambientes interiores, os jardins, pontes, cidade, porto, culturas…

É certo que no expressionismo não há louvação do motivo à maneira dos realistas. O espaço e os meios pictóricos são submetidos à significação que revela em maneira crua a inanidade <d’une condition dite encore “humaine” par commodité, mais déjà objectivée, mangée par les produits de l’activité industrielle. C’est l’émergence picturale et esthétique d’un intolérable malaise, réclamant partout et à tout prix de l’humanité et ne trouvant quasiment que du fabriqué, un réel manufacturé qui porte encore le signe de l’homme sans plus être l’humain en soi >.

No expressionismo a realidade não é para ser reconhecida simplesmente, mas passa para-além do nível representacional. É uma colocação em ordem deliberadamente significante e não reprodução no idêntico do visível. Trata-se para os artistas expressionistas de produzir um sentido humano subjetivo que seja um sobressalto de raiva, de desespero ou mesmo de esperança contra a desumanidade do ambiente objetivo.

Daí O GRITO (Skrik), de Edvard Munch, ser considerado um símbolo existencial do homem moderno e farol do expressionismo em pintura. Representa uma pessoa caminhando sobre uma ponte, com as mãos pressionando as orelhas, os olhos vazios e a boca grande aberta em um grito aparentemente inaudível.

E não há modo de confundir a menção alusiva a trevas dos filmes fantásticos com a figura literária e filosófica do subterrâneo notada nos filmes do expressionismo.

Sem perder de vista que a literatura de vanguarda é alimentada na contracultura pelo Homem do Subsolo, de Dostoyeviski, sabe-se que, desde a Alegoria da Caverna na filosofia de Platão, o escuro significa um mundo de sombras, de lusco-fusco, de imagens imprecisas (ídolos) onde o homem se encontra encadeado, constrangido a olhar só para a parede na sua frente, ficando com a mente embotada, preocupando-se apenas com as coisas mesquinhas do seu dia-a-dia, dominado pelas sensações e pelos sentidos mais primários, enfim, o homem em situação de desconhecimento e ignorância (agnosis) por oposição ao homem habitando a claridade, podendo investigar e inquirir tudo ao seu redor e alcançando a ciência dos segredos espirituais da existência terrestre (gnose), o conhecimento (episteme) e as formas perfeitas. Trata-se de uma alegoria introduzida no Diálogo platônico por Sócrates a fim de fazer compreender a seus interlocutores a natureza da ideia do Bem.

Para compreender a figura das ambiências sombrias, portanto, devemos situá-las do ponto de vista da filosofia. Quer dizer, devemos ter em conta que, na época de Platão, como lugar de onde se define a transparência, a caverna tem alcance de contestação, servindo ao filósofo para elaborar uma imagem crítica da sua cité então decadente, cuja ordem moral havia sido pervertida ao desprezar a filosofia mediante a condenação de Sócrates e a perseguição a Pitágoras.

Portanto, não há trevas e a figura subterrânea da caverna vale para contrabalançar o mundo ilusório no qual viviam os cidadãos. Aliás, no filme recente considerado expressionista “Batman: Returns“, de Tim Burton (Warner Bros, 1992),  com o igualmente cavernoso Pinguim reativando a alegoria do horror, à maneira de um Conde Orlock saindo dos subterrâneos da cidade como de um sepulcro,  não será outro o estatuto dessa figura subterrânea da caverna: a batcaverna está em oposição a uma Gotham City dominada pelo caos e mostra o lugar underground e igualmente caótico em suas duplicidades de onde a alternativa/alteridade pode ser alcançada.

Quanto ao Nosferatu, de Murnau, realizado em 1921, é considerado a pedra de toque do expressionismo alemão. Tornou-se mais lembrado depois do filme homônimo de Werner Herzog en 1979, com Klaus Kinski no papel principal, com o qual, porém, não deve ser comparado.

A utilização de lugares reais e décors estilizados fazem dele um clássico da idade de ouro do cinema, com o subtítulo Sinfonia do Horror, tendo seu vampiresco conde Orlock de olhar rodeado por um círculo de fuligem a exprimir a mais intensa solidão e um desespero febril, aparentando sair diretamente de uma tela de Edvard Munch.

Nosferatu foi considerado um filme marcado de romantismo (a ideia de uma passagem para o outro lado do espelho) que nasceu de uma ambiência de crise dos valores do individualismo, cercada de todas as incertezas morais, políticas e econômicas de uma modernização industrial acelerada na Alemanha dos anos vinte.

Como se vê, sendo um símbolo existencial, o cinema expressionista fugia de toda a representação realista sem rejeitar, todavia a figuração e a narração. Comprazia-se na exasperação das formas e dos contrastes, na desrealização dos décors e dos personagens, para assentar um mundo de artifícios no limite da abstração.

O Romantismo na Modernização

 

O Moyen âge do romantismo se integra na Contradição não-contemporânea.

 

►Nada obstante, resta que, por não acolher uma estética, o romantismo acrescenta algo de sonho que a filosofia da arte compreende na função utópica à medida que trata de estabelecer em nível das superestruturas a eficácia diferenciada dos sonhos passados, como atividade onírica in-dormida, para além do freudismo.

