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Cultura e Função Simbólica: Observações sobre as análises filosófica e sociológica

In dialectics, history, laicidad, portuguese blogs, sociologia, twentieth century on November 17, 2014 at 10:27 am

 

Web sitio Leituras do século vinte

Cultura e Função Simbólica

Observações sobre as análises filosófica e sociológica

Artigo de sociologia

Por

Jacob (J.) Lumier

 

Websitio Leituras do Século XX

http://www.leiturasjlumierautor.pro.br

 

Rio de Janeiro, Novembro 2014

 

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Cultura e Função Simbólica: Observações sobre as análises filosófica e sociológica de Jacob (J.) Lumier está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://www.oei.es/cienciayuniversidad/spip.php?article388.
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 Resumo:

A compreensão da variabilidade suscita as análises filosófica e sociológica. Um símbolo humano genuíno se caracteriza não por sua uniformidade, mas por sua variabilidade: não é rígido ou inflexível, mas móvel. A função simbólica é inseparável do homem tomado coletiva ou individualmente, de tal sorte que os Eu, Nós-outros, grupos, classes sociais, sociedades globais são construtores inconscientes ou conscientes dos símbolos variados.

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  Apresentação

 Originariamente a esfera simbólica surge ligada às crenças no sobrenatural, religioso ou não. O conhecimento de que a maior parte dos símbolos adquiriu um caráter completamente racional, não tendo mais o aspecto místico original da esfera simbólica, foi conquistado por etapas nos tipos mais recentes de sociedade.

  • Sem embargo, é exagero sustentar que, do fato desse caráter racional adquirido através dos tipos de sociedade, torna-se válida a conclusão de que os símbolos se tornaram simples signos, simples indicativos da ação ou do comportamento: é exagerada a hipótese da “preponderância total dos signos”, com a consequente redução na intensidade do caráter que tem o símbolo de instrumento impulsionando para a participação direta no significado.
  • Nessa hipótese exagerada, acredita-se que os sistemas simbólicos engendram o sentido e o consenso em torno do sentido por meio de alguma lógica e se deixa de lado a pesquisa sociológica fundamental do sentido da esfera simbólica ela própria, como setor da realidade social, pesquisa indispensável para pôr em perspectiva o coeficiente humano e existencial do conhecimento, sem o que o problema da função simbólica resta superficial.
  • Para uma sociologia diferencial, é insuficiente concluir a análise na afirmação de que os sistemas simbólicos estão propensos por sua própria estrutura a servirem simultaneamente a funções de inclusão e exclusão, de associação e dissociação, de integração e distinção – às quais são atribuídas um alcance político. Isso não basta.
  • Certamente, o critério da linguagem como fato é reconhecido, mas, ao invés de acentuar como imprescindível e indispensável para a comunicação o fato sociológico da união prévia, o todo existente que torna possível a apreensão dos significados, tomam a linguagem como fato em si, por ela própria, sem condição prévia, em uma abordagem fora de lugar.
  • Nenhuma comunicação pode ter lugar fora do psiquismo coletivo, isso é básico, muito menos com criaturas lógicas, seres imaginados não-humanos. Toda a língua pressupõe um todo, uma união prévia viabilizando as significações.
  • Aliás, a apreensão da união prévia é reconhecida por sociólogos notáveis. Admitem que a sociedade tem necessidade não apenas de um “conformismo moral”, mas também de um mínimo de “conformismo lógico”, sem o qual não poderia subsistir. O primado é para a produção do sentido, que Durkheim vincularia a um entendimento entre os homens, a uma concepção homogênea do tempo, do espaço, da causa, do número, etc., como base prévia de todo o acordo viabilizando a vida em comum.

 

***

 

Sumário

Resumo. 4

Apresentação. 5

PRIMEIRA PARTE.. 8

A análise filosófica da função simbólica.. 8

Uma função de síntesis filosófica. 9

A rede simbólica. 11

Inteligência e imaginação simbólicas. 12

Função simbólica da linguagem.. 13

A função do pensamento simbólico. 14

Distinção entre realidade e possibilidade. 15

A arte e o descobrimento da realidade. 16

Universo de discurso independente. 18

SEGUNDA PARTE.. 21

A análise sociológica da esfera simbólica do mundo humano.. 21

A afinidade de realidade social e esfera simbólica. 21

A Classificação dos símbolos sociais. 23

Pluralismo da função simbólica. 24

O signo no símbolo. 25

Instrumento de participação. 27

Uma compreensão ampliada da função simbólica. 28

Notas de Fim.. 29o


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PRIMEIRA PARTE

A análise filosófica da função simbólica

A Função simbólica examinada como um vínculo geral do mundo da cultura.

 

A análise filosófica vem a ser orientada por um processus de simplificação da interpretação alegórica, em vista de descobrir um só objeto ou um só motivo simples que contenha e compreenda todos os demais.

 

Como se sabe, sendo um nível da realidade social, o mundo da cultura pode ser estudado sob seu aspecto simbólico, não só em sociologia, mas em filosofia.

Já vimos que a noção de cultura se refere ao mundo dos valores e ideais e que em sua autonomia relativa é estudado na sociologia das obras de civilização.

Já vimos igualmente que podemos utilizar a expressão sociologia da cultura para designar o ramo mais geral de estudo sociológico dos sinais, símbolos, ideias, valores e ideais, incluindo o estudo das suas diferenciações, combinações, hierarquias variáveis em função dos tipos sociais diversificados.

Entretanto, na análise filosófica a função que se toma em consideração se afirma em referência outra que não primordialmente os tipos construídos em sociologia.

Não predomina a missão voltada para pôr em relevo as correlações específicas entre as obras de civilização e os quadros sociais, visando explicar a eficácia do direito, do conhecimento, da moral, da arte, da religião, da educação como setores diferenciados na colagem da estruturação da realidade social.

Uma função de síntesis filosófica

Antes disso, o que se busca na análise filosófica será no dizer de Ernst Cassirer não uma unidade de efeitos, mas uma unidade do processus criador.

Todavia, o ponto de partida especulativo não aparece orientado como em sociologia, por uma conjectura apenas descritiva e não significante.

A busca do processus criador em análise filosófica compreende uma intenção afirmativa ou até confirmativa, admitindo-se que, se o termo humanidade tem alguma significação apesar das diferenças e oposições entre as formas simbólicas, estas são chamadas a atender um fim comum, de tal sorte que será possível fazê-las convergir em um foco comum de pensamento.

  • Desta maneira, embora sob o aspecto interpretativo individual e conceitualista não seja exagerado comparar a análise filosófica ao culturalismo, devemos comentá-la sob outro aspecto, pelo enfoque do realismo, que põe em perspectiva a união prévia que a linguagem humana pressupõe, fazendo notar a vertente fenomenológica da análise filosófica.

Com efeito, em relação à realidade social, a análise filosófica acentua a autonomia da esfera da cultura referindo-a antes ao pensamento sob as seguintes orientações: (a) – em sentido especulativo, como intenção para algo não inteiramente idêntico, e (b) – notadamente como atividade penetrada e envolvida na subjetividade individual (aspiração aos valores).

Daí que a função tomada em consideração seja uma função de síntesis filosófica, chamada a incluir a função simbólica e tomada como constitutiva da função geral do mundo da cultura, de tal sorte que permita tratar o mito, a religião, a arte, a linguagem e até a ciência como variações de um mesmo tema [i].

Deste ponto de vista, a análise filosófica vem a ser orientada por um processus de simplificação da interpretação alegórica [ii], em vista de descobrir um só objeto ou um só motivo simples que contenha e compreenda todos os demais.

 

O homem não pode mais enfrentar-se com a realidade em modo imediato, mas, por efeito desse elemento intermédio que é sua descoberta, a realidade física lhe aparece envolta em formas lingüísticas, em imagens artísticas, em símbolos míticos ou religiosos, de tal sorte que não pode ver nem conhecer coisa alguma senão através da interposição desse meio artificial.

 

No dizer de Cassirer o sistema das atividades humanas se resolve na obra do homem, cujo círculo de humanidade encontra na linguagem, no mito, religião, arte, ciência e na história os elementos constitutivos: tal é a concepção de filosofia do homem que orienta previamente a análise filosófica da função simbólica, tomada como um vínculo geral do mundo da cultura.

O sistema simbólico se define na referência do mundo humano e na análise das respostas humanas, tomadas em relação a certos motores representados como estímulos externos.

O esquema da análise filosófica é feito em comparação ao processus de adaptação dos organismos biológicos ao seu ambiente.

Se cada organismo se acha coordenado ao seu ambiente é porque há cooperação e equilíbrio dos sistemas de recebimento dos estímulos externos e de reação ante os mesmos.

Sem embargo, no tocante ao mundo humano há uma diferença específica posta na descoberta de um novo método para adaptar-se ao seu ambiente, método diferencial este que aparece como intermediário entre a recepção dos estímulos externos e a reação ante os mesmos e que, todavia, transforma a totalidade da vida humana, constituindo desse modo uma nova dimensão da realidade.

Quer dizer, na realidade do mundo humano a resposta é demorada, é interrompida e retardada por um processus lento e complexo de pensamento intermediado.

Cassirer entende essa diferença específica das respostas humanas como reversão da ordem natural: o homem já não pode escapar desse universo simbólico, desse processo lento e complicado de pensamento a transformar a totalidade da vida humana.

Dito com outras palavras, o homem não pode mais enfrentar-se com a realidade em modo imediato, mas, por efeito desse elemento intermédio que é sua descoberta, a realidade física lhe aparece envolta em formas linguísticas, em imagens artísticas, em símbolos míticos ou religiosos, de tal sorte que não pode ver nem conhecer coisa alguma senão através da interposição desse meio artificial.

 

A rede simbólica

O critério do progresso no pensamento e na experiência se descobre na configuração de uma rede simbólica, que se reforça e se torna mais refinada em função do próprio progresso no pensamento e na experiência.

  • Todavia, além da descoberta, Cassirer não se formula a questão de saber como esse meio artificial vem a ser um meio interposto entre a recepção dos estímulos externos e a reação ante os mesmos, mas aprecia tão somente o efeito dessa interposição descoberta, que é afirmação do universo simbólico: a configuração de uma rede simbólica, que se reforça e se torna mais refinada em função do progresso no pensamento e na experiência, aliás, é o critério mesmo desse progresso. Daí sua diferença especifica.

Onde há progresso no pensamento, há reforço dessa rede simbólica tecendo a linguagem, a arte, o mito e a religião sem se confundir a esses, em conjunto ou separadamente.

A rede simbólica é, pois, a trama complexa da experiência humana, trama formada exatamente pela linguagem, a arte, o mito, a religião. Desta sorte, se afirma que a realidade física parece retroceder na mesma proporção em que avança a atividade simbólica do homem.

Todavia, em face dessa análise Cassirer sublinha que a racionalidade é um traço inerente a todas as atividades humanas, seu imperativo ético fundamental, que pode ser observado na mitologia, na linguagem, na religião pelo que estas se afirmam como formas da vida cultural humana em toda a sua riqueza e diversidade, isto é, se afirmam como formas simbólicas nas quais se compreendem os caminhos da civilização.

Inteligência e imaginação simbólicas

Deste modo, visando esclarecer a configuração do simbolismo da linguagem humana, a análise filosófica busca estabelecer o conceito de inteligência e imaginação simbólicas.

Toma como ponto de partida a distinção entre signos e símbolos. Raciocina à maneira clássica por contraste com a suposição usual de um mundo de natureza animal a partir da seguinte imagem: se, na “conduta animal” há um complexo sistema de signos e sinais, constata-se uma distância imensa destes fenômenos à inteligência da linguagem simbólica e humana.

Quer dizer, os famosos experimentos do behaviorista Pavlov e todos os fenômenos descritos comumente como reflexos condicionados não só estão muito longe como estão em oposição ao caráter essencial do pensamento simbólico humano.

Sinais e símbolos correspondem a dois universos diferentes do discurso: um sinal é uma parte do mundo físico do ser, enquanto um símbolo é uma parte do mundo humano do sentido.

Os sinais são operadores, os símbolos são designadores. Mesmo sendo entendidos e utilizados como tais, os sinais possuem uma espécie de ser físico ou substancial, os símbolos possuem unicamente um valor funcional.

Para esclarecer sobre a transição, na psyché individual, de uma imaginação e inteligência práticas para uma inteligência e imaginação simbólicas, Cassirer nota a ultrapassagem dos métodos usuais de observação psicológica, sublinhando que a visão do caráter geral e da importância extraordinária dessa transição se alcança observando a realização da própria natureza.

Quer dizer, o fato de uma criatura aprender a combinar certa coisa ou evento com certo signo do alfabeto manual, ou que se tenha estabelecido uma associação fixa entre essas coisas e certas impressões tácteis, ainda que se repitam e ampliem, não implicam a inteligência do que é e do que significa a linguagem humana.

 

 Função simbólica da linguagem

 Um símbolo humano genuíno se caracteriza não por sua uniformidade, mas por sua variabilidade: não é rígido ou inflexível, mas móvel.

 

  • Segundo Cassirer, para chegar à inteligência da linguagem humana a criatura tem que fazer um descobrimento novo muito mais importante do que a mera associação entre certas coisas e certas impressões tácteis. Tem que compreender que cada coisa tem um nome, que a função simbólica não se acha restrita a casos particulares, mas constitui um princípio de aplicabilidade universal que abrange todo o campo do pensamento humano.

Essa compreensão do simbolismo da linguagem humana pode se produzir como um choque súbito favorecido pela natureza. Quer dizer, o princípio do simbolismo constitui a chave que dá acesso ao mundo especificamente humano, o mundo da cultura, e uma vez que o homem se acha em posse dessa chave está assegurado o progresso ulterior. Por isso, o progresso no pensamento não pode ser obstruído nem impossibilitado por lacuna alguma do material sensível.

Desde o ponto de vista da análise filosófica a cultura deriva seu caráter específico e seu valor intelectual e moral não do material que a compõe, não de impressões sensíveis originais, mas de sua forma, de sua estrutura arquitetônica a qual pode ser expressa com qualquer material sensível. O livre desenvolvimento do pensamento simbólico e da expressão simbólica não se acha obstruído pelo mero emprego de signos tácteis em lugar dos signos verbais. No reino da linguagem, sua função simbólica geral é a que vivifica os signos materiais e os faz falar. Sem esse princípio vivificador o mundo humano seria surdo e mudo.

Ao lado da aplicabilidade universal devida ao fato de que cada coisa tem um nome, a outra característica da função simbólica é o caráter extremamente variável dos símbolos, que podem expressar o mesmo sentido em idiomas diferentes, assim como – nos limites de um mesmo idioma – uma mesma ideia ou pensamento pode ser expressa em termos diferentes. Um símbolo humano genuíno se caracteriza não por sua uniformidade, mas por sua variabilidade: não é rígido ou inflexível, mas móvel. O dar-se conta dessa mobilidade é uma conquista tardia no desenvolvimento intelectual e cultural do homem e será afirmado no pensamento reflexivo.

 

A função do pensamento simbólico

A moderna teoria da Gestalt já mostrou como o processo perceptivo mais simples implica elementos estruturais fundamentais que antecipam a capacidade do homem para isolar relações ou considerá-las em sentido abstrato.

  • Do ponto de vista da dependência em que se acha o pensamento relacional para com o pensamento simbólico, se chega a compreender que não seria correto dizer que o mero dar-se conta de relações já pressupõe um ato intelectual, um ato de pensamento lógico ou abstrato. Segundo Cassirer o dar-se conta de relações é uma precaução necessária até nos atos elementares da percepção: sem um sistema complexo de símbolos o pensamento relacional não se produziria e muito menos alcançaria seu desenvolvimento.

A moderna teoria da Gestalt já mostrou como o processo perceptivo mais simples implica elementos estruturais fundamentais, inclusive certos níveis ou configurações das quais as estruturas espaciais ou óticas foram demonstradas em etapas relativamente inferiores da vida animal. Daí se entende que no homem se tenha desenvolvido uma capacidade para isolar relações ou considerá-las em sentido abstrato.

Quer dizer, para captar esse sentido abstrato das relações, o homem já não depende de dados sensíveis concretos, dados visuais, auditivos, tácteis, mas considera essas relações em si mesmas: na geometria se estudam relações espaciais universais de que a linguagem humana como rede simbólica é o passo preliminar.