Com efeito, como se verá neste ensaio, no realismo estético de Ernst Bloch a função utópica é enfocada como o conteúdo que em estado de princípio cada um pode encontrar em os diferentes Nós-outros que apreende e que por este mesmo estado de princípio, por aspiração, a arte pode pôr no horizonte que lhe é essencial.

Em sua obra de 1954 “Le Príncipe Espérance” [[iv]], a função utópica é estabelecida no conhecimento filosófico como pulsão imprescindível para a autoconservação, sendo a partir dessa compreensão que Ernst Bloch a classificará na extensão do desejo de ser mais bem aquinhoado, o qual resta em fato e necessariamente irrealizado no estado de atenção, base fenomenológica de toda a comunicação existencial. Haverá, pois, que distinguir, dentre as imagens simbólicas ideais, em que a sociologia estuda a moralidade ideológica, aquelas outras que, ultrapassando-as, devem ser compreendidas sobretudo como imagens-aspiração.

Vale dizer, se incluem nestas imagens-aspiração as imagens formadas de sonhos passados, as imagens diferenciadamente formadas pelo elemento onírico da arte que integram o ideal estético realista ou entelequial, sendo exatamente os sonhos passados que servem de critério da não-contemporaneidade.

Acresce que as formas passadas ou pré-capitalistas jamais tornaram em fatos realizados os conteúdos visados do solar, do solo, dos de-baixo, de sorte que esses focos do tradicional na cultura já guardam desde o começo a qualidade de intenções insatisfeitas.

Além disso, notando que estas intenções insatisfeitas passam ao longo da história por contradições veladas, Ernst Bloch as examinará desde a colocação em perspectiva filosófica, para além da psicologia representacional, tratando-as como conteúdos intencionais não ainda trazidos à luz do passado na realidade da cultura, o que o levará a definir o campo estético em eficácia como o concretamente utópico.

 

O exame das intenções insatisfeitas colocadas em perspectiva filosófica como conteúdos intencionais não ainda trazidos à luz do passado na realidade da cultura torna possível penetrar na psicologia fenomenológica do tradicional na modernização.

 

A partir dessa orientação dialética em profundidade torna-se possível, portanto penetrar na psicologia fenomenológica do tradicional. A análise crítica histórica descobrirá então o seguinte: (a) – foram extintos os deveres, os ramos da cultura e estado mental da antiga pequena burguesia; (b) – oculto sob essa extinção, o pequeno homem se ressente da falta de alguma coisa habitual, psíquica, móbil, e (c) – este algo habitual em falta não é uma coisa somente econômica, mas é uma carência profunda que no seu ser ele opõe ao tempo do capitalismo.

Entrementes, a análise passa a um grau maior de complexidade ante a constatação de uma coincidência na afirmação deste opor ou contrapor em o ser do pequeno homem ao tempo mesmo do capitalismo.

Ou seja, o opor dessa ausência ressentida é afirmada desde o âmbito interior do sujeito em feição apática e morna, enquanto no âmbito da vida exterior é afirmada junto com os vestígios estranhos inseridos no tempo presente do capitalismo, é afirmada coincidentemente com os vestígios dos tempos antigos pré-capitalistas que restaram.

Daí, dessa coincidência complexa, decorrem certas características da psicologia fenomenológica do tradicional, como psicologia em ausência de móbil, que configuram as características essenciais do campo estético.

Trata-se, portanto, do estado existencial desprovido de significações prévias a que Ernst Bloch refere a “realidade aberta da cultura” em sua efetividade.

A potência dessa psicologia coletiva em ausência de móbil deve ser interpretada a partir dos rastros e das lacunas de certa expressão romântica notada em certas formas literárias [[v]]. Deve ser interpretada tomando por base a constatação de que a pequena burguesia tradicional embeleza no presente do capitalismo o passado cultural: ela opõe a tal presente suas antigas aspirações não realizadas misturadas ao melhor relativo do passado. Esse embelezar estético do passado tem um componente trágico que, todavia, é concretamente utópico. Componente este que não é limitado ao fato de que o melhor relativo embelezado são os aspectos das formas pré-capitalistas cujos vestígios estão ultrapassados no presente do capitalismo em modernização.

Por esta via, o componente trágico no embelezar do passado que é também um componente concretamente utópico, põe em relevo o modo do opor do pequeno homem como sendo um modo não-contemporâneo, porque se trata de um opor afirmado em face de um tempo presente no qual até mesmo a última satisfação também desapareceu [[vi]].

Tal o concretamente utópico que define o campo estético em eficácia diferenciado no âmbito das superestruturas ao século XX para as regiões mais enraizadas no medievo, como a Alemanha.

 

A Análise Dialética do Tradicional

 

 

►Desta forma, enfatizando que o legado do passado dentro do processus histórico como matéria das contradições contemporâneas não pode ser adequadamente contemplado caso o enfoque seja limitado ao capitalismo como ao presente em seu estágio último, a reflexão filosófica de Ernst Bloch acentua por contra o elemento positivo que as negatividades reificadas comportam.

Quer dizer, a matéria das contradições contemporâneas não é somente a matéria das forças produtivas muito presentes ou desencadeadas com a modernização, mas é também a negatividade extrema de tal situação: é o homem ou o proletário alienado, é o trabalho alienado, é o fetiche da mercadoria, em suma é a inconsistência do nada, o vazio.

Diz-nos que esse elemento positivo se encontra no interior da contradição contemporânea e de sua matéria, no interior das negatividades reificadas e se apresenta sob a forma de alguma coisa que falta, se apresenta em fato como a aspiração ao homem completo, ao trabalho não alienado, ao paraíso terrestre.

Há, pois que distinguir na análise do tradicional como positividade outra matéria diferenciada: a matéria de uma contradição que se rebela a partir de forças produtivas absolutamente não-desencadeadas: que se rebela a partir de conteúdos intencionais de uma espécie que permanece sempre não-contemporânea [[vii]].

Nesse estudo se distingue de início uma universalidade velada, com a qual a espécie que permanece sempre não-contemporânea é em contato: é o elemento subversivo e utópico do homem, da vida, que não foi satisfeito em época alguma, o qual, no realismo estético de Ernst Bloch, será apreciado como o elemento postulativo propriamente histórico-filosófico.

Em seguida se nota que a positividade da espécie não-contemporânea é também em contato com as positividades que foram evocadas muito cedo contra o capitalismo como formas e elementos de uma matéria antiga. Tratando-se em realidade de conteúdos intencionais, essas positividades precoces serão apreciadas como momentos da contradição não-contemporânea, seguintes: (a) – os elementos positivos da burguesia revolucionária, dentre os quais a natureza arcadiana, simbólico-bucólica, de Rousseau; (b) – os elementos positivos misturados de elementos da Restauração; (c) – os elementos misturados de abdicação da revolução, classificados “ilusões de um passado não posto em dia” como o Moyen Âge do romantismo, incluindo neste, “o renascimento de um mundo hierarquizado em feição qualitativa e orgânica a partir dos espaços vazios”.

 

***

 

 

O fundamento da contradição não-contemporânea é o conto irrealizado do bom velho tempo, o mito literário, a lenda fabulosa mantida sem solução do velho ser obscuro da natureza. Nessa lenda fabulosa se encontra um passado não superado desde o ponto de vista do desenvolvimento das oposições econômicas, mas sob o aspecto material também é um passado que não foi ainda dignificado como passado.

 

 

Nesse aprofundamento do concretamente utópico, os momentos da contradição não-contemporânea já estão suscitados na vida do elemento que não foi satisfeito em época alguma e também já o estão na totalidade com vários níveis de realidade histórica ou de passado.

Quer dizer, essa vida da espécie que permanece sempre não-contemporânea e essa totalidade múltipla com a qual é em contato configuram o marco de onde se tira a matéria autêntica que: (a) – se opõe à alienação e que (b) – inspira, seja favorecendo o lado das forças da nova sociedade ou contemplando outros lados, o que Ernst Bloch classifica “o bravio de tornar in-domesticado” (no sentido da figura do “bom selvagem”, de Montaigne a Diderot; daquele que se esquiva de relacionar-se com os homens e se apraz em viver sozinho e retirado). Mais ainda: o bravio do agarramento ao espaço, o bravio da natureza dionisíaca (extasiante, inspiradora, entusiasmante) e arcadiana embrulhadora (ou metamorfoseante).

Em poucas palavras: na história literária da humanidade, as modalidades do bravio em tornar in-domesticado valem nessa filosofia estética histórico-crítica como manifestações da vida da espécie não-contemporânea. Desta forma, se classifica essa vida utópica e essa totalidade múltipla (a) – como espécie humana sob o aspecto da criatura que não foi saciada (inclusive em sua aspiração); (b) – como a advertência profética e o testemunho de esferas (no sentido do conhecimento místico-simbólico) que, acentuando o alcance postulativo da matéria, exigem da própria reflexão filosófico-sociológica, na medida em que é uma reflexão desenvolvendo-se no âmbito do capitalismo, a formulação em termos do problema dessa totalidade com vários níveis de tempos passados.

Note-se que Ernst Bloch ele próprio oferecerá em seu realismo estético uma formulação inicial dessa totalidade com vários níveis de tempos passados. Trata-se de uma formulação que (a) – ultrapassa o cálculo abstrato e reducionista inerente ao capitalismo bem como ultrapassa a orientação em metade racionalista que lhe corresponde também; (b) – desenvolve uma orientação ascética a respeito das exigências da “natureza fabulosa”, tomada esta como não passando de um museu de todos os enigmas sem solução, o que levará nosso autor ao ideal estético realista.

Segundo Ernst Bloch como já o notamos o problema metodológico alcançando o modo de produção capitalista, o problema do legado do passado dentro do processus histórico não pode ser adequadamente apreciado caso a reflexão filosófico-sociológica se limite ao capitalismo como ao presente em seu estágio último. O fundamento da contradição não-contemporânea é o conto irrealizado do bom velho tempo, o mito literário, a lenda fabulosa mantida sem solução do velho ser obscuro da natureza. Nessa lenda fabulosa se encontra um passado não superado desde o ponto de vista do desenvolvimento das oposições econômicas, mas sob o aspecto material também é um passado que não foi ainda dignificado como passado [[viii]].