A natureza da linguagem liga-se, pois, à reflexão ou pensamento reflexivo, como capacidade que consiste em destacar de toda a massa indiscriminada do curso dos fenômenos sensíveis fluentes certos elementos fixos, por efeito de isolá-los e concentrar a atenção sobre eles.

Bem entendido, esse pensamento reflexivo depende do pensamento simbólico, compreende o dar-se conta da variabilidade e da mobilidade das relações, inclusive o dar-se conta da função simbólica da linguagem.

  • Cassirer visa mostrar com a distinção de três níveis em sua análise – o pensamento relacional, o pensamento simbólico, o pensamento reflexivo – que a conduta humana como um todo é interligada ao simbolismo da linguagem, de tal sorte que, no campo da psicopatologia da linguagem, os que perdem o uso da palavra – isto é, perdem a captação dos universais – tornam-se incapacitados para a solução de problemas que exigem qualquer atividade especificamente teórica ou reflexiva, se aferram aos fatos imediatos e são incapazes de executar tarefas que exigem a compreensão do abstrato.

 

Distinção entre realidade e possibilidade

O pensamento simbólico consiste na capacidade de dotar o homem com uma nova faculdade: a de reajustar constantemente seu universo humano.

Na observação do progresso ulterior da cultura, Cassirer nota a independência da função do pensamento simbólico no aprofundamento da distinção entre realidade e possibilidade.

Essa distinção não denota nenhum caráter das coisas em si mesmas e se aplica unicamente ao nosso conhecimento.

O bom exemplo é o método hipotético empregado por Galileu para o estudo dos fenômenos naturais, já que esse mesmo método por arrazoamentos hipotéticos e condicionais pode ser encontrado em Rousseau.

Quer dizer, a distinção entre realidade e possibilidade que caracteriza os grandes filósofos éticos se impõe nas ciências da natureza e define as matemáticas como uma teoria de símbolos.

Os fatos da ciência implicam sempre um elemento teórico ou simbólico, foram hipotéticos antes de chegarem a ser observáveis.

Cassirer sublinha que o caráter utópico das descrições dos filósofos éticos como Rousseau constitui uma construção simbólica que o filósofo se propõe descrever e trazer à realidade como um inesperado futuro da humanidade.

Sua conclusão assina ao pensamento simbólico a capacidade de dotar o homem com uma nova faculdade: a de reajustar constantemente seu universo humano.

As teorias éticas revelam esse caráter do pensamento simbólico na medida em que o mundo ético nunca é dado, mas sempre se acha fazendo-se.

O pensamento ético jamais pode limitar-se a aceitar o dado.

Segundo Cassirer, é esse pensamento simbólico que supera a inércia natural do homem e lhe dota com uma nova faculdade, na qual se trata de dar lugar ao possível como o oposto à aceitação passiva do estado atual dos assuntos humanos, do qual o método hipotético é devedor.

 

A arte e o descobrimento da realidade

Em sua análise da arte, Cassirer destaca a aplicação dessa compreensão do pensamento simbólico como dotando o homem da nova capacidade para reajustar constantemente seu mundo humano: a arte não é mera reprodução de uma realidade dada e acabada. É uma via para o descobrimento da realidade. Se a linguagem e a ciência determinam nossos conceitos do mundo exterior não passam de abreviaturas da realidade, enquanto a arte é intensificação da realidade, uma concreção.

Na contemplação de uma grande obra de arte não sentimos separação entre o mundo subjetivo e o objetivo; não vivemos na realidade plena e habitual das coisas físicas, nem tampouco vivemos por completo em uma esfera individual. Para além dessas duas esferas, detectamos um novo reino, ao qual se referem tais formas plásticas, musicais ou poéticas. Estas por sua vez possuem uma verdadeira universalidade, uma comunicabilidade universal, de tal sorte que passamos a ver a realidade em tal forma particular.

A arte desprende um poder construtivo na estruturação de nosso universo humano. Toda a obra de arte possui uma estrutura intuitiva, um caráter de racionalidade, ou seja: antes de comporem analogias com as esferas do inconsciente, cada elemento singular deve ser sentido como parte de um todo compreensivo.

Mais do que representativas e objetivas, ou expressivas e subjetivas, as formas artísticas – plásticas, musicais ou poéticas – são formas simbólicas e nos introduzem uma nova realidade na qual se vê a manifestação de uma interpretação, que o artista alcança não através de conceitos, mas das formas sensíveis.

O artista é um descobridor das formas da natureza: alcança a percepção das formas puras e estruturas visuais, introduzindo em um reino outro que não o da análise de objetos sensíveis e seus efeitos.

A arte é um descobrimento verdadeiro e genuíno. Em sua descrição da experiência estética, definida como um estado psíquico diferente da frieza de nosso juízo teórico e do prosaísmo de nosso juízo moral, Cassirer assinala o seguinte: (a) – a imaginação do artista nos mostra as formas das coisas em sua verdadeira figura, fazendo-as visíveis e reconhecíveis; (b) – ao selecionar um determinado aspecto da realidade, o artista não inventa arbitrariamente, mas (c) – seu procedimento é de objetivação: uma vez que assumimos sua perspectiva, somos levados a olhar o mundo com seus olhos, tudo se passando como se jamais houvéssemos visto o mundo com essa luz peculiar; (d) – essa luz é algo mais do que um vislumbre momentâneo: em virtude da obra de arte tornou-se uma luz duradoura e permanente.

 

Universo de discurso independente

Portanto, na análise filosófica a arte constitui um universo de discurso independente, no qual se afirma a imaginação artística. Esta, por sua vez, se relaciona à linguagem simbólica do mito e da poesia predominante nos povos primitivos, que falavam fabulando e escreviam hieróglifos, como na chamada idade heroica dos gregos, para quem o mito era uma alegoria viva.

A imaginação artística não se confunde nem à capacidade inventiva nem ao poder personificador, mas é a capacidade para produzir puras formas sensíveis cujo resultado é o descobrimento de um mundo novo de formas poéticas, musicais ou plásticas.

Observando a definição de beleza como forma vivente, Cassirer assinala que houve quem considerasse a busca por essas formas viventes como o primeiro passo indispensável que conduz à experiência da liberdade.

Lembra-nos de Schiller, no centro do romantismo alemão, cuja definição de contemplação ou reflexão estética afirma nesta última a primeira atitude liberal do homem diante do universo. No seu dizer: enquanto o desejo se apropria de seu objeto, a reflexão coloca o objeto do desejo à distância e o converte em ideal, salvando-o das garras da paixão. Tal seria a atitude – liberal, consciente, e reflexiva – tida como demarcadora da fronteira entre o lúdico e a arte.

Sem embargo, esse colocar à distância como característica da obra de arte suscita a problemática da teoria estética referente à racionalidade peculiar da arte, isto é, a racionalidade da forma simbólica. Admitindo que esse colocar à distância não implica a desumanização da arte, Cassirer sustenta que viver no reino das formas não significa uma evasão dos assuntos da vida, mas, pelo contrário, significa a realização de uma das energias mais altas da vida mesma.

A arte desprende um poder construtivo na estruturação de nosso universo humano posto que toda a obra de arte possui uma estrutura intuitiva, um caráter de racionalidade, ou seja: antes de comporem analogias com as esferas do inconsciente, cada elemento singular deve ser sentido como parte de um todo compreensivo.  

Segundo Cassirer há que distinguir essa racionalidade peculiar à arte daquela outra racionalidade das coisas ou dos acontecimentos. A definição de arte como linguagem simbólica nos proporciona o gênero comum, mas não a diferença específica. A arte pode infringir as leis da probabilidade, pode nos proporcionar a visão mais grotesca e extravagante e assim mesmo possuir sua racionalidade peculiar, a racionalidade da forma.

Cassirer nos lembra a frase de Goethe à primeira vista paradoxal seguinte: a arte é uma segunda natureza, também misteriosa, porém mais inteligível porque se origina no entendimento – a que Cassirer acrescenta: a arte nos proporciona a ordem na apreensão das aparências visíveis, tangíveis e audíveis.

Na ciência tratamos de reduzir os fenômenos a suas primeiras causas e a leis e princípios gerais. Na arte nos encontramos absortos em sua aparência imediata e nos deleitamos dessa aparência, plenamente em toda a sua riqueza e variedade: não temos a ver com a uniformidade das leis, mas com a multiformidade e diversidade das intuições.

Observa Cassirer que a arte pode ser descrita como conhecimento cuja verdade não consiste em uma descrição ou explicação teórica, mas antes na visão simpática das coisas.

Essas duas ideias de verdade se encontram em contraste, mas não em contradição: podemos alternar nossas visões da realidade, a arte nos proporciona uma imagem mais rica, mais vívida e com coloração da realidade, facilitando-nos uma visão mais profunda em sua estrutura formal. E Cassirer conclui: a arte caracteriza a natureza do homem como não se encontrando ele limitado a uma única maneira específica de abordar a realidade, mas que pode escolher seu ponto de vista e assim passar de um aspecto das coisas a outro.

 

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 Arte e Função Simbólica:

 SEGUNDA PARTE

 

A análise sociológica da esfera simbólica do mundo humano.

A função simbólica é inseparável do homem tomado coletiva ou individualmente, de tal sorte que os Eu, Nós-outros, grupos, classes sociais, sociedades globais são construtores inconscientes ou conscientes dos símbolos variados.

 

Neste ponto, devemos retornar ao problema do simbolismo antes de prosseguir com a análise filosófica da arte e das demais formas simbólicas que compõem o mundo da cultura.

Vimos que, em sua definição descritivo-compreensiva do pensamento simbólico como dotando o homem da nova capacidade para reajustar constantemente seu mundo humano, Cassirer afirma o ponto de vista da mobilidade e da variabilidade levando-nos a relembrar que a variabilidade é pesquisada com prioridade em sociologia.

 

 A afinidade de realidade social e esfera simbólica

Quer dizer, os símbolos são estudados em sociologia como símbolos sociais, portanto, existindo como representações que só em parte exprimem os conteúdos significados, e servem de mediadores entre os conteúdos e os agentes coletivos e individuais que os formulam e para os quais se dirigem, tal mediação consistindo em favorecer a mútua participação dos agentes nos conteúdos e desses conteúdos nos agentes. Os símbolos sociais constituem tanto uma representação incompleta, uma expressão inadequada, quanto um instrumento de participação.

Segundo Georges Gurvitch [iii], os símbolos sociais revelam velando e ao velarem revelam, na mesma maneira em que, impelindo para a participação direta no significado, travam-na.

Portanto, os símbolos constituem uma forma de comportamento diante dos obstáculos, sendo possível dizer que a função simbólica é inseparável do homem tomado coletiva ou individualmente, de tal sorte que os Eu, Nós-outros, grupos, classes sociais, sociedades globais são construtores inconscientes ou conscientes dos símbolos variados.

Na análise sociológica da esfera simbólica do mundo humano acentuam-se as seguintes constatações: (1) – a imensa variabilidade decorrente da ambiguidade fundamental do simbólico; (2) – os planos subjacentes da realidade social ela própria são dependentes do simbolismo, na medida em que, justamente, simbolizam o todo indecomponível dessa realidade seccionada; (3) – ao mesmo tempo, os símbolos sociais mais especialmente ligados às obras de civilização[iv] funcionam como argamassa de colagem, juntando as descontinuidades entre os níveis seccionados; (4) – os símbolos se apoiam em experiências coletivas e atos criadores dos Nós-outros , grupos, sociedades que (a) – constituem uniões prévias as quais, por sua vez, tornando possível a comunicação (a1) – ultrapassam a esfera simbólica tornando-a igualmente possível.

Nada obstante, cabe lembrar que em sociologia não se procede a uma redução que não seja um procedimento dialético. Constata-se que a esfera simbólica não passa de uma camada em profundidade da realidade social dentre outras.

A redução das ideias e valores e das obras de civilização ao plano do pensamento simbólico é característica da análise filosófica. Esta, as destaca da realidade social e do empirismo efetivo, visando desse modo estudá-las mediante a acentuação de sua autonomia relativa, como formas simbólicas dotadas de diferenças específicas.

Cabe, pois, à sociologia esclarecer que a mobilidade provém exatamente do caráter mediador dos símbolos, além disso: (a) – os símbolos variam em função dos sujeitos coletivos que os elaboram, ou emissores; (b) – os símbolos variam em função dos sujeitos coletivos a que se dirigem, ou receptores; (c) – os símbolos variam em função dos tipos de estruturas sociais parciais ou globais, bem como em função das conjunturas particulares, dos quadros sociais (sociedades, classes, agrupamentos particulares, formas de sociabilidade); (d) – os símbolos variam igualmente em função dos obstáculos a ultrapassar ou situações a dominar justamente pelos símbolos, etc.

Desta forma, a sociologia põe em relevo a afinidade entre o conjunto da realidade social e a esfera simbólica.

 

A Classificação dos símbolos sociais

Quer dizer, se analisarmos as características de funcionalidade dos símbolos sociais constataremos com Gurvitch que há duas maneiras de classificar os símbolos: uma, enfocando as colorações dominantes (como aspectos das mentalidades a que se ligam), distingue três gêneros de simbolismo que atendem a diferenças de graus e não a oposições nítidas, é a seguinte: (A) – símbolos sociais com dominante intelectual; (B) – símbolos sociais com dominante emotiva e (C) – símbolos sociais com dominante ativa e voluntária.

Inclui-se na categoria de símbolos sociais com dominante intelectual as representações coletivas e individuais, as medidas, as conceituações das diversas temporalidades e extensões concretas [v], as categorias lógicas, as grandezas matemáticas que evocam a noção de infinito (cálculo infinitesimal), os símbolos servindo de fundamento ao aparato conceitual de diferentes ciências; a linguagem, enfim.

Aliás, deste ponto de vista da coloração dominante, em relação à linguagem, Gurvitch remarca o caráter intermediário da mesma entre os símbolos intelectuais e os símbolos voluntários e ativos, porque a sua primeira forma consistiu em gestos e exclamações.

Na categoria de símbolos sociais com dominante emotiva incluem-se as danças e os cantos, as expressões de luto, as festas de noivado ou de carnaval, as maneiras de fazer a corte e de se declarar, as bandeiras, as condecorações, os monumentos, as imagens ideais que servem de padrões de moralidade [vi].

Finalmente, dentre a categoria de símbolos sociais com dominante ativa e voluntária encontramos os símbolos que servem de “sinais de símbolos”, isto é: os símbolos motores, os símbolos de preparação, os de chamada, os de comando, os de encorajamento, os de excitação, etc.

Quanto à outra maneira de classificar os símbolos em sociologia [vii], compreende uma oposição cujos critérios são eminentemente empíricos, a saber: (a) – símbolos conscientemente enganadores e ilusórios: os slogans, os preconceitos, as imagens ferindo a imaginação ou excitando os complexos de superioridade e de inferioridade, as falsificações, os louvores, etc. (b) – os símbolos inconscientemente irrisórios: ligados às relações entre os sexos (macho e fêmea), à libido e mais especialmente ao tipo de casamento; (c) – símbolos cuja elaboração não contém nenhuma intenção reservada enganadora: são os símbolos ligados às obras de civilização como os símbolos religiosos, os símbolos morais, os símbolos jurídicos, estéticos, do conhecimento, educativos, enfim.

 

Pluralismo da função simbólica

  • Em sociologia, dá-se relevo ao pluralismo da função simbólica: cada símbolo depende do cotejo entre a função simbólica total, por um lado e, por outro lado, uma situação de conjunto (conflitiva por inadequação) mais particularizada.

Todavia, a validade dessa noção de pluralismo da função simbólica deve ser submetida a uma precisão. É que por mais dependentes que os símbolos sejam dos diferentes aspectos da mentalidade, as distinções entre os símbolos devem-se como dissemos a diferenças de grau, de acentuação, de coloração, e não a oposições nítidas, não havendo na classificação dos três gêneros de simbolismo separação completa possível.

 

O signo no símbolo

Não obstante exercer-se como impulso para a participação direta no significado, a função simbólica guarda um aspecto de inadequação que a sociologia designa como “signo no símbolo”, verificando que os símbolos são presenças intencionalmente introduzidas e invocadas para indicar carências.

Podemos notar ainda nesta análise sociológica que as manifestações do social no mundo exterior dependem em grande parte do simbolismo, sendo este o caso das organizações, modelos – especialmente os modelos culturais – ritos, procedimentos, tradições, práticas, modos, papéis sociais.

Todavia, como assinala Gurvitch, não é necessário que todos os símbolos sejam generalizados e standardizados; não é necessário que estejam ligados a modelos mais ou menos cristalizados ou fixados de antemão: há um simbolismo singular e espontâneo que em circunstâncias particulares pode tornar-se importante, e que está próximo das condutas coletivas efervescentes, inovadoras e criadoras, da mesma maneira em que, com referência ao plano dos valores e das ideias sociais, está igualmente próximo da apreensão coletiva direta (não mediatizada por símbolos sociais).

Quer dizer esse simbolismo espontâneo e inteiramente singular está na proximidade dos atos mentais coletivos, incluindo as intuições intelectuais, emotivas, voluntárias dos Nós-outros, dos grupos, das sociedades globais.

  • Daí se compreende os símbolos como presenças intencionalmente introduzidas e invocadas para indicar carências, tornando de tal sorte reconhecida a expressão signo no símbolo, sendo a esta expressão-signo que se refere o aspecto de inadequação, que a função simbólica compartilha com o seu sentido de instrumento de participação, impulso para a participação direta no significado.
  • Cabe lembrar que ao constatar o signo no símbolo não se exagera sobre o conhecimento de que tenha sido por etapas que, nos tipos mais recentes de sociedade, a maior parte dos símbolos adquiriu um caráter completamente racional, não tendo mais o aspecto místico original da esfera simbólica [viii].
  • Vale dizer, a sociologia não tira do fato desse caráter racional adquirido através dos tipos de sociedade a conclusão de que os símbolos se tornaram simples signos, simples indicativos da ação ou do comportamento: a sociologia repele nessa hipótese exagerada da “preponderância total dos signos” [ix] a consequente redução na intensidade do caráter que tem o símbolo de instrumento impulsionando para a participação direta no significado [x].

Pelo contrário. Sustenta Gurvitch que a participação impulsionada pelos símbolos sociais pode ela própria tomar um caráter racional e natural e não levar os símbolos em modo algum a se tornarem veículos de misticidade [xi].

Tomando o exemplo de uma investigação científica em equipe onde prevalece o apelo à descoberta, o sociólogo nota que a participação consciente em diferentes níveis no ser social ou na criação coletiva intelectual não inclui o elemento místico.

Outro exemplo é a língua utilizada pela coletividade que, como sistema de símbolos, serve ao mesmo tempo de resposta antecipada às questões postas e de expressão incompleta das significações e ideias compreendidas pela coletividade, que fala tal língua e a utiliza em seu próprio pensamento.

  • Como se sabe este fato de as mentalidades e as consciências coletivas e individuais utilizarem um vasto aparelho simbólico prova o caráter social da vida mental, o caráter social do elemento psíquico, sobretudo consciente – os quais são integrados na realidade social e assim passam a esta última suas energias ou emanações subjetivas.
    • Daí poderem-se considerar as categorias lógicas, os imperativos morais, as regras do direito, como símbolos que inadequadamente e adaptados às circunstâncias exprimem as ideias lógicas e os valores morais e jurídicos profundos.

 

Instrumento de participação

Seja como for, ao parecer de teoria sociológica essa compreensão da função simbólica como mediação favorecendo a mútua participação dos agentes nos conteúdos significados e desses conteúdos nos agentes coletivos e individuais está em medida de incluir a distinção sugerida pela análise filosófica entre o real e o possível.

É o que se pode depreender da mencionada “expressão-signo no símbolo”, introduzida por Gurvitch para admitir a racionalidade sem excluir o elemento residual alegórico, todavia tornado instrumental em virtude da diferenciação em face de toda a misticidade.

Os símbolos sociais constituem como vimos tanto uma representação incompleta, uma expressão inadequada, quanto um instrumento de participação: revelam velando e ao velarem revelam, na mesma maneira em que, impelindo para a participação direta no significado, travam-na.

Incluindo a expressão-signo no símbolo para dar conta do sentido da função simbólica, sua efetividade como mediação, o sociólogo verifica certa dependência semelhante a uma “alegoria” da unidade de ação, na medida em que põe em relevo como dissemos a dependência que os planos subjacentes da realidade guardam em relação ao simbolismo ou à simbolização do todo indecomponível da realidade social seccionada.

Vale dizer, na verificação da realidade social em vias de se fazer, o procedimento sociológico admite certa afinidade com o “pensamento simbólico” estudado por Cassirer, que insiste na distinção entre o real e o possível desembocando em uma faculdade nova do homem: a mencionada capacidade de reajustar constantemente seu mundo.

Aliás, nessa distinção entre realidade e possibilidade, já sublinhamos tratar-se de uma conquista eminentemente epistemológica que segundo Cassirer se observa nos estágios mais avançados da cultura, no progresso da ciência na Renascença e nas épocas subsequentes.

Nada obstante, ao examinar os símbolos no marco prioritário do pensamento simbólico, a análise filosófica deixa de lado a presença operativa irredutível do simbolismo em afinidade oculta com a realidade social [xii], e tende a restaurar a alegoria e a interpretação alegórica por cima da explicação sociológica e em detrimento do caráter de instrumento de participação que a função simbólica adquiriu por diferenciação de toda a misticidade.  

Sem confundir-se às metamorais tradicionais de Platão, Aristóteles, Spinoza, Hegel, onde um mundo espiritual supratemporal e absoluto se realiza no mundo temporal, a análise filosófica corre o risco de restaurar uma interpretação alegórica do simbolismo como mística do progresso na racionalidade, e tende a projetar para-além da história a capacidade do homem em reajustar constantemente seu mundo.

 

 Uma compreensão ampliada da função simbólica

A possibilidade em apreender as configurações do objeto figurativo, sendo fundada no fato de que a época atual sublima todas as formas do pensamento operativo, põe em relevo a compreensão do símbolo como presença operativa, como mediação.

 

Em modo contrário à análise filosófica, observa-se na função simbólica como mediação uma compreensão ampliada, destacando a ambiguidade em dois polos como tensão constitutiva de qualquer símbolo social, a saber: (a) – signo de uma espécie particular e (b) – instrumento de participação direta no significado (e não somente interpretação) por via do que são apreendidos os conteúdos simbolizados.

Entretanto, da mesma maneira em que se admite que a participação direta nos conteúdos significados, para a qual incita o símbolo, pode tomar um caráter racional e natural, desprovido de qualquer misticidade, se admite igualmente que a ambiguidade fundamental dos símbolos nessa compreensão ampliada acentua a relativização da sua racionalidade.

Dessa ambiguidade, em primeiro momento, a análise sociológica chega inicialmente a um duplo drama da esfera simbólica em seu conjunto, levando segundo Gurvitch à constatação da confusão dos símbolos, bem como à descoberta da inversão do seu sentido ou missão.

Daí, temos os símbolos criando os conteúdos simbolizados – que então podem se tornar predominantemente imaginários – ao invés de exprimir e incitar à participação, e, por essa via, passando os símbolos a contribuir indiretamente para suscitar os obstáculos à participação nos valores e ideias como conteúdos significados.

Em segundo momento, a análise sociológica põe em relevo que, desse duplo drama se chega a constatar o pluralismo da função simbólica em que, como já vimos no seu tríplice aspecto – intelectual, emotivo, voluntário – cada símbolo encontra-se como dependendo do cotejo entre a função simbólica total e uma situação particularizada do duplo drama do conjunto.

Enfim, nesse marco da relativização da racionalidade dos símbolos, a análise constata que o simbolismo sociológico e o simbolismo psicanalítico (onírico e erótico) podem encontrar um denominador comum, com o elemento social fazendo variar o elemento libidinal enquanto que, por sua vez, no aspecto das carências, o simbolismo erótico representando ele próprio um esforço inconsciente para vencer os obstáculos à participação direta nos conteúdos significados.

 

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Notas de Fim

[i] Cf. Cassirer, Ernst: “La Philosophie des Formes Simboliques (La Conscience Mythique)”, versão francesa por Jean Lacoste, Paris, Les Éditions du Minuit, 1972, 342 pp., (1ªedição em Alemão: 1925).

[ii] Ver sobre a interpretação alegórica a (Nota 01) dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final deste artigo.

[iii] Gurvitch, Georges et al.: “Tratado de Sociologia“, volumes 1 e 2, revisão Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1964 (vol.1), 1968 (vol.2). (1as edições em Francês: Paris, PUF, 1957, 1960, respectivamente).

[iv] Os símbolos da linguagem, conhecimento, moralidade, arte, religião, direito, incluindo as ideias e valores que essas obras de civilização implicam (mediante redução ao plano do pensamento, a análise filosófica as estuda em sua autonomia relativa como formas simbólicas dotadas de diferenças específicas).

[v] Ver sobre a multiplicidade dos tempos sociais segundo Georges Gurvitch o seguinte ensaio: Lumier Jacob (J.): Leitura da Teoria de Comunicação Social desde o ponto de vista da Sociologia do Conhecimento (Ensaio, 338 págs.). Internet, O.E.I. / E-book / pdf, 2007, págs. 180 a 219. link: http://www.oei.es/salactsi/lumniertexto.pdf

[vi] Ver neste ensaio o capítulo 4: Introdução ao Estudo Sociológico da Variabilidade na Vida Moral.

[vii] A sociologia não é competente para considerar a oposição entre os símbolos como produtos da vida coletiva e os símbolos possuindo uma verdade em si.

[viii] Originariamente a esfera simbólica surge ligada às crenças no sobrenatural, religioso ou não.

[ix] Nessa hipótese exagerada adotada por Bourdieu, acredita-se que os sistemas simbólicos “engendram o sentido e o consenso em torno do sentidopor meio de alguma lógica e se deixa de lado a pesquisa sociológica fundamental do sentido da esfera simbólica ela própria, como setor da realidade social, pesquisa indispensável para pôr em perspectiva o coeficiente humano e existencial do conhecimento, sem o que o problema da função simbólica resta superficial. Para Bourdieu, os sistemas simbólicos estão propensos por sua própria estrutura a servirem simultaneamente a funções de inclusão e exclusão, de associação e dissociação, de integração e distinção – funções essas que este autor considera terem um alcance político. Cf. Bourdieu, Pierre: “A Economia das Trocas Simbólicas”, introdução, organização e seleção dos originais em Francês por Sérgio Miceli, São Paulo, ed. Perspectiva, 1974, 361 pp., pág.33.

[x] Em sociologia a autonomia do significado é relativa e só se afirma na dependência ao fenômeno social total de tal sorte que o avanço na racionalidade da cultura tem igualmente seu critério nessa dependência.

[xi] Já notamos esta característica racional quando Cassirer liga o progresso da cultura à diferenciação entre coisas e símbolos, com a distinção entre realidade e possibilidade tornando-se mais pronunciada.

[xii] Já assinalamos o fato de as mentalidades e as consciências coletivas e individuais utilizarem um vasto aparelho simbólico provar o caráter social da vida mental, o caráter social do elemento psíquico, sobretudo consciente – os quais são integrados na realidade social e assim passam a esta última suas energias ou emanações subjetivas. Tal a afinidade oculta do simbolismo com a realidade social.

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Cultura e Objetividade – Segunda Parte: Wilhelm Dilthey

In dialectics, history, laicidad, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on November 10, 2014 at 7:29 pm

 

Sociólogos sem Fronteiras - Rio de Janeiro

Sociólogos sem Fronteiras – Rio de Janeiro

     Cultura e Objetividade – Segunda Parte:

     O Enfoque sociológico de Wilhelm Dilthey

por

Jacob (J.) Lumier

Websitio Leituras do Século XX

http://www.leiturasjlumierautor.pro.br

Rio de Janeiro, Novembro 2014

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Cultura e Objetividade – Segunda Parte: O Enfoque sociológico de Wilhelm Dilthey de Jacob (J.) Lumier está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://www.oei.es/cienciayuniversidad/spip.php?article388.
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Leia os artigos conexos seguintes:

Comunicação Social e Consciência Coletiva: notas sobre o problema da cultura

Cultura e Objetividade: Preliminares

Cultura e Objetividade – Primeira Parte: Max Weber

Culturalismo e Sociologia

 

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  Resumo

O posicionamento culturalista de Max Weber não encontra respaldo em Wilhelm Dilthey, o fundador das Ciências da Cultura, em cuja obra não ocorre atomização da realidade social em coleções de condutas individuais, nem tampouco a dissolução das obras de civilização em nominalismo ou doutrina de especialistas.

Longe do pensamento diltheyano a concepção própria do culturalismo abstrato de que as condutas individuais tornam-se sociais unicamente na medida em que sejam orientadas para as condutas de outras pessoas, com a ajuda das significações internas ou subjetivas.

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  Apresentação

A importância das análises filosóficas de Dilthey para a sociologia foi reconhecida expressamente por Georges Gurvitch ao remarcar que a fundamentação dos tipos sociológicos se beneficiou do conhecimento de que as totalidades humanas são apreendidas por intuição, e não apenas dependentes da interpretação abstrata do sentido interno das condutas, como pretendeu Max Weber.

Nos termos de Gurvitch, “a apreensão das totalidades de que Dilthey já tinha falado antes de Mauss” é suficiente (para chegar aos tipos sociológicos), já que implica a apreensão de significações enxertando-se por vezes nessas totalidades e fazendo parte delas, como os juízos cognitivos, a experiência moral e a experiência jurídica. E Gurvitch não diminui a importância desta análise de Dilthey estabelecendo a noção de compreensão. Faz sobressair o alcance dessas significações apreendidas e como tais oferecendo-se à interpretação dos tipos sociológicos, especialmente no âmbito dos problemas das civilizações estudados nos respectivos ramos da sociologia (sociologia do conhecimento, do direito, da arte, da religião, da moral, da educação).

Do ponto de vista do realismo sociológico, a iniciativa de Gurvitch visando constituir e estabelecer o conceito sociológico de Fenômenos Psíquicos Totais em complementação dialética ao conceito de Fenômenos Sociais Totais, descoberto este último conceito por Marcel Mauss e Emile Durkheim, tem dois motivos provenientes da análise filosófica, seguintes: (a) – atender à recomendação formulada por Dilthey para que se pusesse em obra uma psicologia verdadeiramente descritiva no âmbito da análise dos fatos culturais, cujo caráter intuitivo esse pensador fez sobressair; (b) – levar em conta, ou melhor, buscar um desdobramento analítico e operativo à constatação assinalada igualmente por Dilthey de que, no seu dizer, “às relações permanentes dos atos psíquicos de um ser humano com os de outro estão conjugados sentimentos permanentes de co-pertinência” (e não somente uma fria representação dessas relações, como nas teorias de interação) [i].

Mas não é tudo. A afirmação da alta relevância metodológica da apreensão das totalidades liga-se à noção de “homem total”, notada primeiro em Marx e mutatis mutandis em Mauss [ii], como a primeira pista da necessidade de um conceito como o de fenômenos psíquicos totais em sociologia, pensado em estreita ligação com os fenômenos sociais totais.

Tanto é assim que a utilização dessa noção de homem total em Gurvitch na esteira de Marx atende a um duplo protesto metodológico marcante no século XX, seguinte:

Primeiro – a recusa da construção abstrata e arbitrária do homem econômico ou do homem político, ou do sujeito individual do direito, ou ainda do homem que joga, que conhece, ou do homem agente moral, afirmando-se, então, contra essas construções abstratas e arbitrárias a presença efetiva do homem que existe na realidade como sendo tudo isso e mais ainda;

Segundo: a recusa da identificação do homem à sua vida mental esquecendo que o homem é igualmente um corpo, um organismo fisiológico e um participante nas sociedades, nas classes sociais, nos agrupamentos sociais particulares, em os Nós-outros, enfim, nos próprios fenômenos sociais totais.

Desta sorte, as fronteiras entre o fisiológico, o psicológico e o social desde o ponto de vista dos novos conhecimentos metodológicos no século XX tornaram-se essencialmente instáveis, acentuando a imensa dificuldade para se definir o que se entende por psíquico e acrescentando um tópico de alta relevância para a argumentação em favor do conceito de fenômenos psíquicos totais [iii].

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Sumário

 

Resumo. 4

Apresentação. 5

Compreensão e Interpretação. 9

A orientação pró-realista. 10

Uma metodologia propedêutica. 11

Os tipos de dependências ou correlações. 13

O incremento histórico. 14

O sentimento de sociabilidade. 16

Análise dos sistemas culturais. 17

A formação do direito. 18

A psicologia descritiva. 20

O sistema moral 21

Notas de Fim.. 23

 

 

 Compreensão e Interpretação

 

Somente uma inovadora fundamentação epistemológica e lógica diferente, que tenha princípio na relação especial do conhecimento e da realidade histórico-social, pode suprir as lacunas que existem, todavia, entre as ciências particulares das unidades psicofísicas e as ciências da economia política, do direito, da religião e outras.