 

 

Conclusão

 

Na literatura de avant-garde encontram-se motivos artísticos recorrentes que não somente procedem da ambiência tradicional, mas que, confluindo justamente com a reflexão de Ernst Bloch, são tirados da própria história das heresias, como o é ademais a assinalada tentativa sonhada de Joyce.

 

 

 

Sem dúvida é através da história das heresias que se desvela em cor de realidade (isto é, em modo não discursivo) o caráter postulativo, ascético do ambiente tradicional mais enraizado no medievo.

Há que mencionar inclusive a relevância na morfologia social da forma gótica, sua persistência como significação prática efetiva na vida rural através do feitio dos objetos, móveis e mansões. Entretanto, com a história das heresias, em modo muito mais profundo do que um nível cristalizado e estático que apenas simboliza a fixação do apego místico ao solo e à mansão, a análise do tradicional põe em relevo que se trata da própria configuração dinâmica da ambiência coletiva como um todo, se trata da marcha do gótico tardio caracterizando com a cor da realidade todo o complexo cultural insurgente dos séculos XV e XVI.

Observação esta tanto mais relevante quanto se põe em relevo a outra face da Renascença, da qual Ernst Bloch dirá ser não a face mais conhecida das musas, do lirismo e versificação, mas a outra face que é orientada no sentido do milenarismo desde Joaquim Di Fiori nos séculos XI e XII até Eckardt, Thomas Münzer, Paracelso, Jacob Boheme. Será esse gótico tardio em marcha que definirá o quadro de referência como incluindo a efervescência dos setores sociais e a rebeldia das massas, e delimitará o campo de percepção dos temas, sobretudo a Guerra dos Camponeses, o movimento iconoclasta (incluindo o anabatismo e os predicadores ambulantes), o espiritualismo (incluindo o visionarismo astrológico e o milenarismo).

 

Compreendendo as exaltações visionárias e o milenarismo como crença coletiva real, o gótico tardio (séculos XV e XVI) é o fenômeno cultural da ambiência tradicional mais enraizada no medievo, do qual se receberá a profundidade do sentimento, passado pela realidade estética da cultura.

 

 

Finalmente, para encerrar, note-se que a compreensão do milenarismo em filosofia da arte decorre do ideal estético realista em obra (o evoluir autônomo da eficiente interveniência de conteúdos culturais e religiosos) e que esta compreensão por este ideal entelequial [[ix]] será confirmada e será recorrente em várias passagens textuais do estudo por nosso autor sobre o teólogo milenarista Thomaz Munzer, lá onde se trata de sublimação ou sedução.

Ensina Ernst Bloch (a) – que o milenarismo se faz de afeições, sonhos (o onírico in-dormido), emoções sérias e puras, entusiasmos projetados para um fim; (b) – que estas manifestações não decaem, mas contribuem para dar cor de realidade a um largo período da história e da vida social; (c) – que tais estados são provenientes de um ponto original criador e determinador de valores que há na alma humana; (d) – que tais estados mantêm em todo o tempo como assunto de permanente atualidade a orientação em profundidade do Século XVI, isto é o milenarismo, afirmado tanto na chamada guerra dos camponeses quanto no movimento anabatista como vertentes da marcha do gótico tardio, fenômeno cultural do qual se receberá a profundidade do sentimento passado pela realidade da cultura.

Ensina ainda Ernst Bloch que, nesse caso das insurgências campesinas, do movimento iconoclasta e do espiritualismo, ademais dos elementos do desencadeamento e do conteúdo do conflito que são de ordem econômica, há que considerar justamente o elemento essencial originário em si mesmo, a saber: o retorno do mais antigo sonho; o maior espocar para todo o tempo da história das heresias; o êxtases do caminhar erguido e da impaciente, rebelde e severa vontade de paraíso [[x]].

 

***

ANEXO

 

Literatura, Cinema e Arte de avant-garde.

Cronologia Resumida

 

1905 –

Die Brücke (A Ponte) Exposições dos artistas expressionistas de Dresde, Alemanha.

1911

Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul) Exposições dos artistas expressionistas de Munique, Alemanha.

1913

Marcel Proust (1871-1922): Du côté de chez Swann (1913 e 1917).

1915

Franz Kafka (1883-1924): Die Verwandlung (A Metamorfose).

1918

Marcel Proust: À l’ombre des jeunes filles en fleurs.

Ernst Bloch (1885 -1977): Geist der Utopie (Espírito da Utopia)

1919

Franz Kafka: In der Strafkolonie (A Colônia Penal).

Ernst Lubitsch (1892- 1947): Die Puppe (La poupée), filme expressionista.

Robert Wiene (1873-1938): Das Kabinett des Doktor Caligari (Le Cabinet du docteur Caligari), filme expressionista.

1921

Marcel Proust: Le Côté de Guermantes;

Ernst Bloch: Thomas Münzer als Theologe der Revolution (Thomas Münzer, Teólogo de la Revolución).

1922

F.W. Murnau (1888 – 1931): Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (Nosferatu: Sinfonia do Horror) filme expressionista;

James Joyce (1882 – 1941): Ulysses.

1924

Thomas Mann (1875- 1955): Der Zauberberg (A Montanha Mágica).

1925

Franz Kafka: Der Prozeß (O Processo), publicação Póstuma.

1926

Franz Kafka: Das Schloß (O Castelo), publicação Póstuma.

Fritz Lang (1890 – 1976): Metrópolis, filme expressionista.

1928

Marcel Proust: Le temps Retrouvé, publicação póstuma.

1935 –

Ernst Bloch: Erbschaft dieser Zeit (Héritage de ce Temps).

1936 –

Walter Benjamin (1892-1940): L’oeuvre d’art à l’époque de sa reproduction mécanisée (Écrits français).

 

OBS. Embora não seja considerado um romancista crítico, sabe-se que o tema central da literatura de avant-garde influente nos anos sessenta (incluindo desde o romance da angústia diante de um mundo absurdo e incompreensível, expressado em Kafka, passando por La Nausée, de Sartre ou L’Étranger, de Camus, até Ionesco, Beckett, Nathalie Sarraute, Marguerite Duras, Robbe-Grillet), isto é, o tema da ausência, tem origem em Marcel Proust, cuja obra literária guarda um fragmento exemplar do que se tornou posteriormente o conteúdo essencial da literatura de avant-garde, a saber: um trecho da Primeira Parte (Combray) de Du Côté de chez Swann. Cf Goldmann, Lucien: (a) Pour une Sociologie du Roman, Paris, Gallimard, 1964, 238 págs; (b) Structures Mentales et Création Culturelle , Paris, Anthropos, 1970. Daí o destaque para Proust nesta Cronologia Resumida.

 

 

NOTAS DE FIM

[i] Para o humano vivente neste mundo histórico a atitude estoica (ascética) é inacessível fora da crítica social. A ataraxia não é preferência por um modo de vida alternativo, mas é uma descoberta.

[ii] Em seu livro sobre a arte na Grécia clássica, intitulado “O Nascimento da Tragédia”, contrastando-o com Apolo, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche considerou Dionísio como símbolo da força vital básica e incontrolada (criação) em face do mundo da Razão, ordem e beleza representado por Apolo. O contraste entre os papeis destas duas divindades do Olimpo deu lugar aos adjetivos apolíneo e dionisíaco.

[iii] Ver a bela Página da Beatrix < http://www.beatrix.pro.br/> pesquisada nos inícios de Outubro/06.

[iv] Bloch, Ernst: Das Prinzip Hoffnung, 3 vol., Berlin 1954/1955/1959. Tradução francesa Le Principe espérance, vol. 1, Paris, Gallimard, “Bibliothèque de philosophie”, 1976.

[v] Como se sabe, o artista romântico é muito interessado pelo Tempo, tem consciência da importância da recordação na inspiração, mostrando-se, porém, inclinado a sensacionalizar pela memória espacializada as evocações do Eu.

[vi] Cf. Bloch, Ernst: Héritage de ce Temps (Erbschaft dieser Zeit, Zürich, 1935), tradução de Jean Lacoste, Paris, Payot, 1978, 390 pp. Ver pág 108.

[vii] Cf. Bloch, Ernst: Héritage de ce Temps, op. cit, pp.111.

[viii] Cf. Bloch, Ernst: Héritage de ce Temps, op. cit, pp.112.

[ix] Entelequial no sentido de que o ideal estético em obra cria dependências, correlações, estímulos relacionados à sublimação.

[x] Ver Bloch, Ernst: Thomas Münzer, Teólogo de la Revolución, op. cit.págs.67, 68.

 

 

Artigo elaborado entre 2007-2009, modificado em Setembro de 2014 e incluído no ebook O Tradicional na Modernização:

Leituras sobre Ernst Bloch (Artigos de sociologia e história) – Segunda Edição aperfeiçoada, em vias de publicação por Bubok publishing

Link: http://www.bubok.es/autores/carlusmagn

 

 

FIM

Websitio Produção Leituras do Século XX – PLSV:

Literatura Digital

http://www.leiturasjlumierautor.pro.br

SSF/RIO: A Tecnificação e o imaginário psicologista do individualismo

In dialectics, history, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on June 3, 2014 at 6:16 pm

A Tecnificação e o imaginário psicologista do individualismo.

 

A Tecnificação e o imaginário psicologista do individualismo

Por

Jacob (J.) Lumier

 

Há na literatura sociológica uma noção extensiva de tecnificação aplicada para designar o aprofundamento na utilização das técnicas mecanizadas no mundo do trabalho.

Desta forma, agrupam-se sob o termo tecnificação várias alterações com características diferentes, seguintes:

(a) – as mudanças que incidem sobre a força de trabalho, assinalando o surgimento de inúmeras especializações e funções anteriormente inexistentes, surgidas com as novas exigências de qualificação profissional que superam os parâmetros antes validados pelo fordismo/toyotismo, requisitando trabalhadores flexíveis em sua formação e atuação nas empresas, procurando-se valorizar o desenvolvimento de competências técnicas, culturais e sociais;

(b) – as mudanças que incidem sobre os atributos técnicos para o desenvolvimento dos processos produtivos, notando que os segmentos industriais ou de serviços passam a necessitar trabalhadores capacitados para exercer funções diversificadas no ambiente laboral com agilidade no domínio das tecnologias de ponta, destreza para manusear máquinas e equipamentos sofisticados;

(c) – as que incidem sobre a capacidade intelectual para dominar os procedimentos de gerenciamento desenvolvidos pelos novos programas de qualidade e melhoramento dos processos de produção.