Note-se que o posicionamento culturalista de Max Weber não encontra respaldo em Wilhelm Dilthey, o fundador das Ciências da Cultura, em cuja obra não ocorre atomização da realidade social em coleções de condutas individuais, nem tampouco a dissolução das obras de civilização em nominalismo ou doutrina de especialistas.

Longe do pensamento diltheyano a concepção própria do culturalismo abstrato de que as condutas individuais tornam-se sociais unicamente na medida em que sejam orientadas para as condutas de outras pessoas, com a ajuda das significações internas ou subjetivas.

 

A apreensão das totalidades dispensa a interpretação do sentido interno das condutas para chegar à construção dos tipos sociológicos.

Segundo Gurvitch, não há dúvida de que o problema da compreensão foi formulado por Dilthey, quem empregou esse termo para dizer apreensão direta, intuitiva, relativamente às totalidades reais concretas e às significações humanas correspondentes.

Quer dizer, a apreensão das totalidades dispensa a interpretação do sentido interno das condutas para chegar à construção dos tipos sociológicos, incluindo a apreensão de significações enxertando-se por vezes nessas totalidades e fazendo parte delas.

A interpretação dessas significações apreendidas é particularmente importante para a construção dos tipos de sociedades globais, sendo nesses tipos que os problemas das civilizações ou das obras de civilização estão por sua vez implicados.

Aliás, é com base na interpretação dessas significações apreendidas que se elaboram os ramos da sociologia das obras de civilização ([iv]) que Gurvitch enumera como segue: 1) – sociologia dos sinais, dos símbolos, das idéias e valores (incluindo as suas diferenciações, as suas combinações, as suas hierarquias variáveis em função de tipos sociais diversificados); 2) – sociologia do conhecimento; 3) – sociologia da religião; 4) – sociologia da moral; 5) – sociologia do direito; 6) – sociologia da arte; 7) – sociologia da linguagem; 8) – sociologia da educação.

Portanto, essa orientação afirma a importância não da filosofia da história, mas da esfera simbólica e, nesse domínio a relevância da análise filosófica como indispensável para permitir reencontrar na realidade social os fenômenos específicos do conhecimento, da moral, da religião, do direito, etc., bem como para estabelecer os esquemas classificatórios que servem de referência à investigação sociológica.

A  orientação pró-realista

Em sua orientação pró-realista, Dilthey se distancia tanto da “corrente histórica” quanto da “corrente abstrata” – as duas correntes de conhecimentos universitários mais influentes na vida acadêmica das universidades alemães, no período do liberalismo, entre 1870 e 1914.

Essa orientação pró-realista é bem expressa na Introdução às Ciências do Espírito [v], na qual, em bom contemporâneo de sua época, Dilthey se distancia das duas correntes de pensamento então predominantes nos salões intelectuais e na vida acadêmica das universidades alemães no período do liberalismo, entre 1870 e 1914.

Conforme sua procedência no romantismo, na chamada “escola histórica” notava-se o erro de fugir do mundo da abstração para refugiar-se no “sentimento profundo” da chamada “realidade viva”, tida esta como poderosamente irracional, ultrapassando todo o conhecimento adquirido segundo o princípio de razão suficiente.

Em maneira complementar, este filósofo e historiador da filosofia se distancia igualmente da chamada “escola abstrata”, cujo erro registra como consistindo em descuidar a relação dos abstratos conteúdos parciais com o todo vivo e em tratar de maneira finalística essas abstrações como realidades.

Uma metodologia propedêutica

A realidade da vida histórico-social está escondida sob a bruma de certas entidades abstratas tais como a arte, a ciência, o Estado, a sociedade, a religião.

Trata-se nessas correntes equivocadas de duplo erro que tem a ver com a dificuldade própria para alcançar a realidade da vida histórico-social, a qual, segundo Dilthey está escondida sob a bruma de certas entidades abstratas tais como a arte, a ciência, o Estado, a sociedade, a religião.

Em face de tais entidades abstratas ocultando a vida histórico-social, elabora-se uma metodologia com caráter propedêutico, “para ensinar a ver”, incluindo inicialmente um esquema sobre a dinâmica da realidade social que, por sua vez, revela-se capaz de introduzir no estudo diferenciado do plano das unidades delimitadas e do plano dos objetos de análise social, tomados como os dois planos básicos da realidade.

Essa introdução toma em conta por sua vez a existência de dois processus sociais seguintes: 1) – o processus de articulação social, no âmbito do qual se conjugam (a) – não só a combinação do que Dilthey chama por um lado os efeitos pequenos e por outro lado os grandes efeitos, (b) – mas, igualmente, a combinação das relações permanentes entre os indivíduos, por um lado, e das formações permanentes existentes de antemão, por outro lado; 2) – o processus de homogeneidade e comunidade que, surgindo da articulação social alcança os grupos menores e os grupos maiores.

O campo dos estudos começa, pois, em referência dessa homogeneidade, e objetiva, primeiro, o plano dos diversos povos ou unidades delimitadas; segundo, o plano das formações permanentes ou objetos de análise social, o qual, este último, será privilegiado e definido em maneira dinâmica como “um fim permanente que promove atos psíquicos (intuições, juízos)”, isto é, compreende uma intervenção, com seus grandes efeitos no âmbito da reciprocidade dos indivíduos interacionados ou interpenetrados, cujos pequenos efeitos asseguram essa interpenetração [vi] .

O desenvolvimento da ciência da estética, tão ao gosto do sentimentalismo da corrente histórica, não é possível sem referência às ciências da moral ou às da religião, afirmando a conexão viva que liga a origem da arte e o fato ideal.

Nesse esquema complexo, o estudo do primeiro plano (o dos diversos povos ou unidades delimitadas) leva a distinguir o que Dilthey chama os sistemas culturais na sociedade, enquanto no segundo plano (o das formações permanentes ou objetos de análise social) se descobre a organização externa.

A essa organização externa correspondem respectivamente os três âmbitos seguintes: (a) – os Estados, (b) – as associações, (c) – a trama das vinculações permanentes das vontades segundo relações de prestígio, dependência, propriedade, comunidade – sendo que a amplitude dessas últimas relações tipo estratificação aparece a Dilthey como sendo mais estreita que a amplitude da sociedade e como estando em oposição ao âmbito dos Estados.

Temos, então, em correspondência aos dois planos, as Ciências da Cultura e as Ciências do Estado, havendo uma relação constante das verdades entre essas duas “classes de ciência”, bem como dentro de cada uma.

►Para Dilthey o desenvolvimento da ciência da estética tão ao gosto do sentimentalismo da corrente histórica, não é possível sem referência às ciências da moral ou às da religião, afirmando a conexão viva que liga a origem da arte e o fato ideal.

 

 Os tipos de dependências ou correlações

Com efeito, na análise diltheyana, a ciência se utiliza do princípio de razão suficiente, pelo qual, primeiro, pretendem determinar certas correlações funcionais – como se diria em sociologia do conhecimento – ou no dizer de Dilthey “as dependências” entre os diversos elementos psíquicos ou psicofísicos formadores da conexão de fim, tomada esta última em sua efetividade como fusionando os indivíduos interacionados; segundo: busca-se determinar a maneira como se condicionam uns aos outros esses elementos e suas propriedades.

Acresce que esses elementos são conscientes e em certo grau podem ser expressos em palavras, ou seja, mediante proposições e conceitos. Alcança-se então o nível propriamente epistemológico, em que Dilthey argumenta sua distinção a respeito da “escola abstrata” mostrando que a possibilidade de se pronunciar verdades, enunciados de conteúdo efetivo ou pronunciar regras: 1) – depende do modo pelo qual os elementos psíquicos se acham entrelaçados naquela conexão de fim; 2) – depende da pertinência predominante desses elementos psíquicos, seja ao pensamento, ao sentimento, à vontade.

Segundo Dilthey, no conjunto das proposições e conceitos científicos nota-se não só a diversidade da natureza das proposições, mas a essa diversidade corresponde a do enlace dessas proposições em referência das dependências que a ciência encontra nelas.

Quer dizer, a epistemologia é fundada no princípio de razão suficiente e esses enlaces das proposições e das dependências verificadas não podem ser tomados como unicamente lógicos.

Caso contrário se incorreria no erro da escola abstrata que, ao impor o nível lógico como único, leva a reduzir todas as atividades orientadas para um fim à razão e ao pensamento.

Desta forma, Dilthey define que a expressão sistema lhe serve para designar a conexão de fim, tal como entendida neste modelo de dependências dinâmicas.

A epistemologia é fundada no princípio de razão suficiente e os enlaces das proposições e das dependências verificadas não podem ser tomados como unicamente lógicos.

A exposição diltheyana da metodologia de análise dos sistemas culturais é orientada para pôr em relevo o problema das lacunas existentes entre as ciências particulares das unidades psicofísicas – baseadas na análise psicológica – e as ciências da economia política, do direito, da religião e outras, como ciências da cultura.

Inicialmente, se distinguem dois tipos de dependências ou correlações. Um é o tipo que releva da teoria geral de um sistema e se dá por referência às relações fundamentais que são próprias a esse sistema em modo uniforme em todos os seus pontos: é chamado tipo generalíssimo.

Assim, no caso de um sistema como o da religião, o tipo generalíssimo inclui o seguinte: 1)- as dependências entre os fatos do sentimento religioso e os da dogmática e os da concepção filosófica do mundo; 2) – as dependências entre os fatos desse sentimento religioso e os do culto e os da sociedade religiosa.

Mas não é tudo. Na exposição diltheyana o mesmo tipo generalíssimo de dependência pode ser observado, por exemplo, no âmbito da economia política pela relação de que, ao influir na valorização dos produtos da terra, o distanciamento dos locais de mercado condiciona a intensidade da agricultura.

Finalmente, quanto ao outro tipo de dependências, trata-se de um âmbito mais restrito e inclui as dependências que se dão entre as modificações das propriedades gerais de um sistema que constituem uma figura particular do mesmo.

O incremento histórico

A efetividade do incremento histórico é assimilada em graus nas várias formas de certeza científica.

Nada obstante, Dilthey chama a atenção para o fato de que os sistemas culturais assentam em conteúdos psicofísicos e de que os conceitos correspondentes a esses conteúdos são de segunda ordem, em comparação com os da psicologia individual.

Há uma distinção por efeito do incremento histórico entre o conteúdo fundamental estudado pela psicologia e constitutivo da base da análise do sistema, por um lado, e por outro lado os fatos complexos.

As várias formas de certeza científica absorvem esta distinção ou efetividade do incremento histórico em graus. Primeiro: ao nível da percepção, a efetividade do incremento histórico é assimilada como convicção da realidade; segundo: ao nível do pensar, como evidência; terceiro: ao nível do conhecer segundo o princípio de razão suficiente, como consciência da necessidade.

Por sua vez, são os conceitos psicofísicos que constituem a base da análise, isto é, em economia política, por exemplo, os conceitos tais como “escassez, economia, trabalho, valor, etc.”. Desta sorte, os fatos dos sistemas da cultura só podem ser estudados unicamente por meio de fatos acessíveis à análise psicológica.

Em outras palavras, na metodologia diltheyana, há uma dependência dos conceitos das ciências da cultura em relação à análise psicológica, que Dilthey aprecia como uma dependência embrulhada ao extremo.

No seu entender, somente uma inovadora fundamentação epistemológica e lógica diferente, que tenha princípio na relação especial do conhecimento e da realidade histórico-social ([vii]), pode suprir as lacunas que existem, todavia, entre as ciências particulares das unidades psicofísicas e as ciências da economia política, do direito, da religião e outras.

Com efeito, tal relação especial do conhecimento e da realidade histórico-social será tornada mais transparente com a tomada em consideração do que Dilthey chama as ciências do Estado, bem como mediante a colocação em relevo da complementaridade destas ciências do Estado e das ciências da cultura.

Para esse pensador, não se pode olvidar a relação que mantêm os conteúdos parciais artificialmente destacados pelas ciências com o organismo da realidade em que pulsa a vida mesma.

E acrescenta: a mais desse “não-olvidar”, é exigido assumir essa relação com a realidade viva para que o conhecimento possa estabelecer a forma exata dos conceitos e proposições, bem como atribuir-lhes seu valor cognoscitivo adequado.

Na falta da consciência metodológica de tal relação e na falta de sua colocação em obra não se poderiam desenvolver as verdades da ciência da estética que, como vimos, são para Dilthey referidas às da moral e às da religião.

O sentimento de sociabilidade

►Portanto, em vista de pôr em relevo a complementaridade entre as duas classes de ciência, Dilthey examina as ciências do Estado, começando sua exposição por rejeitar a hipótese de que a interação transcorra somente no âmbito da ligação dos atos psíquicos em um sistema cultural.

Se assim fosse – argumenta nosso autor – ainda que cada um dos seres em interação acomodasse sua atividade à do que se encontra junto dele seriam cada um para si e somente a inteligência estabeleceria a conexão entre eles, e cada um contaria com os outros, porém não se daria nenhum sentimento vivo de sociabilidade entre eles (Dilthey emprega comunidade por sociabilidade). Como átomos conscientes, tais seres daquela hipótese defeituosa realizariam tão pontual e perfeitamente as tarefas de suas conexões finais que entre eles seria dispensável qualquer associação ou qualquer constrição (Dilthey emprega coação por constrição).

Quer dizer, essa argumentação se afirma como decorrente da tomada em consideração da condição humana. Segundo Dilthey, o que converte o homem em membro da organização exterior sem deixar de ser igualmente um elemento integrante da trama de um sistema cultural é o poder desatado de suas paixões ou sua necessidade íntima, isto é, seu sentimento de sociabilidade.

Desta forma, diante da estrutura que mostra uma conexão de elementos psíquicos no todo final de um sistema, há que distinguir essa outra estrutura que surge na associação de unidades de vontade.

A essa última estrutura correspondem então as seguintes análises: (a) – a análise das propriedades da organização externa da sociedade, (b) – a análise das comunidades propriamente ditas, (c) – a análise das associações, (d) – a análise das urdiduras que surgem nas relações de dominação e na vinculação exterior das vontades.

O fundamento dessas ciências do Estado, tomado este como forma de relações permanentes dentro da interação, radica primeiro na virtude do homem que é um ser social.

Quer dizer, se o homem se acha dentro da conexão natural, então os sentimentos permanentes de co-pertinência estão conjugados às semelhanças decorrentes de tal conexão, bem como estão igualmente conjugados às relações permanentes dos atos psíquicos de um ser humano com os de outro, constituindo, portanto, um nível além da fria representação dessas relações.

Segundo: a mais desses sentimentos de co-pertinência há outras forças que, atuando conjuntamente, impulsionam as vontades para a associação, a saber: os interesses e a coação. Tal a complementaridade das ciências do Estado para com as ciências da cultura.

 Análise dos sistemas culturais

Ao parecer de teoria sociológica, e porquanto favoreçam (a) – a investigação da forma do processus cognitivo orientado para a realidade social e (b) – a investigação correlata da conexão de suas verdades como vinculadas à vontade de adentrar-se no conhecimento, será em atenção à interpolação desses sentimentos de co-pertinência que Dilthey nos apresentará sua análise dos sistemas culturais.

Esse mestre-pensador não só incorpora o incremento histórico em suas análises, mas põe em relevo que os sistemas culturais assimilam uma vontade de eficácia, designada como vontade total, à qual são relacionadas as atividades da organização exterior porquanto combinadas às ações recíprocas dos indivíduos, sendo dessa vontade de eficácia assim entendida como vontade total que dependerá a forma particular dos sistemas culturais.

Na premissa dessa análise se afirma a constatação no indivíduo de um ponto de entrecruzamento da pluralidade desses sistemas culturais, que Dilthey observará mediante o cotejo do ato e da obra tomando o caso das obras intelectuais, já que uma obra intelectual pode expressar ao mesmo tempo um fato de ciência, um fato econômico de mercado, o cumprimento de um contrato (acentuando o fato jurídico), a manifestação do profissional.

Aliás, o cotejo do ato e da obra está na base da objetividade dos sistemas culturais sendo deste ponto de vista que, mais uma vez, Dilthey se distancia da “ciência abstrata”, haja vista separar esta última em seus procedimentos metodológicos os diversos sistemas culturais que, ao contrário disso, aparecem entrelaçados na realidade histórico-social.

Os critérios da objetividade dos sistemas culturais são os seguintes: (a) – aparecem ao indivíduo em fatos que lhe são anteriores, que haverão de sobreviver-lhe e cujas disposições atuam sobre ele; (b) – aparecem à imaginação científica como repousando sobre si mesmos; (c) – aparecem ao homem atual ou moderno não só como parte da ciência natural mais ampla, porém como um fato com independência das pessoas que praticam esta ciência.

Para Dilthey, cada sistema de cultura por sua vez é definido nos seguintes aspectos: (a) – como um modo de atividade constitutivo da pessoa que se desenvolve em múltiplos aspectos a partir da mesma; (b) – satisfaz a um fim no todo da sociedade; (c) – está equipado com os meios duradouros estabelecidos no mundo exterior e finalmente, (d) – em uma etapa cultural superior, alcança uma diferenciação internamente rica em significações por efeito do incremento histórico.

 A formação do direito

Assim, atento a esta última característica onde já predomina o complexo dos sistemas culturais, Dilthey sustenta que a análise deve começar em nível mais simples, isto é, pelo sistema em que os elementos da cultura e da organização exterior ainda se encontram juntos, a saber: pelo fato do direito.

Na análise do processus do incremento histórico, o fato do direito não pode ser identificado nem a uma função da vontade de eficácia ou total, nem tampouco à função de um sistema de cultura e constitui o nível mais simples onde os elementos da cultura e da organização exterior ainda se encontram juntos.

Notando que o individualismo crescente provoca o desenvolvimento do direito, Dilthey em sua análise destaca as seguintes correlações: (A) – que o prestígio dos indivíduos se mede na referência da função que desempenham na sociedade; (B) – que a mesma vontade de eficácia ou total efetua por um lado a medida dos direitos individuais na referência da função que os indivíduos desempenham e por outro lado domina na organização externa da sociedade, figurando igualmente a sede da formação do direito; (C) – que, nessa formação do direito, a vontade de eficácia ou total, como portadora dos imperativos estabelecidos, e a consciência jurídica dos indivíduos atuam em consonância, sendo essa consciência jurídica não um fato teórico, mas uma realidade da vontade.

Vale dizer: a razão pela qual o direito, que concentra em si ambas as classes de realidade social, não pode ser identificado nem a uma função da vontade total nem tampouco à função de um sistema de cultura deve-se a que a substanciação do direito depende, por um lado, da consciência jurídica dos indivíduos interpenetrados – que são e permanecem sendo as forças viventes formadoras do direito – e, por outro lado, depende da unidade de vontade encarnada na organização externa da sociedade.

Desta forma, se revela o simples valor e o alcance de mera instância inicial que a análise da formação do direito produz, haja vista o estatuto dos demais sistemas culturais, que vão sendo diferenciados à medida do incremento histórico.

Trata-se de um processus de diferenciação em que, tanto as ações recíprocas dos indivíduos – base na qual se desenvolve um sistema cultural – quanto às atividades da vontade total, deixam-se ir particularizando cada vez mais, redundando na seguinte sequência dos sistemas culturais: primeiro – a economia política; segundo – a moral; terceiro – a linguagem e a religião; quarto – a arte e a ciência.

 A psicologia descritiva

Mas não é tudo. Esse desenvolvimento está em correspondência com a tomada em consideração (a) das propriedades gerais das ciências que estudam tais sistemas da cultura, (b) bem como da delimitação do campo das mesmas.

  • Dilthey insiste na importância de uma psicologia verdadeiramente descritiva para, por exemplo, (a) – esclarecer sobre o conceito de vontade ou de imputabilidade, no âmbito de direito; (b) – esclarecer sobre o conceito de imaginação ou de ideal, no âmbito da arte; (c) – elucidar proposições elementares como o princípio da gestão econômica, no âmbito da economia política; (d) – o princípio da metamorfosis das representações sob a vida anímica, no âmbito da estética [viii]; (e) – as leis do pensamento, em teoria da ciência.

A indispensabilidade de tal psicologia descritiva procede do fato ou situação de que esses sistemas culturais particulares se apresentam para Nós-outros como poderosos fatos objetivos, obstáculos que resistem e suscitam a tomada de consciência, isto é, fatos de intuição: o espírito humano houve por conformá-los desta sorte antes de atendê-los cientificamente.

A exposição de Dilthey deixa bem claro seu pensamento a respeito do caráter intuitivo dos fatos culturais e da importância dessa intuição intelectual para o conhecimento desses fatos.

Diz-nos que existe uma etapa no desenvolvimento dos sistemas culturais na qual a reflexão teórica não está, todavia, separada da ação e da conformação prática.

O mesmo entendimento que se dirigiu mais tarde para a fundação e explicação teórica do direito e da economia esteve ocupado no princípio com a configuração desses sistemas (no sentido de Gestalt).

 O sistema moral

Será mediante a análise de um sistema de moral configurado como independente que esse caráter intuitivo intelectual é posto em relevo.

►Em diferença do costume, que se diversifica segundo os povos e os Estados, a moral é observada como constituindo um único sistema ideal que só pode ser modificado unicamente pela diferença de articulações, comunidades, associações.

A proposição básica de análise desse sistema ideal implica enlaçar por um lado o que nosso autor chama a autognosis psicológica com a comparação das modificações afetando tal sistema ideal no âmbito dos diferentes povos, por outro lado. Lembre-se neste ponto as análises de Jacob Burckhardt como paradigmáticas na comparação das modificações afetando o sistema da vida moral [ix].

A análise de Dilthey é orientada para pôr em relevo no seu dizer “o poder regulador da consciência moral comum”, tomado este elemento regulador como um efeito diretamente observado sob os dois aspectos que se seguem, porquanto constituam os critérios objetivos do fato moral.

Com efeito: (a) – por um lado, o elemento regulador é observado no fato de que o indivíduo só é capaz de contrarrestar à imposição sobre si de certa corrente de opinião pública moral na medida em que encontra respaldo em outra atmosfera de opinião pública que o sustente; (b) – por outro lado, o elemento regulador é também observado na transmissão do resultado total da cultura moral como tendo sido feito em proveito do desenvolvimento ou elevação da pessoa humana em seus começos. Mas não é tudo.

Para introduzir seu modelo, Dilthey assinala o campo da moral como se apresentando em forma dupla, seguinte: (a) – sob a forma do juízo do espectador sobre as ações e, (b) – sob a forma assumida no âmbito dos motivos por um conteúdo independente de seu resultado no mundo exterior, isto é, independente de sua adequação. Neste caso o domínio moral aparece como força que vive na motivação, enquanto que no caso do item “ (a) ”, embora seja da mesma natureza que o item “ (b) ”, o domínio moral se apresenta como força que reage de fora em face das ações de outros indivíduos, afirmando-se em aprovação ou desaprovação desinteressada. Em ambos os casos a vinculação moral se deixa expressar sob a mesma proposição.

Nada obstante, nosso autor elabora sobre o fato de que o caráter dos homens lhe aparece como algo misterioso, admitindo que somente suas próprias ações possam revelar parcialmente a eles esse caráter algo misterioso que, nas criações literárias políticas, se trata como transparente.

Quer dizer, nosso autor considera de difícil acesso na vida real a transparência da conexão entre caráter, motivo e ação dos homens.

Sua análise põe em relevo que a moral aparece sem cisão facilitando a própria análise ao afirmar-se na aprovação ou reprovação pelos espectadores, enquanto que a dificuldade é maior na análise da moral da motivação.

Nesta, o analista só alcança com clareza unicamente a conexão entre o motivo e a ação, mas os motivos como tais restam misteriosos.

Dilthey observa dificuldade semelhante, mas em maneira inversa, na moral de aprovação e desaprovação, pois, se a moral está inteiramente contida no juízo dos espectadores, essa mesma moral se debilita por completo no aspecto da união íntima dos motivos com o conteúdo do espírito, uma vez assumida nos indivíduos a que tal juízo é referido.

  • Segundo Dilthey, essa dupla forma da consciência moral na sociedade tem atuação direta e atuação indireta, realizando um efeito regulador.

Diretamente, porque a consciência moral surge espontaneamente como o sentimento do valor inseparável da afirmação mesma da dignidade distintiva do ser humano; indiretamente, porque a consciência moral que se desenvolve na sociedade exerce uma pressão sobre o indivíduo, submetendo aos motivos mais variados.

Esse poder do sistema moral se exerce sob vários aspectos: como opinião pública, como o juízo dos demais homens, como a honra.

Daí que Dilthey fale de um sistema autônomo de moral, com ênfase no seu caráter autônomo, e assine ao mesmo uma espécie de coação interna (um efeito constringente) por contraposição à coação externa do sistema do direito.

***

Cultura e Objetividade: Notas sobre Max Weber e Wilhelm Dilthey

FIM

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Notas de Fim

[i] Ibid, ibidem.

[ii] A expressão homem total designa o homem completo ou em reciprocidade de perspectiva e não o homem indiferenciado.

[iii] Ver GURVITCH, Georges (1894-1965): “O Conceito de Fenômenos Psíquicos Totais” in “Tratado de Sociologia – Vol.2”, Revisão: Alberto Ferreira, Iniciativas Editoriais, Porto 1968, (1ªedição em Francês: PUF, Paris, 1960).

[iv] Impropriamente chamada “sociologia do espírito” para diferenciar dos materialismos.

[v] Ver Dilthey, Wilhelm: “Introducción a las Ciencias del Espíritu: em la que se trata de fundamentar el estudio de la sociedad y de la historia”, tradução e prólogo por Eugenio Ímaz , México, Fondo de Cultura Económica, 1944, 485 pp. (1ªedição em Alemão, 1883).

[vi] Sobre isto, Dilthey nos lembra o processamento a partir do século XVII do movimento inovador em efervescência cultural conhecido por “Sturm und Drang”.

[vii] O interesse das análises e inferências de Dilthey para a sociologia do conhecimento e para a complexa psicologia da consciência coletiva será assinalado no meu ensaio “Psicologia e Sociologia: o Sociólogo como Profissional das Ciências Humanas“, e-book pdf 158 págs. Web da OEI, 16 de Fevereiro 2008, ver págs. 111 sq. link http://www.oei.es/noticias/spip.php?article2005

[viii] A estética como disciplina crítica da cultura histórica, voltada especialmente para a arte em todos os seus aspectos, inclusive a literatura, é discutida por importantes pensadores sociólogos do século XX como Gyorg Lukacs, Ernst Bloch, Lucien Goldmann, Theodor W. Adorno.

[ix] Ver nesta obra / eBook o ensaio anexo intitulado Arte e Função Simbólica.

Cultura e Objetividade: Preliminares

In dialectics, history, laicidad, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on October 23, 2014 at 2:12 pm

Cultura e Objetividade:livros

Notas sobre Max Weber e Wilhelm Dilthey

Por

Jacob (J.) Lumier

Fragmento de “Cultura e Consciência Coletiva: Leituras Saint-Simonianas de Teoria Sociológica” – Nova Formatação, Internet, E-book Monográfico, 170 págs. Dezembro 2007- Maio 2009, link:

http://www.oei.es/cienciayuniversidad/spip.php?article388

 

 

Preliminares

 

Ao que parece, há uma dificuldade prévia anteposta a todo aquele que se propõe refletir e elaborar sobre a sociologia da cultura e que é um obstáculo relevante do aparente desacordo no tratamento e na definição do campo diferencial do material que lhe corresponde.

A imagem antropocentrista

No século XX a reflexão sobre a cultura foi exercida tanto no marco de uma sociologia dos modelos sociais quanto a partir dos fatos de linguagem. Por um lado, pensadores influentes como Theodor W. Adorno, Walter Benjamim e à sua maneira Herbert Marcuse nos transmitem a imagem de que a sociologia da cultura encontra seu material no impacto das técnicas sobre as artes, sobre a literatura, a vida intelectual e a moralidade. Em consequência a sociologia deve por isso ser exercida como crítica da cultura, tanto mais necessária quanto foi contundente desde os anos vinte a influência de autores e polemistas como Oswald Spengler e sua obra A Decadência do Ocidente, que nos ofereceram uma visão pessimista e altamente elaborada do impacto das técnicas.

Por outro lado, buscando certa distinção entre cultura e civilização, vê-se outra corrente de interpretação nos dizendo que há uma demarcação entre natureza e cultura a ser posta em relevo não nos utensílios, mas na linguagem articulada: linguagem e sociedade sendo, pois, as duas faces dessa distinção.

Consideram os autores dessa corrente que a civilização material e técnica não deveria ser incluída na definição de cultura. Acolhendo ingenuamente uma imagem evolucionista, deixam de lado a realidade da técnica como setor irredutível da práxis, presente onde se fale do Homo Faber, da produção, do desenvolvimento.

Em sua ingênua imagem antropocentrista, lembrando a história natural, chamam técnica o mero uso de utensílios já supostamente encontrado entre os animais superiores, ao que contrapõem a cultura como um traço distintivo da humanidade, abrangendo, é certo, os conhecimentos, a crença, a arte, a moral, o direito, os costumes e todas as aptidões adquiridas pelo homem como membro da sociedade.

Insistem os autores dessa tendência na importância do critério da linguagem como fato, mas, ao invés de acentuar a união prévia como imprescindível ao objeto crítico, o todo existente que torna possível a apreensão dos significados, tomam a linguagem como fato em-si, por ela própria, sem condição prévia.

Aliás, a apreensão da união prévia é reconhecida por sociólogos notáveis. Assim, por exemplo, Bourdieu assinala que o ponto de vista da corrente durkheimeana como interpretação estrutural se opõe à interpretação alegórica: com atenção à prática, trata-se de realizar a intenção de descobrir a lógica imanente do mito ou do rito. Segundo este autor, a contribuição da corrente de Durkheim poderia ser apreciada no marco de “uma teoria da função de integração lógica e social das representações coletivas. Uma teoria segundo a qual a sociedade tem necessidade não apenas de um “conformismo moral”, mas também de um mínimo de “conformismo lógico”, sem o qual não poderia subsistir. Para Durkheim, prossegue o mesmo autor, o primado é para a produção do sentido, que Durkheim vincularia a um entendimento entre os homens, a uma concepção homogênea do tempo, do espaço, da causa, do número, etc., como base prévia de todo o acordo viabilizando a vida em comum (cf.Durkheim, Émile: “Les Formes Elementaires de la Vie Religieuse, p.24; apud BOURDIEU, op.cit, p.29sq).

Desta sorte, os adeptos do estruturalismo linguístico supõem incluídos na própria linguagem como coisa propriamente intelectual os fatos de ordem afetiva, os sentimentos se misturando com frequência às ideias por efeito imediato da linguagem, tornada esta, desta forma, não necessariamente humana ou não enlaçada à experiência humana [i].

Já foi assinalado por Bourdieu que o “estruturalismo etnológico” de Cassirer e de Levy-Strauss tem uma dívida com a corrente durkheimeana que muitas vezes passa despercebida.  Levy-Strauss é censurável pelo seguinte: (a) – por “esquecer-se” de utilizá-lo e sobretudo (b) – por “incluir” o princípio da relação (ou correlação) entre as estruturas dos sistemas simbólicos e as estruturas sociais, princípio do qual se utilizou, “dentre as explicações demasiado fáceis e ingenuamente projetivas – tornadas desprezadas por Levy-Strauss como referências de uma “leitura externa” que ele passou a rejeitar em favor das interpretações alegóricas [Cf. Bourdieu, Pierre: “A Economia das Trocas Simbólicas”, Introdução, organização e Seleção dos originais em Francês por Sérgio Miceli, São Paulo, Editora Perspectiva, 1974, 361págs. Ver pág. 33].

A respeito disso, como emblema dessa tendência particular de sociologia da cultura, que imagina um estruturalismo lógico na base de toda a sociedade, há sobre a linguagem um curioso raciocínio imagético-espacial do antropólogo-social Claude Lévy-Strauss.

Muito mais do que a serventia como procedimento de propedêutica para a lógica relativista, ou visualização de experimentos imaginados em teoria físico-matemática ([ii]), tal raciocínio toma o valor demonstrativo da imagética espacial em uma inadequada aplicação, como se a mesma tivesse alcance conclusivo para uma verificação sociológica [iii].