Em realidade, o que interessa mais de perto ao sociólogo como profissional atuante sobre a tensão do plano organizado e do espontaneismo social é a crítica à tecnificação dos “controles” ou propriamente regulamentações sociais (estatuídas ou não). Isto é, frequentemente a tecnificação do saber no mundo da produção decorre da intervenção dos novos programas de melhoramento sobre os procedimentos de coordenação e gerenciamento.

Neste sentido, embora pressupondo a subordinação às máquinas que acompanha a introdução, o desenvolvimento pelo fordismo e o taylorismo, e o aprofundamento das técnicas mecanizadas nas fábricas (inclusive com o concurso de tecnologias eletrônicas), a tecnificação em sentido estrito é diferenciada como certa maneira de manipular o conhecimento socialmente efetivo: é a tecnificação do saber como “controle” ou regulamentação social – Ver meu artigo O Saber como ControleSocialteclando aqui.

 

Ou seja, a tecnificação dos controles que atinge as relações humanas nas organizações, sobretudo visa desmontar as sintaxes existentes para impor os esquemas previamente definidos.

Portanto, o que o sociólogo põe em questão é a primazia lógica na concepção e no modo de intervenção dos programas de melhoramento. O que conta não é o conteúdo desses programas em seus propósitos ideológicos, não são as representações de modelos organizacionais idealizados que os inspiram sob a forma de presumidas teorias administrativas.

Há, nos mesmos, um desejo de manipular o conhecimento já aplicado nas sintaxes em vigor social, em uso nas ambiências onde as práticas gerenciais se desenvolveram e foram assimiladas no histórico dos planejamentos (como acervo de procedimentos).

Daí, nos programas de melhoramento, por sua vez, a relevância das pesquisas ou dos levantamentos de informações como ferramentas para a tecnificação do saber e a consequente imposição de esquemas prévios, no molde dos formulários que intervêm sobre a compreensão das funções (atribuições, tarefas, hierarquias), exigindo do grupo a submissão aos mapeamentos previamente definidos e muitas vezes estranhos aos vocabulários operativos em uso.

O que caracteriza esses programas é que são aplicados não só como intervenções exógenas e de cima para baixo, mas é o fato de que os mesmos deixam de lado a possibilidade de vincular suas intervenções ao desenvolvimento espontâneo das expectativas.

Como sabe o sociólogo, a possibilidade de integrar um programa de melhoramento ao desenvolvimento espontâneo é assegurada graças ao fato comprovado em sociologia de que as expectativas ligam-se ao esforço coletivo antes de se ligarem aos papéis sociais, no caso, ligam-se ao histórico dos planejamentos .

Ao desprezarem esse conhecimento sociológico, os tecnocratas aplicadores dos programas de melhoramento procedem à imposição de esquemas prévios.

►Mas não é tudo. Em sociologia os posicionamentos criticados devem ser tratados igualmente como fatos sociais. Desta sorte, se os programas de melhoramento impositivos desfavorecem a sociabilidade humana, têm caráter tecnocrático e aplicam esquemas previamente concebidos (tirados que sejam de alguma “teoria de administração”) é porque em tais aplicações encontra-se projetada a mentalidade (burocrática) subjacente às condutas preestabelecidas, impostas nos regulamentos e hierarquias estatuídas dos aparelhos organizados.

Nessa mentalidade conformada ao que é preestabelecido tem-se uma falsa compreensão das relações humanas e, ao invés de percebidos como integrantes de um Nosotros, os outros são reduzidos ao imaginário psicologista. Daí a pouca relevância atribuída às experiências efetivas que o grupo acumulou, deixando-se como negligenciáveis juntamente com a sintaxe existente o mencionado histórico (acervo) de suas práticas, de seus modelos e seus procedimentos anteriormente desenvolvidos na organização produtiva (em vigor na sintaxe existente).

Portanto, aplicam-se aqui as observações tiradas da fórmula filosófica atribuída a Cícero que o notável sociólogo C. Wright Mills comenta diferenciando um imaginário psicologista, por sua vez descrito como interação mais ou menos lúdica de três pessoas (Cf. C.Wright e Gerth, Hans: Caráter e estrutura social: a psicologia das instituições sociais, tradução Zwinglio Dias, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1973, 508 págs).

Quer dizer, na mentalidade conformada, que se resigna à imposição das condutas preestabelecidas, as relações humanas são vistas pelo filtro de tal imaginário psicologista e podem ser resumidas em um jogo individualista e atomizante em que três imagens pessoais recobrem a realidade social, a saber: a “pessoa” que alguém “pensa” ou se representa que é, a que os outros “pensam” que ele é, a que julga ou supõe que os outros “pensam” que ele seja. Todo o domínio da psicologia individualista se resume neste imaginário interpessoal feito de avaliações arbitradas nas preferências subjetivas ou veleidades projetadas sobre os outros e, igualmente, feito de auto-avaliações que apenas refletem o caráter preestabelecido das regulamentações e das condutas hierarquizadas dos aparelhos.

Teorizado ou não, trata-se de um imaginário frequentemente supervalorizado nas técnicas utilizadas nos treinamentos corporativos, incluindo os psicodramas ou sociodramas (concebidos na sociometria de J. L. Moreno).

Indiferente à realidade social que esconde de si, nesse imaginário psicologista a consciência mantém-se mais ou menos fechada sobre si, com tendência à introspecção, lança imagens ao exterior de onde as recebe, de tal sorte que essa perpétua interação de auto-imagens entre indivíduos atomizados gira como uma condenação, isto é, diretamente centrada na ansiedade da natureza humana, aquém de toda a aspiração coletiva.

  1. – Retornando à orientação do sociólogo e valorizando o conhecimento de que as expectativas ligam-se ao esforço coletivo antes de se ligarem aos papéis sociais, cabe repetir que o aproveitamento dohistórico dos planejamentos adquire então alta relevância. Tanto mais que, no sentido abrangente deste termo, como sintaxe social, são incluídos os mapas das coordenações setoriais, os mapas estratégicos dos departamentos, as formulações de missões e objetivos da empresa, enfim todos os instrumentos de controle operativo das funções nos mais diversos níveis de uma organização produtiva.

O sociólogo se opõe à tecnificação do saber repelindo o caráter prévio e a-priori concebidos dos esquemas aplicados naqueles programas impositivos de melhoramento. Portanto, são esquemas elaborados à revelia e a contrapelo da realidade social existente (que, disso consciente ou não, a tecnocracia deseja manipular). Tal é o estranhamento da pertença à sua realidade social daí decorrente, a perda de percepção dos temas coletivos reais (Nosotros, grupos, classes, sociedades) tornada a ambiência coletiva não só indiferente, mas insignificante, ensejando daí igualmente uma situação nociva à vida social e às relações humanas que o sociólogo busca evitar, sanear e ultrapassar em vista de esquivar-se à sempre possível reificação da realidade social.

►Com efeito, Berger e Luckmann nos mostram que os universos simbólicos são passíveis de cristalização segundo processos de “objetivação, sedimentação e acumulação do conhecimento”. Levam a um mundo de produtos teóricos que, todavia, não perde suas raízes no mundo humano, de tal sorte que os universos simbólicos se definem como produtos sociais que têm uma história.

Desse modo, se quisermos entender o significado dos produtos teóricos temos de entender a história da sua produção, em termos de objetivação, sedimentação e acumulação do conhecimento. Isto é viável se tiver em conta que, em face da cristalização dos simbolos, a “função nômica” do próprio universo simbólico põe cada coisa em seu lugar certo, permitindo ao indivíduo retornar à realidade da vida cotidiana.

Nas objetivações em que as teorias são observadas com a função nômica pergunta-se até que ponto uma ordem institucional ou alguma parte dela é apreendida como uma faticidade não-humana, sendo essa a questão da reificação da realidade social.

Trata-se de saber se em uma situação com hierarquia organizacional e condutas cristalizadas o homem ainda conserva a noção de que, embora objetivado, o mundo social foi feito pelos homens e, portanto, pode ser refeito por eles. É a reificação como grau extremo do processo de objetivação, extremo esse no qual o mundo objetivado perde a inteligibilidade e se fixa como uma faticidade inerte. Os significados humanos são tidos, então, em opacidade, como produtos da natureza das coisas.

Deve-se ter em conta que a reificação é possível no nível pré-teórico e no nível teórico da consciência: os sistemas teóricos complexos podem ser descritos como reificações, embora presumivelmente tenham suas raízes em reificações pré-teóricas – a reificação existe na consciência do homem da rua e não deve ser limitada às construções dos intelectuais. Tal a dialética interligando a sociologia do conhecimento e a psicologia coletiva.

Em relação ao aspecto moral, admite-se que seria um engano considerar a reificação como uma perversão de uma apreensão do mundo social originariamente não-reificada: a apreensão original do mundo social é consideravelmente reificada, tanto em nível formativo da linguagem quanto da realidade.

Em contrapartida, prosseguem Berger e Luckmann, a apreensão da própria reificação como modalidade da consciência depende de uma desreificação ao menos relativa da consciência, exigência sociológica esta que é um acontecimento comparativamente tardio.

Completando seu esquema de análise em intenção da intervenção do sociólogo, os autores mencionados notam que as instituições podem ser apreendidas em termos reificados quando se lhes outorga um status ontológico independente da atividade e da significação humanas. Quer dizer, através da reificação o mundo das instituições parece fundir-se com o mundo da natureza.

Da mesma maneira, os papéis sociais podem ser reificados e tornarem-se alheios ao reconhecimento, de tal sorte que o setor da autoconsciência que foi objetivado num papel é então também apreendido como uma fatalidade inevitável, podendo o indivíduo estranhado negar qualquer responsabilidade no círculo das suas relações (no sentido da identificação idiopática, afirmando a consciência do sujeito que identifica consigo próprio a Outrem ou a um Nosotros).