Uma proposição imaginária e as criaturas lógicas

Trata-se de uma proposição imaginária em que aquele influente autor se refere a uma situação no espaço lógico onde, em um planeta desconhecido, imaginamos encontrar seres vivos que fabricam utensílios: “nem por isso teremos a certeza de que eles se incluem na ordem humana…”. Imagine-se agora que esbarramos com seres vivos que possuem uma linguagem, por mais que essa linguagem seja diferente da nossa, mas que seja traduzível na nossa linguagem, revelando seres com os quais podemos nos comunicar: estaríamos então na ordem da cultura e não mais na ordem da natureza.

Nessa imagética fora de lugar [iv], a linguagem seria então ela própria e sem união prévia o fato cultural por excelência e a sociologia da cultura passaria a estudar o que chamam as formas da cultura – o conhecimento, a própria linguagem, a arte e a literatura, a religião – tomadas como representações coletivas, porém entendidas estas segundo uma versão sui generis.

Ou seja, as representações coletivas constituídas naquelas obras de civilização – imperfeitamente chamadas formas da cultura – representam uma orientação sobre o termo ideologia tirada do mencionado antropólogo-social C. Lévy-Strauss, pela qual não se deve crer que as transformações ideológicas gerem as transformações sociais, mas que somente a ordem inversa é verdadeira: a concepção que os homens formam para si das relações entre a natureza e a cultura é função da maneira como se modificam as suas próprias relações sociais.

Nessa corrente, a ideologia, como linguagem, absorve como se vê as representações coletivas e determina (ou sobre-determina) as formas da cultura, na medida em que a própria ideologia, por sua vez, vem a ser determinada pelas condições materiais.

As referências à Renascença

Seja como for, quer estudemos a sociologia da cultura sob essa tendência pró fatos da linguagem, quer privilegiemos a corrente pró crítica da cultura, ambas influentes no século XX, poderemos lamentar que, tanto em uma quanto em outra, as referências à Renascença restam tópicas, parecendo desligadas de uma reflexão de conjunto voltada para reencontrar a autonomia do mundo da cultura.

Reflexão esta que sem dúvida faz falta a quem lê esses autores, caso se pergunte sobre tal dualidade aparente de orientações e se a mesma poderá ser ultrapassada em abordagem mais aprofundada, notadamente se tivermos em conta que os estudos da Renascença acentuam a diferenciação de um mundo da cultura justamente como o fato novo definindo aquela época, ou melhor, definindo essa época a que somos vinculados à medida mesma que, por ambiguidade, nos aproximamos e nos distanciamos da história passada.

Um problema de metodologia

Em qualquer maneira, não há negar que a utilização da expressão sociologia da cultura encabeçando este nosso ensaio suscita de chofre um problema prévio a toda a verificação de conteúdo passível de atribuir-lhe, suscita um problema de metodologia cujo esclarecimento nos permitirá afirmar se há uma disciplina específica nos termos de tal expressão ou se a mesma é uma variedade equivalente de sociologia das obras de civilização ([v]).

(continua)

Ler Cultura e Objetividade Primeira Parte: Max Weber.pdf

***

 

[i] Aliás, se questiona a afirmação da “existência de um estruturalismo lógico universal na base de toda a sociedade” por acolher sem crítica os preconceitos filosóficos do século XVIII (como o Eu genérico representado na idéia de uma Vontade universal, em Rousseau, ou na idéia de uma consciência transcendental, em Kant, reconhecida como idêntica para todos), pré-concepções filosóficas estas que Claude Lévi-Strauss desconhece em sua imagética da cultura como linguagem.

[ii]         Quem não está lembrado da importância de imaginar um observador movendo-se em meio aos igualmente imaginados trens em movimento para compreender a lógica da teoria da relatividade?

[iii] Em sociologia elaboram-se experiências que são realizadas ou em vias de realização efetiva, verificam-se correlações entre conjuntos dotados de sintaxes, não se constroem teorias sobre experimentos imaginados e equacionados em lógica-matemática, como na física teórica.

[iv] Fora de lugar porque não há comunicação possível fora do psiquismo coletivo, muito menos com criaturas lógicas, como os seres imaginados não-humanos de tal imagética-espacial. Em realidade, toda a língua pressupõe um todo, uma união prévia viabilizando as significações. Ver adiante, às págs.126 sq. a noção de rede simbólica.

[v] No Tratado de Sociologia Vol. II, Georges Balandier assina um esclarecedor ensaio/artigo intitulado “Dinâmica das Relações Exteriores das Sociedades Arcaicas” em que, apreciando “Os Estudos de Contatos Culturais”, nos mostra haver um uso específico e particular aos antropólogos e etnólogos da noção de cultura e da noção de civilização, que são termos por eles utilizados em maneiras equivalentes um ao outro e estritamente vinculados aos problemas da realidade colonial, como implicando os contatos culturais. As noções de cultura e de civilização se referem então aos modelos postos em cotejo nesses estudos, que são voltados para o conhecimento específico das sociedades tradicionais dependentes. Portanto, sob este aspecto, esse uso das noções mencionadas não interessa à sociologia das obras de civilização senão como sociologia aplicada, nada tendo a ver diretamente com o assunto do nosso ensaio.

Formação do Sentimento Coletivo

In dialectics, history, laicidad, laicismo, Politics, portuguese blogs, sociologia, twentieth century on October 20, 2014 at 10:39 pm

Formação do Sentimento Coletivo
Jacob (J.) Lumier
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Sumário
Em todo o microcosmo social há virtualmente um grupo social
Diferença entre os níveis mais cristalizados da consciência coletiva e os níveis mais flutuantes
O problema da formação de um sentimento coletivo
A Imitação e as Relações com Outrem
Relações atuais entre psicologia e sociologia

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Em todo o microcosmo social há virtualmente um grupo social

Reconhecendo a imanência recíproca do individual e do coletivo, para o sociólogo não há psicologia interpessoal fora da psicologia coletiva e esta encontra seu domínio dentro da sociologia.
Deste ponto de vista, a psicologia social de Jacob Levi Moreno (1889 – 1974) situa-se ao mesmo nível dos representantes do formalismo social, que promoveram a redução de qualquer sociabilidade à simples interdependência e interação recíproca, cujos nomes mais conhecidos são: Gabriel Tarde (1843 – 1904), notado por seus debates com o notável Émile Durkheim (1858 – 1917), Georg Simmel (1858 – 1918), e Leopold von Wiese (1876 – 1969).
Na limitada orientação desses autores se preconiza que no nível psicológico da realidade social qualquer interesse está concentrado sobre a psicologia interpessoal em detrimento da psicologia coletiva propriamente dita e, por sua vez, J.L.Moreno seguindo a mesma orientação despreza as funções intelectuais e voluntárias, se limita ao aspecto exclusivamente emotivo e, neste, ao aspecto da preferência e da repugnância, deixando de lado o aspecto mais significante que é a aspiração.
Por contra, reconhecendo a imanência recíproca do individual e do coletivo, para o sociólogo não há como disse psicologia interpessoal fora da psicologia coletiva e esta encontra seu domínio dentro da sociologia. Daí a importância do conceito dialético de grupo como atitude coletiva em sociologia envolvendo as mencionadas três escalas dos quadros sociais – a escala dos Nós-outros (escala microssociológica), a dos grupos e classes (escalas parciais), a das sociedades globais e suas estruturas.
Com efeito, para o sociólogo só é possível falar de grupo quando em um quadro social parcial aparecem as seguintes características: 1) – predominam as forças centrípetas sobre as centrifugas; 2) – os Nós-outros convergentes predominam sobre os Nós-outros divergentes e sobre as diferentes relações com outrem.
Quer dizer, é dessa maneira e nessas condições que o quadro do microcosmo das manifestações de sociabilidade que constitui um grupo social particular pode afirmar-se no seu esforço de unificação como irredutível à pluralidade das ditas manifestações. Daí a percepção desenvolvida na sociologia diferencial de que em todo o microcosmo social há virtualmente um grupo social particular que a mediação da atitude coletiva faz sobressair .
O grupo é uma unidade coletiva real, mas parcial, que é observada diretamente, como já foi dito. Essa unidade é fundada exatamente em atitudes coletivas contínuas e ativas; além disso, todo o agrupamento social particular tem uma obra comum a realizar, encontra-se engajado na produção das “idéias” como o direito, a moral, o conhecimento, etc., de tal sorte que sua objetivação se afirma, reiteradamente, como “unidade de atitudes, de obras e de condutas”, advindo dessa característica objetivação que o grupo se constitua como quadro social estruturável, com tendência para uma coesão relativa das manifestações da sociabilidade.
Nota-se, então, no conjunto dos agrupamentos particulares, uma dialética entre a independência e a dependência a respeito do modo de operar da sociedade global. Dessa forma observa-se que os grupamentos mudam de caráter em função dos tipos de sociedades globais em que se integram conforme hierarquias específicas, notadamente conforme a escala dos agrupamentos funcionais .
Sabemos que Durkheim e seus colaboradores já na primeira metade do século XX tomaram em consideração a existência de memórias coletivas múltiplas acentuando que as consciências individuais se revelam penetradas pelas memórias coletivas (Maurice Halbwachs).
►Durkheim ele próprio em debate com Gabriel Tarde ao insistir que não se pode desconhecer a descontinuidade e a contingência que diferenciam as esferas do real se posiciona sobre a referência das funções cerebrais na vida da consciência, como que antecipando a preocupação das chamadas ciências cognitivas.
Assim em seu estudo sobre Les Représentations Collectives et les Représentations Individuelles, estudo posteriormente inserido na sua obra Philosophie et Sociologie, pressentindo a dialética ao argumentar por analogia sobre a autonomia relativa nas relações entre a consciência coletiva e a consciência individual, Durkheim deixa claro sua recusa em reabsorver a consciência coletiva nas consciências individuais nos dizendo que isto equivaleria a reabsorver o pensamento na célula e retirar à vida mental toda a especificidade.
Certamente já se sabe hoje em dia que a descontinuidade diferenciando a consciência individual das células do cérebro não é idêntica àquela que diferencia a consciência coletiva da consciência individual. Apesar de suas variadas implicações, o psíquico e o biológico ou orgânico pertencem a esferas do real mais ou menos disjuntas, admitindo sobreposição, enquanto que, pelo contrário, a consciência coletiva e a consciência individual são manifestações da mesma realidade, estudada segundo Gurvitch como fenômeno psíquico total (Mais informação em Lumier, Jacob (J): “Psicologia e Sociologia: o sociólogo como profissional das ciências humanas”)
***

Diferença entre os níveis mais cristalizados da consciência coletiva e os níveis mais flutuantes.

Quanto aos argumentos fundados na preexistência da consciência coletiva encontram-se notadamente na obra Le Suicide e são observados a partir da crítica à psicologia interpessoal da imitação proposta por Gabriel Tarde, notando-se que, nessa crítica, Durkheim chega a tornar mais precisa a relação entre a consciência coletiva e as consciência individuais.
Com efeito, sobressaem as seguintes afirmações: (a) – que as tendências e as paixões coletivas são forças sui generis que dominam as consciências particulares; forças tão reais quanto as forças cósmicas, embora de outra natureza e agindo igualmente do exterior sobre os indivíduos, mas por outras vias; (b) – desta sorte, os estados coletivos existem no grupo, de cuja natureza derivam, antes de afetarem o indivíduo como tal e de organizarem nele … uma existência puramente interior (por exemplo, é só pouco a pouco que a força arrastando ao suicídio penetra o indivíduo); (c) – essa exterioridade da consciência coletiva – a qual segundo Durkheim resulta da própria heterogeneidade da mesma – e que se manifesta no fato do psiquismo existir antes de penetrar nas consciências individuais, nada tem a ver com a materialização do psiquismo na base morfológica da sociedade, nem com a cristalização do mesmo psiquismo nas instituições, nem com a sua expressão em símbolos jurídicos, morais e religiosos .
Aliás, nesta obra de Durkheim datada em 1897 (Le Suicide) se põe em relevo a percepção clara a respeito da diferença entre os níveis ou camadas mais cristalizados da consciência coletiva e os níveis mais flutuantes, notando que estes últimos não se deixam aprisionar na objetividade.
(d) – Com efeito, Durkheim afirma haver toda uma vida coletiva que está em liberdade: todas as espécies de correntes vão, vem, circulam em todas as direções, cruzam-se e misturam-se em mil maneiras diferentes precisamente porque estão em perpétuo estado de mobilidade e não conseguem revestir-se de uma forma objetiva (por exemplo, se hoje é um vento de tristeza e desencorajamento que se abate sobre a sociedade, amanhã, pelo contrário, um sopro de alegre confiança virá levantar os ânimos).
Quer dizer, (e) – os níveis ou camadas mais cristalizados da consciência coletiva, compreendendo as condutas regulares, as “instituições”, as estruturas sociais, os próprios preceitos morais e jurídicos exprimem apenas uma parte da vida subjacente da consciência coletiva, resultam dela, mas não a esgotam; (f) – na base da vida subjacente da consciência coletiva mais cristalizada (subjacente inclusive às consciências individuais) há sentimentos atuais e vivos que as camadas mais cristalizadas resumem, mas dos quais são apenas o invólucro superficial. Tais camadas cristalizadas não despertariam qualquer ressonância se não correspondessem a emoções e a impressões concretas. E Durkheim sentencia: não se deve, pois, tomar o signo pela coisa significada.
Desta forma, não se deixa passar em silêncio a alta relevância para a sociologia realista dessas observações de Durkheim a respeito da diferença entre os níveis ou camadas mais cristalizados da consciência coletiva e os níveis mais flutuantes a nos lembrar que se trata de uma antecipação do conceito sociológico de fenômenos sociais totais aplicado por Marcel Mauss e desenvolvido por Gurvitch.
Quer dizer, Durkheim nega que a exterioridade da consciência coletiva em relação à consciência individual possa ser interpretada como projeção da própria consciência coletiva no mundo exterior ou em imagens espacializadas (por exemplo, como interação entre as consciências, como repetição) ou então que a fusão dessas consciências corresponda a uma síntese química, como ele próprio o dirá.
O problema da formação de um sentimento coletivo.

►Voltando neste ponto ao debate de Durkheim e Gabriel Tarde, a análise proposta por Gurvitch põe em relevo o interesse sociológico como referido sobretudo ao problema da formação de um sentimento coletivo.
Na efervescência dos grupos não há nem modelo nem cópia, mas fusão de certo número de estados psíquicos no seio de outro que deles se distingue e que é o estado coletivo: em vez de imitação se deveria falar de criação, visto que desta fusão resulta algo novo – resulta um sentimento coletivo – sendo este processus o único pelo qual o grupo tem a capacidade de criar.
Gurvitch assinala que, não obstante a notável precisão introduzida por Durkheim em sua obra “Le Suicide” ao afirmar que as camadas cristalizadas não despertariam qualquer ressonância se não correspondessem a emoções e a impressões concretas, o problema do sentido exato dos termos exterioridade ou transcendência do psiquismo coletivo, que se acrescenta ao termo irredutibilidade ou ao termo heterogeneidade resta não esclarecido, observando-se ambigüidades e insuficiências.
Sem dúvida, na refutação da psicologia interpessoal da imitação proposta por Gabriel Tarde, Gurvitch concede que Durkheim distinga (a) – a participação ou a procedência da imitação na consciência coletiva e (b) – faz sobressair toda a oposição sociológica entre fusão ou penetração das consciências e a sua simples interação ou interdependência.
►Todavia, há que destacar o desconhecimento tanto por Durkheim quanto por Tarde de que o fenômeno essencial da psicologia coletiva e que a insere no domínio da sociologia é a imanência recíproca e a dialética entre as consciências coletivas e as consciências individuais.
Com efeito, Durkheim se opõe ao alargamento do termo imitação e à sua utilização em sentido ampliado. Ou seja, repelia a utilização do termo imitação para designar (a) – fosse o processus pelo qual no seio de uma reunião de indivíduos se elabora um sentimento coletivo, (b) – fosse o processus de que resulta a adesão social às regras comuns ou tradicionais de conduta.
A sugestão por Gabriel Tarde de que a psicologia social podia ser reduzida ao termo imitação desdobra-se na afirmação de imitação recíproca “de um por todos e de todos por um” nas assembléias das cidades; bem como na afirmação de imitação dos costumes cujos modelos seriam os nossos antepassados para designar a nossa adesão às regras – havendo também uma sorte de imitação dos modos cujos modelos seriam os nossos contemporâneos.
Por sua vez, Durkheim houvera entendido imitação em sentido estrito e aceitava a sua aplicação como designando a reprodução automática por repetição do estado de consciência de um indivíduo por algum outro indivíduo, incluindo a reprodução de um movimento feito por algum semelhante.
►Nada obstante, Durkheim repelia qualquer alcance social nesta reprodução automática e negava qualquer influência coletiva. Vale dizer, Gurvitch assinala como sendo durkheimiana a noção bem delimitada de imitação e bem exclusiva, no sentido de que a imitação dispensa qualquer comunidade intelectual ou moral entre dois sujeitos, não sendo necessário nem que permutem serviços, nem que falem a mesma língua para a imitação.
Seria, portanto, ilegítimo designar por imitação a submissão aos modos e aos costumes, assim como a participação na efervescência coletiva, pois em ambos os casos trata-se de manifestações da consciência coletiva.
Na efervescência dos grupos não há nem modelo nem cópia, mas fusão de certo número de estados psíquicos no seio de outro que deles se distingue e que é o estado coletivo: em vez de imitação se deveria falar de criação, visto que desta fusão resulta algo novo – resulta um sentimento coletivo – sendo este processus o único pelo qual o grupo tem a capacidade de criar.
Em complementaridade, o posicionamento durkheimiano afirma igualmente que conformar-se com os costumes e os modos nada tem a ver com imitação, que neste caso é somente aparente: o ato reproduzido é tal não por se ter verificado na nossa presença ou com o nosso consentimento. Nossa adesão à regra se dá em virtude do respeito inspirado pelas práticas coletivas e por causa da pressão da coletividade sobre Nós-outros para evitar a dissidência. Ao contrário de imitação, conformar-se com os costumes é estar consciente da existência da consciência coletiva e inclinar-se perante ela.

A Imitação e as Relações com Outrem

Mas não é tudo. Em sua análise sociológica crítica, Gurvitch observa ademais certa incoerência dentre as seguintes orientações em que (a) e (b) são insuficiências e (c) é positiva, seguintes:
(a) – Gabriel Tarde e Durkheim pressupõem em primeiro lugar que as consciências individuais perfeitamente isoladas podem entrar em contato independentemente de qualquer recurso à consciência coletiva;
(b) – pressupõem em segundo lugar que a reprodução imitativa pode não ser reduzida a fenômenos de reprodução automática ou “contágios” – aplicáveis aos animais como ao homem e que se afirmam fora da vida social;
(c) – pressupõem em terceiro lugar e esta é a orientação positiva que tal reprodução imitativa pode ser fundamentada em signos e símbolos – aspecto este desenvolvido segundo Gurvitch pelo notável psicólogo social americano G.H. Mead em sua obra “Mind, Self and Society”, de 1934.
Assim, a respeito dessa terceira pressuposição e em acordo com a análise de Gurvitch, podemos dizer que, ao se imitar, por exemplo, não o “espirro” ou o temor de outro, mas sim os seus gestos, as suas condutas conscientes, as suas opiniões, os seus atos refletidos, os seus juízos, etc. a imitação pressupõe a comunicação das consciências por meio de sinais e símbolos – e essa comunicação simbólica pressupõe por sua vez a fusão ou a interpenetração prévia das consciências, isto é: pressupõe uma consciência que dê aos signos simbólicos significações idênticas para os participantes.
►Mas não é tudo. Gurvitch sublinha que nenhum contato, nenhuma interdependência, nenhuma imitação distinta do simples “contágio” são possíveis entre as consciências individuais de outra forma que não seja no plano ou no horizonte da consciência coletiva. Durkheim se equivoca quando, por efeito de sua argumentação contra Tarde levando-o a reduzir a imitação à reprodução automática, chega à conclusão de que a psicologia interpessoal é inexistente e não passa de outro nome para a psicologia individual tradicional.
Por contra, Gurvitch admite dentro da sociologia uma psicologia interpessoal e intergrupal em conexão com a psicologia coletiva. Nota que a existência dos Nós-outros, por um lado, dos Eu e de Outrem, por outro lado, leva a reconhecer as relações mentais com outrem, isto é, as relações psíquicas entre Eu, Tu, ele e entre os diferentes Nós-outros, sublinhando que essas relações pressupõem a realidade muito mais complexa e rica das manifestações da sociabilidade.
Enfim, diante de Gabriel Tarde, Gurvitch assinala que o estudo da imitação põe o problema da realidade do outro, o alter ego, assim como o problema da validade dos signos e símbolos, cuja solução conduz necessariamente ao estudo sociológico dos Nós-outros na vida dos grupos sociais, bem como o estudo dos atos e estados mentais coletivos ou que são manifestações da consciência coletiva .
►Mas a análise sociológica dos fenômenos da consciência prossegue e põe em questão a aplicação das imagens espacializadas, sobretudo as da interação entre as consciências, a da repetição ou a comparação da fusão das consciências individuais a uma síntese química, imagens espacializadas estas que destroem a especificidade extra-espacial e total da vida psíquica.
Deste ponto de vista, por contra, se distingue em acordo com Gurvitch os fenômenos da psicologia interpessoal e intergrupal, por um lado, e por outro lado os fenômenos da psicologia coletiva propriamente dita, sublinhando que se trata de duas espécies de fenômenos que não se excluem e estão profundamente unidos.
Vale dizer, os casos em que as consciências comunicam somente por signos e símbolos, por expressões mediatas e convergem ficando mais ou menos fechadas – tais os fenômenos da psicologia interpessoal e intergrupal – não podem ser consideradas em maneira excludente em relação aos outros casos em que as consciências podem interpenetrar-se diretamente, por meio de intuições mais ou menos atuais originando freqüentemente as fusões parciais de consciências abertas tendo por quadros sociais os Nós-outros , tais os fenômenos da psicologia coletiva propriamente dita.
Repelindo em definitivo a aplicação de imagens espacializadas, a unidade dessas duas espécies de fenômenos representando aspectos do que chama fenômenos psíquicos totais baseia-se no seguinte: (a) que os fenômenos da psicologia interpessoal, especialmente a comunicação simbólica, são inseparáveis da psicologia coletiva porque as relações entre Eu e Outrem assim como a validade dos signos mediatos ou signos simbólicos pressupõem a presença atual ou virtual do Nós-outros sob o seu aspecto mental; (b) – que, em contrapartida, é por intermédio do psiquismo interindividual e intergrupal que a consciência coletiva alarga freqüentemente o círculo da sua influência e atrai, por vezes, novas participações.
A insuficiência da aplicação do princípio da imanência recíproca e da implicação mútua por Durkheim nestes pontos explica sua conclusão em favor da preexistência da consciência coletiva como se afirmando antes de afetar a consciência individual e penetrar no seu interior.
Em acordo com Gurvitch este argumento pressupõe equivocadamente o isolamento entre as duas consciências, a individual e a coletiva, isolamento contrário a qualquer experiência psicológica e que só é possível de conceber na contramão da imanência recíproca e da implicação mútua pela aplicação simplista à vida psíquica dos esquemas imagéticos espaciais (imagine duas substâncias químicas…, imagine duas pessoas…, etc.).
Ademais, evitando o refúgio metafísico a que tal argumento da preexistência da consciência coletiva o levaria, e não se deixando conduzir para além de uma ciência efetiva como o é a sociologia, Durkheim (apesar de seu sociologismo da metamoral já mencionado) admitirá que as consciências individuais – pelo menos elas – seriam imanentes à consciência coletiva, mas sem que a recíproca fosse verdadeira.
Será por esse desvio que Durkheim afirmará ao final de sua polêmica com Gabriel Tarde a constatação da riqueza incomparável da consciência coletiva – da qual as consciências individuais não poderiam entrever senão ínfimas partes.

***
Relações atuais entre psicologia e sociologia

►Gurvitch põe em questão o obstáculo da introspecção e a falta de êxito em ultrapassá-lo pelo behaviorismo e pela psicanálise.
Quanto às observações de Gurvitch em vista de chegar a uma orientação para tornar a pôr o problema das relações atuais entre psicologia e sociologia mediante a aplicação dos procedimentos operativos dialéticos, três pontos são sucessivamente destacados: (a) – que a psicologia individual, a psicologia interpessoal e a psicologia coletiva são interdependentes; (b) – que a impossibilidade em se estabelecer uma alternativa entre psicologia individual e psicologia coletiva salta aos olhos diante do problema da comunicação; (c) – que os métodos da psicologia moderna devem ser combinados e aplicados aos fenômenos psíquicos totais para que essa psicologia venha a obter resultados positivos.
A questão de saber se é válido ou não reduzir a psicologia à sociologia ou a sociologia à psicologia tornou-se clássica e pode ser observada nos debates dos sociólogos (por vezes também entre os psicólogos) desde a constituição da sociologia chegando a alcançar o século XX. Aliás, a trajetória dessa questão por si só já sugere a compreensão da psicologia coletiva como ramo da sociologia.
Segundo Gurvitch, um dos fundadores da sociologia no século XIX que não concedeu à psicologia lugar algum em sua classificação das ciências, August Comte não só admitia a existência do psiquismo, mas pensava que a sociologia podia solucionar qualquer problema decorrente das manifestações do psíquico. Já Herbert Spencer e Stuart Mill que a reconheceram não marcaram com precisão as relações da psicologia com a sociologia.
Em Karl Marx a questão permanece em aberto, embora Gurvitch entenda que o conceito de consciência real simultaneamente coletiva e individual e tomada como oposta à ideologia – sendo esta produto da consciência mistificada – juntamente com o estudo da tomada de consciência como elemento constitutivo de uma classe social delineiam para Marx o objeto de uma disciplina especial – a psicologia coletiva – que, ademais, Henri Lefébvre designou Psicologia das Classes Sociais .
Em Gabriel Tarde a sociologia pode ser reduzida à psicologia simultaneamente individual e interindividual, que Gurvitch prefere designar psicologia intermental. Por contra Durkheim nega a possibilidade de reduzir ao mental e ao psíquico toda a realidade social tendo em conta a afirmação nesta última da base material da sociedade, a morfologia, juntamente com a afirmação das organizações e das instituições com seus modelos, símbolos, valores coletivos mais ou menos cristalizados e encarnados.
Além disso, ao contrário do posicionamento de Tarde, para Durkheim é somente como parte integrante da realidade social que a vida mental ou psíquica pode interessar à sociologia, isto é, como mentalidade coletiva. Entendia a psicologia coletiva como ramo da sociologia e preconizava a fusão na sociologia da psicologia individual ou intermental – distinguida da psicopatologia e da psicologia fisiológica.
Quanto à análise das tendências mais recentes da psicologia moderna, Gurvitch põe em questão o obstáculo da introspecção e a falta de êxito em ultrapassá-lo pelo behaviorismo e pela psicanálise. Sublinha, aliás, que tomar a introspecção como obstáculo é a atitude própria da sociologia sendo essa atitude que se encontra na origem da desclassificação da psicologia por Comte e por Durkheim.
Desta forma, cabe assinalar o fracasso dos sociólogos que, seja adotando o behaviorismo, seja adotando a psicanálise, seja os dois combinados tentaram dotar a sociologia com uma nova metodologia. Segundo Gurvitch, essa tentativa de renovação acabou por se traduzir em um retorno a posições que lembram Gabriel Tarde: a sociologia behaviorista ou psicanalítica não conseguiu desligar-se da psicologia individual. É o caso de autores como Pavlov e Watson que desenvolveram o behaviorismo e os sociólogos Floyd Allport, Read Bain, Georges Lundberg e outros que o aplicaram à sociologia.
Ademais, a introdução da noção de excitantes sociais e de reações fundadas sobre a reflexão não alterou o fato de que o behaviorismo permaneceu uma teoria psicofisiológica orientada exclusivamente para o indivíduo.
Gurvitch nos oferece um exemplo cabal da insuficiência fundamental do behaviorismo aplicado à sociologia pondo em relevo o disparate a que se chega ao se excluir o alcance prioritário dos símbolos sociais para a compreensão dos comportamentos.
Opõe-se nosso autor à tese dos juristas behavioristas norte-americanos ao afirmarem que o direito não é senão o comportamento do juiz em um tribunal. Toma como exemplo o fato de que o indivíduo humano tem manifestações comportamentais de ordem fisiológica (espirra, se assua, cospe) e que as incluindo em conseqüência o comportamento do juiz não produz em modo algum direito.
Quer dizer, para que esse efeito de produzir direito seja verificado é preciso que a conduta do juiz seja penetrada por certo conjunto de símbolos sociais. O comportamento simbólico do juiz depende muito mais das significações sociais jurídicas do que de uma criação pessoal. Tal o limite da estreita concepção behaviorista.
O círculo vicioso da mentalidade individual exclusiva limitando a psicologia social tentada por Freud prende-se à origem nitidamente fisiológica observada na psicopatologia do desejo sexual.
Já quanto à análise crítica da psicanálise podemos notar que o círculo vicioso da mentalidade individual exclusiva assinalado por Gurvitch como limitando a psicologia social tentada pelo próprio Freud prende-se à origem nitidamente fisiológica observada na psicopatologia do desejo sexual da qual partiu o pensamento do fundador da psicanálise.
A psicologia social em base psicanalítica é limitada e circunscreve-se aos estados psíquicos individuais. As relações sociais que afetam esses estados individuais são concebidas por Freud sob a forma de projeções subjetivas do “Id” (Isto) e do “Superego”. Gurvitch destaca que este pensador procura sempre explicar a vida social pela libido, pelos recalcamentos e complexos, assim como pelos conflitos entre os desejos individuais e os comportamentos sociais, tidos estes comportamentos como dominados pelos modelos culturais.
Nada obstante, o limite da mentalidade individual exclusiva veio a ser ultrapassado por alguns discípulos de Freud – como Eric Fromm, Horney e Kardiner – que, ao tentarem combinar as idéias da psicanálise umas vezes com Marx, outras vezes com a teoria dos papéis sociais tornaram estabelecidos laços funcionais indissolúveis entre a pessoa humana e a realidade social, bem como entre a mentalidade individual e a mentalidade coletiva .
Entretanto essa adaptação da psicanálise à sociologia não significou a ultrapassagem completa da discussão sobre a relação entre psicologia e sociologia, embora seja sabido que ninguém mais considera tal questão sob a forma de alternativa.
Um bom exemplo é Kardiner que segundo Gurvitch (a) – lembra as concepções de Gustave Lebon, Pareto e Sorel, (b) – desconheceu a sociologia e a psicologia coletiva desenvolvida por Durkheim e seus colaboradores interessando em modo especial a psicologia coletiva da inteligência (estudo das representações coletivas, memória coletiva, categorias e classificações lógicas), (c) – desconheceu a psicologia desenvolvida pelo norte-americano G.H. Mead igualmente orientada para a psicologia coletiva da inteligência, (d) – teve recaídas em posições simplistas ao afirmar que só a psicologia da vida afetiva e emocional é a única que está diretamente em relação com a sociologia.
Retornando à tentativa gurvitcheana para formular em nova maneira com vistas à colaboração as relações atuais entre a psicologia e a sociologia sobressai a compreensão oferecida por Marcel Mauss em seu discurso sobre “As Relações Reais e Práticas da Psicologia e da Sociologia” .
Segundo Gurvitch o valor exemplar desse texto consiste (a) – em ter proclamado o fim da competição entre psicologia e sociologia mostrando que as duas disciplinas vão buscar uma à outra os seus conceitos e a sua terminologia, incluindo as noções de expectativa, símbolo, mentalidade, atitude, papel social, ação, etc.; (b) – em ter proclamado igualmente o fim da oposição entre a psicologia coletiva e a psicologia individual.
A penetração do social no psicopatológico é um fato conseqüente não só para a psicologia patológica, mas igualmente para a psicologia fisiológica.
Com efeito, contra essa oposição afirma-se a idéia de que o social penetra no psicopatológico e que essa penetração do social é um fato conseqüente não só para a psicologia patológica, mas igualmente para a psicologia fisiológica.
Gurvitch nos lembra o parecer dos psiquiatras segundo o qual as neuroses têm sua origem não só em uma integração insuficiente na vida social, mas em modo especial as neuroses ocorrem lá onde se constata a desadaptação entre os papéis sociais representados e as capacidades efetivas dos pacientes.
Além disso, para reforçar o fim da competição entre psicologia e sociologia Gurvitch assinala uma linha de pesquisa voltada ao estudo da medida pela qual o social age sobre o fisiológico, seguinte: (a) – desenvolvida por Marcel Mauss em seu estudo sobre “As Técnicas do Corpo”; (b) – assinalada nas observações de Robert Hertz sobre a origem social da preeminência da mão direita; (c) – reconhecida pelas definições de Charles Blondel segundo as quais (c1) – o psíquico se encontra situado entre o corpo e a sociedade, (c2) – a consciência mórbida dos doentes mentais representa a dissociação social do psíquico e do consciente.
Nota-se igualmente a não competição entre psicologia e sociologia nas observações dos sociólogos sobre o alcance das interdições religiosas que permanecem profundamente enraizadas na mentalidade psicopatológica. Assim, por exemplo, em relação a pacientes sob o domínio desses interditos, nota-se como eficácia social das religiões, que os mesmos podem ser impedidos de cometer o suicídio se este é proibido em sua religião.
***
©2009 by Jacob (J.) Lumier
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Laicidade e Democracia

In cidadania, Democracia, direitos humanos, history, laicidad, laicismo, Politics, portuguese blogs, PSOE on May 25, 2013 at 12:04 pm

Reproduzo aqui a notícia sobre o posicionamento da Vicesecretaria General del Partido Socialista Obrero Español – PSOE em referência da intempestiva e despropositada interferência da hierarquia da Igreja Católica em sua tentativa de hostilizar o PSOE que reconhecidamente promove a corrente de opinião laica que bem compreende a indispensabilidade da laicidade para o avanço da liberdade de expressão, da democracia social e para o combate efetivo às desigualdades sociais.