Quer dizer, a reificação dos papéis estreita a distância subjetiva que o indivíduo pode estabelecer entre si e o papel que desempenha. E os autores completam: a distância implicada em toda a objetivação se mantém, evidentemente, mas a distância subjetiva atingida vai se reduzindo até o ponto de desaparecer A conclusão é de que a análise da reificação serve de corretivo padrão para as tendências reificadoras do pensamento teórico em geral, e do pensamento sociológico em particular. Cf. Berger, Peter e Luckmann, Thomas: “A Construção Social da Realidade: tratado de sociologia do conhecimento”, trad. Floriano Fernandes, Rio de Janeiro, editora Vozes, 1978, 4ª edição, 247 págs. (1ª edição em Inglês, New York, 1966).

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Livro A Utopia do Saber Desencarnado

In dialectics, history, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on February 9, 2014 at 8:48 pm

capa utopia do saber desenc

Livro A Utopia do Saber Desencarnado: Bubok, 106 págs, Outubro 2013. Autor: Jacob (J.) Lumier Autor JLumier2012

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Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações-SemDerivados 3.0 Brasil.

No presente trabalho, se coloca em questão a desejada “liberação de toda a relação entre conhecimento e quadro social”, que não passa de um desvio conservadorista da sociologia do conhecimento, cujo objeto ao contrário disso acentua a variação do conhecimento em função dos quadros sociais. Nessa referência, se elabora uma análise e interpretação crítica da orientação de Karl Mannheim e se procede à desmontagem de seu hegelianismo. 

 

Para a leitura proveitosa desta obra A Utopia do Saber Desencarnado, devem notar que a mesma completa o Curso de Sociologia do Conhecimento – Texto 05 [ainda não publicado]. Pressupõe a leitura dos textos anteriores 01, 02, 03, já publicados por Bubok publishing.  Cabe lembrar que em todo o presente Curso de Sociologia do Conhecimento a elaboração é desenvolvida com base em materiais discutidos em obras anteriores do autor, que devem ser lidas para tirar o devido proveito deste “Curso”, seguintes: (a) “Comunicação e Sociologia” – Artigos Críticos, 2ª Edição modificada, Madrid, Bubok, Junho 2011, 143 págs.; (b) “Cultura e Consciência Coletiva – 2”, Junho 2009, e-book pdf 169 págs., e (c) “Psicologia e Sociologia”, Fevereiro de 2008, e-book PDF 158 págs., as duas últimas obras publicadas na Web da Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura – OEI .

Sumário

APRESENTAÇÃO: O DESVIO DE KARL MANNHEIM 7<br /> A UTOPIA DO SABER DESENCARNADO – 1 13<br /> CRÍTICA DA IDEOLOGIA E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 13<br /> Linhas para uma leitura crítica das orientações de Karl Mannheim 14<br /> Os intelectuais como mediação viva 14<br /> Os criadores de produtos ideológico-culturais 16<br /> A UTOPIA DO SABER DESENCARNADO – 2 19<br /> CIÊNCIA POLÍTICA, TECNOBUROCRACIA E ROMANTISMO EM KARL MANNHEIM. 19<br /> O comprometimento do pragmatismo. 20<br /> Hegelianismo e Teodiceia. 22<br /> A transposição do hegelianismo 25<br /> A paradoxal teodiceia de Hegel 27<br /> O sistema hegeliano e sua dialética mística 30<br /> A razão conservadora 31<br /> Hegel canoniza o existente 33<br /> A tendência específica da filosofia de Hegel 34<br /> A transposição de valores 37<br /> TEODICEIA E CONHECIMENTO EM MAX WEBER 43<br /> A necessidade racional de uma teodiceia 47<br /> Teodiceia e atitude revolucionária. 49<br /> Conclusão: a ficção do pleno saber 51<br /> IDEOLOGIA E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO – 1 53<br /> OS COEFICIENTES PRAGMÁTICOS DO CONHECIMENTO E OS LIMITES DA ABORDAGEM CONSERVADORA. 53<br /> Consciência sociológica 53<br /> Os continuadores de Karl Mannheim 58<br /> Quadro intelectual de visão do mundo 61<br /> Os quadros sociais reais do conhecimento 63<br /> Uma aplicação da concepção conservadorista do saber 66<br /> IDEOLOGIA E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO – 2 71<br /> A CONSCIÊNCIA MISTIFICADA 71<br /> Teoria multidisciplinar 71<br /> A ideologia burguesa 74<br /> A separação do trabalho intelectual 75<br /> Desigualdades sociais e justificações ideológicas 77<br /> Consciência mistificada e consciência burguesa 81<br /> PROBLEMA SOCIOLÓGICO DA IDEOLOGIA 87<br /> Dialética das alienações 91<br /> História e teodicéia 93<br /> NOTAS DE FIM 97 />

OBS. Uma versão preparatória dessa obra está publicada em Page nesta Web  sob o título “A Utopia do Saber Desencarnado, a Crítica da Ideologia e a Sociologia do Conhecimento“.