Autor JLumier2012

Jacob (J.) Lumier

 

La Vicesecretaria General del PSOE, Elena Valenciano ha calificado de “intolerables” las declaraciones del portavoz de la Conferencia Episcopal, Juan Antonio Martínez Camino, quien esta tarde ha asegurado que el PSOE tiene poca tradición democrática.

Valenciano ha asegurado que “el PSOE no va a permitir que los obispos le den lecciones de democracia” y le ha recordado a Martínez Camino que en España hubo una dictadura y un régimen totalitario al que por desgracia no se opuso la jerarquía de la Iglesia. A su juicio, “es el colmo que ahora vengan a dar credenciales de democracia”.

La dirigente socialista le ha recomendado además al portavoz de los obispos que se informe antes de hablar, porque el PSOE no se opone a la clase de religión; de hecho, la actual ley educativa, aprobada por el gobierno de Zapatero, la recoge. “A lo que nos oponemos”, ha añadido, “es a que cuente para la nota media como cualquier otra asignatura “.

Valenciano lamenta que la jerarquía de la Iglesia se empeñe en imponer su doctrina moral a toda la sociedad y censura que el Gobierno del PP ceda a la presión de los Obispos y haya aprobado una ley educativa para contentarles.

La número 2 del PSOE reitera que el partido promoverá la ruptura del Concordato con la Santa Sede si el gobierno del PP y la jerarquía eclesiástica se saltan todos los consensos y recortan derechos y libertades.

Por último, Valenciano lamenta que la Conferencia Episcopal siga intentado hacer política y siga tan alejada de la realidad social.

Mais informação tecle aqui e acesse a página Web do PSOE

Leitura de Karl Marx do ponto de vista da sociologia do conhecimento

In cidadania, Democracia, dialectics, direitos humanos, history, laicidad, Politics, sociologia, twentieth century on February 5, 2013 at 7:55 pm

Karl Marx e a Sociologia do Conhecimento – 2ª edição ampliada

Karl Marx e a Sociologia do Conhecimento - 2ªedição
Karl Marx e a Sociologia do Conhecimento – 2ªedição

Karl Marx e a Sociologia do Conhecimento – 2ª edição ampliada

Jacob (J.) Lumier  Sociólogos sem Fronteiras - Rio de Janeiro

Sociólogos sem Fronteiras – Rio de Janeiro

de SSF/RIo


Sumário
Apresentação    7
O Ponto de Vista da sociologia diferencial     11
A realidade social é integrada em modo dialético.    11
O Conhecimento Na Realidade Social    17
A colocação do conhecimento em perspectiva sociológica    18
A vertente sociológica de Saint-Simon    19
Determinismos sociais    20
Estrutura de classes    21
O conservadorismo hegeliano como obstáculo    22
A Consciência Sociológica contra os preconceitos filosóficos    23
Tecnificação, Regulamentações Sociais e Desigualdades.    24
Era da Automação e das Máquinas Eletrônicas    24
Controle automatizado e disparidade de opulência e pobreza    24
O sistema de controle da produção e o saber operário    25
A tecnificação e as regulamentações sociais    25
A Mentalidade de modernização    27
Durkheim e a Crítica ao utilitarismo    28
Consciência do contraste    28
Técnica e Tecnificação    29
O Plano organizado e O Espontaneísmo social    29
Tecnificação e sintaxe    30
Desenvolvimento das expectativas    30
Problemas reais e esquemas prefixados    31
A mirada diferencial    32
A divisão do trabalho técnico e a introdução do maquinismo    33
Não há ligação originária entre ciência e técnica.    34
A distributividade do conhecimento técnico    35
Notas Complementares ao Capítulo 2    38
Karl Marx e a Sociologia do Conhecimento    39
A consciência da sociologia do conhecimento    39
Orientações de Durkheim    40
Mannheim e o equívoco da causalidade final    41
O Suposto a priori axiológico.    42
Materialismo e espiritualismo são abstrações.    43
A Qualidade Subjetiva    44
O equívoco de um processo mental adaptativo    45
Problema sociológico da ideologia em Marx    46
Sociologia e política no conceito de alienação    47
Ideologia proletária e Teodicéia    48
A Dialética das Alienações em Marx    49
Os símbolos sociais e o conhecimento    51
Marx e o fetichismo da mercadoria    52
A liberdade libertadora no mundo da produção    53
A laicização na crítica da consciência alienada    54
Práxis social e dialética    55
Marx e as suas duas revoltas na conceituação.    56
Humanismo e sociologia em Marx    58
Práxis e sociologia    59
Graus de prometeísmo    59
A relativização do arcaico e do histórico    60
O advento da liberdade humana e sociedades históricas    62
Mentalidade da Economia Política    64
Psiquismo Coletivo da Estrutura de Classes    66
As Três dimensões do Psiquismo    67
A Postura do Sociólogo    69
O aproveitamento da sociologia de Marx    71
Hegel e Marx    71
O hegelianismo de Mannheim    74
Ideologia e Conhecimento Político    75
Realismo sociológico    76
Um conhecimento político da burguesia    77
Mirada diferencial sobre o conhecimento político    77
Objetivações da ordem institucional    78
Os temas coletivos reais    80
As classes do conhecimento    82
Artigo Anexo    85
A desconstrução das desigualdades sociais    87
Artigo Anexo-Subtítulos    91
Perfil do Autor Jacob (J.) Lumier    123
Índice    125
Notas de Fim    126

Apresentação[1]

Não há negar que o estudo da teoria sociológica não tem mais como preservar-se abstrato na era das técnicas de informação e comunicação. A ideia de Max Weber (1864 – 1920) voltada para pôr em obra uma metodologia das ciências sociais levando em conta unicamente as fontes documentais clássicas de história das civilizações, como os relatos de época e a pesquisa historiográfica, padece de anacronismo diante do impressionante desenvolvimento das técnicas de comunicação, quando em um abrir e fechar de olhos são percorridos sem fronteiras os diferentes tempos e escalas de tempos inerentes às civilizações, nações, tipos de sociedades e grupos variados.

Isto não significa que a teoria sociológica tenha seu alcance diminuído. Pelo contrário, novos caminhos surgem no horizonte, e se os sociólogos mais formais, como o notável Max Weber, concederam pouco mais que um olhar disperso aos níveis culturais, deixando escapar a funcionalidade dos seus quadros sociais, hoje em dia o sociólogo já não mais pode dar-se ao luxo de olhar os detalhes da história e as significações práticas das civilizações sem aprofundar a visão de conjuntos.

A era das técnicas de informação faz ver que os problemas sociológicos não mais serão alcançados sem levar em conta não somente o fato de que todo o conhecimento implica uma mentalidade coletiva e individual que lhe serve de base, mas igualmente a constatação de que nenhuma comunicação pode ter lugar fora do psiquismo coletivo.

Quanto mais tais técnicas se afirmam influentes, maior é o peso do psiquismo coletivo como problema sociológico. Mais notados igualmente são as tendências para a tecnicização / tecnificação do saber, com seus esquemas prévios, disseminando a estandardização sobre a consciência coletiva e sobre os níveis culturais da realidade social.

Desta forma, revela-se indispensável o estudo da dialética sociológica, em especial a aplicação da mirada diferencial ao problema da inserção da psicologia coletiva no âmbito da sociologia, para pôr em relevo a variabilidade e o pluralismo social efetivo [i].

O ponto de partida do presente ensaio de sociologia do conhecimento é o fim da competição entre psicologia e sociologia. Admite-se que as duas disciplinas vão buscar uma à outra os seus conceitos e a sua terminologia, incluindo as noções de expectativa, símbolo, mentalidade, atitude, papel social, ação.

Além disso, o fim da oposição entre a psicologia coletiva e a psicologia individual há tempo foi igualmente proclamado, tendo sido afirmada a ideia de que o social penetra no psicopatológico e que essa penetração do social é um fato consequente, não só para a psicologia patológica, mas igualmente para a psicologia fisiológica [ii].

A sociologia do conhecimento ao longo do seu desenvolvimento trouxe consigo para dentro do campo sociológico a pesquisa em psicologia coletiva. Da mesma maneira em que a introdução do problema da consciência coletiva por Émile Durkheim (1858-1917) acentuou tal inserção da psicologia coletiva no âmbito da sociologia, a descoberta da realidade social por trás do fetichismo da mercadoria, conseguida por Karl Marx (1818-1883), trouxe à luz o problema da dialética das alienações e, com isto, consolidou a pesquisa em psicologia coletiva como aquisição sociológica.

Além disso, o fato de que o mundo de realidade social ultrapassa qualquer imposição de condutas preestabelecidas constitui importante referência da sociologia diferencial [iii] em face do controle capitalista.

A visão mercatória da sociedade como constituída por indivíduos para a realização de fins que são primariamente fins individuais, cultivada no atomismo social e no utilitarismo, é contrária à sociologia.  Repugna a fragmentação da realidade social em uma poeira de indivíduos isolados, os quais, desprovidos de toda a ligação funcional de conjuntos, restariam meros suportes de comportamentos estandardizados.

Finalmente, esta obra tem em vista contribuir para as leituras em sociologia diferencial, e leva em conta a vinculação aos direitos humanos sem distanciar-se do caráter empírico e sem subordinar-se às doutrinas jurídicas nem tornar axiomáticas as proposições explicativas.


[1] A primeira versão E-book deste trabalho, em 64 págs., é de 2009 na Web ISSU.


[i] Veja adiante “O Ponto de Vista da sociologia diferencial”.

[ii] Veja Mauss, Marcel: “As Relações Reais e Práticas da Psicologia e da Sociologia“, in “Sociologia e Antropologia-vol.I”, São Paulo, EPU / EDUSP, 1974, 240 pp. (1ª edição em Francês: Paris, PUF, 1950).

[iii] A respeito da orientação coercitiva da teoria política, não haverá exagero em lembrar sua proposição contrária à sociologia de que a sociedade se manteria unida pelo exercício da força do grupo dos que detêm o controle de sanções e a capacidade de garantir a conformidade à lei, isto é, impor a coação. É a chamada “solução hobbesiana para o problema hobbesiano da ordem”. Cf. Dahrendorf, Ralf (1929 – 2009): “Ensaios de Teoria da Sociedade” (Essays in the Theory of Society), Rio de Janeiro, Zahar – Edusp, 1974, 335 pp. (1ª Edição em Inglês, Stanford, EUA, 1968).

(versão E-book com leitura em livre acesso)

Karl Marx e a Sociologia do Conhecimento - 2ªedição

Karl Marx e a Sociologia do Conhecimento – 2ªedição

Artigos de J.Lumier na Web Domínio Público do Ministério da Educação de Brasil

In dialectics, direitos humanos, history, laicidad, laicismo, Politics, portuguese blogs, sociologia, twentieth century on August 6, 2012 at 5:18 pm
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1 . Comunicação social e sociologia do conhecimento: artigos Jacob J. Lumier [ea] Edição do Autor .pdf 457.09 KB 7,015
2 . Cultura e consciência coletiva: leituras saint-simonianas de teoria sociológica Jacob J. Lumier [ea] Edição do Autor .pdf 1,017.75 KB 1,235
3 . Laicidade e dialética: dois artigos Saint-Simonianos para a sociologia do conhecimento Jacob J. Lumier [ea] Edição do Autor .pdf 554.80 KB 1,636
4 . Psicologia e sociologia: o sociólogo como profissional das ciências humanas Jacob J. Lumier [ea] Edição do Autor .pdf 872.51 KB 1,599
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2011 in review

In altermundialismo, dialectics, direitos humanos, ecology, history, laicidad, Politics, portuguese blogs, sociologia, twentieth century on February 27, 2012 at 7:53 pm

The WordPress.com stats helper monkeys prepared a 2011 annual report for this blog.

Here’s an excerpt:

The concert hall at the Sydney Opera House holds 2,700 people. This blog was viewed about 16,000 times in 2011. If it were a concert at Sydney Opera House, it would take about 6 sold-out performances for that many people to see it.

Click here to see the complete report.

Inscripciones abiertas para el Foro Social Mundial 2011

In altermundialismo, direitos humanos, ecology, history, laicidad, Politics on November 19, 2010 at 11:06 pm

Las inscripciones están abiertas para la próxima edición centralizada del FSM 2011, que ocurre entre los 6 y 11 de febrero en Dakar, capital de Senegal. Laorientación de la organización del FSM es que de la lectura de los 12 ejes temáticos, las organizaciones hagan el registro de sus actividades de acuerdo con el eje que les parezca más cerca de sus objetivos. Hay dos modalidades de inscripción: individual y de organizaciones. Esta última les permite participar de otros modos, como proponiendo Asambleas de Convergencia, Actividades Expandidas o aún demandar un puesto en el evento. Al igual que en otras ediciones centralizadas, sólo organizaciones pueden registrar actividades. Si usted está interesado en participar como individuo, por favor llene el formulario de registro de participantes individuales.

A las organizaciones que tienen dificultades de acceso a Internet, o si tu conoces organizaciones que quieren registrarse pero tienen el mismo problema, les recomendamos contactas a la Secretaría del Comité Organizador de Dakar:

+221 33 825 13 81
+221 77 436 88 01
+221 76 281 26 21

Más informaciones sobre el registro, favor contactar a: enregistrement@wsf2011.orgsecretariat@wsf2011.org

Para registrarse

Hay dos modalidades de inscripción: individual y de organizaciones.. Las organizaciones pueden enviar un máximo de cinco delegados y presentar un máximo de tres actividades mediante el pago de la cuota de inscripción. La fecha límite para los registros es el 15 de diciembre y el 25 de diciembre para realizar el pago. Después de esta fecha ya no se podrá inscribir actividades auto-organizadas, pero cambios de los contenidos (datos de la organización, de las actividades y de participantes) estarán abiertos en el sistema. Para esta operación, sin embargo, existe también una fecha límite, también el 25 de diciembre. La opción de pago se habilitarán en breve.

Haz clic aquí para acceder el sistema de inscripción.

Paso a paso
Si tienes alguna dificultad en completar los formularios o quieras saber más detalles sobre el proceso de inscripción, haz clic aquí y vea el paso a paso.

Ejes
Si tienes duda sobre cual eje es lo más cerca a los objetivos de las actividades de tu organización, haz clic aquí para volver a leerlos.

Traducción simultánea
Las organizaciones podrán requerir traducción simultánea en sus actividades en el formulario de registro de actividades. Atentate a las tasas adicionales!

Puestos
Las organizaciones también pueden hacer solicitudes de stands de exposición. Para ello, haz clic en “puesto” en el menú superior durante el registro y haz tu demanda. Atentate a las tasas adicionales!

Asambleas de convergencia y Actividades Expandidas
Las orientaciones para el registro de Asambleas de Convergencia y de Actividades Expandidas estarán disponibles en breve.

Inscripción de comunicadores
Una ficha especial para los comunicadores estará disponible en breve.

Para más informaciones sobre el registro, favor contactar a:enregistrement@wsf2011.orgsecretariat@wsf2011.org
Para todas otras dudas, visita el sitio web oficial del Foro Social Mundial 2011:http://fsm2011.org/es