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A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica

In análise, conhecimentos universitários, crítica da cultura, dialectics, ensino superior, epistemologia, história, leitura, metodologia científica, pesquisa, século vinte, sociologia, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on March 3, 2016 at 5:01 pm

A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica, por Jacob (J.) Lumier

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A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica by Jacob (J.) Lumier is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
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O presente artigo deveria fazer parte do e-book “Cultura e Consciência Coletiva-2” http://www.oei.es/salactsi/CulturaConsci_06_09.pdf . Deve ser lido como parte integrante de uma série de escritos de teoria sociológica cujos links seguem no fim desta postagem.

Trata-se de situar algumas linhas básicas de pesquisa sobre os obstáculos da explicação em sociologia e, por essa via, descrever o debate suscitado em torno ao problema do círculo hermenêutico, como matéria de interesse para o estudo da sociologia do conhecimento e da metodologia científica.

Esse problema do Círculo Hermenêutico foi situado e comentado pelo autor do presente artigo em E-book publicado na OEI em 2007, antes que o referido problema tivesse ampla divulgação na Internet por outros autores de língua portuguesa. Cf Lumier, Jacob (J.):”Leitura da Teoria de Comunicação Social Desde O Ponto de Vista da Sociologia do Conhecimento”- as tecnologias da informação, as sociedades e a perspectivação sociológica do conhecimento, E-book Monográfico, 338 págs. Julho, 2007, bibliografia e índices remissivo e analítico eletrônico. (com Anexos). Link: http://www.oei.es/salactsi/lumniertexto.pdf , cf. págs. 82 sq.

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Sumário

A crítica aos preconceitos filosóficos e sua implicação na teoria sociológica.. 1

Parte 01.. 1

Karl Popper e o Problema do Círculo Hermenêutico. 1

As teorias historiográficas e as tendências subjetivistas e céticas. 3

A Crítica desenvolvida por Dilthey. 4

Escritos conexos. 5

Notas. 6

 

 

 

Parte 01

 

         Que a sociologia é contra os preconceitos filosóficos inconscientes não há muita novidade nisso. Sabe-se que, apesar de seu culturalismo abstrato, Max Weber insistiu que o cientista social se esforçasse por distinguir os juízos de valor dos juízos científicos. Exigência de objetividade que fora explicada bastante claramente no que Max Scheler e Karl Mannheim chamaram sociologia do conhecimento, a qual, em seus respectivos comentários, Daharendorf qualifica, por sua vez, como “método para a autopurificação dos cientistas sociais[i].

 

Karl Popper e o Problema do Círculo Hermenêutico

 

É claro que essa exigência de objetividade como autopurificação marca a condição mesma de um conhecimento científico, e assimila a ideia de Bacon da pureza do intelecto, isto é, a ideia de purificar o intelecto, purgá-lo de preconceito, conforme a versão de Karl Popper[ii].

Em defesa de sua teoria dinâmica do mundo dos produtos, na referência do qual situa o estudo das teorias e argumentos científicos, esse último autor faz a crítica da influência do psicologismo e, nesse marco, nota que deveria ser lembrado que Husserl e muitos pensadores ainda mais recentes consideravam uma teoria científica como uma hipótese científica que foi demonstrada verdadeira, e que a tese do caráter conjectural das teorias científicas era ainda vastamente execrada como absurda, quando o próprio Karl Popper tentara propagá-la a partir de 1930 (cf. ib. p.348 sq).

Em prosseguimento, Popper expõe uma tentativa de ilustrar, em conexão com o problema da compreensão histórica, a suposta superioridade de seu método, centrado no esforço de reconstruir criticamente as situações de problema, em detrimento do que chamou método psicológico, tido como voltado para reviver intuitivamente alguma experiência pessoal, o qual discutirá em cotejo com R.G. Collingwood[iii], mas em crítica contra Dilthey.

Desta forma, podem observar os dois conjuntos de argumentos que Popper aventa para esclarecer sobre o problema do círculo hermenêutico.

Inicialmente, considera tratar-se de um debate que foi encaminhado por Dilthey, mas supostamente de forma inadequada, já que, segundo Popper, fora desenvolvido em vista de “livrar-se da subjetividade por temer a arbitrariedade[iv].

Quer dizer, o problema do círculo hermenêutico teria surgido para Dilthey no marco da “necessidade de transcender as tendências subjetivistas e céticas em historiografia” (ib.p.352). É o problema de que o todo, seja de um texto, de um livro, da obra de um filósofo, de um período, só pode ser compreendido se compreendermos as partes constituintes, enquanto estas partes, por sua vez, só podem ser compreendidas se compreendermos o todo (ib.ibidem).

Popper não só sugere haver em Dilthey um desconhecimento da formulação anterior desse problema por Bacon, mas destaca ser essa formulação anterior que deve ser levada em conta, seguinte: “de todas as palavras temos de extrair o sentido de cuja luz cada palavra isolada deve ser interpretada”; e frisa que (1)- a palavra ‘interpretada’, nessa proposição de Bacon, significa ‘lida simplesmente’; e (2)- que a mesma ideia de transcender as tendências subjetivistas e céticas mediante o preceito de confrontar o sentido de “todas as palavras” a “cada palavra isolada” está encontrável em Galileu, lá onde, “a fim de compreender Aristóteles”, deve-se ter “todos os ditos dele sempre diante da mente”.

 

As teorias historiográficas e as tendências subjetivistas e céticas

 

Mas não é tudo. Para melhor ilustrar seu método, Popper retorna a Bacon em vista de avaliar a distinção entre “interpretatio naturae” e “anticipationis mentis”, confrontando-a ao uso que supõe ter sido aquele feito por Dilthey.

Com efeito, Popper valoriza a ideia de Bacon da pureza e de purificar o intelecto, e considera que se trata de purgar o intelecto de preconceitos. Sugere que, adequadamente entendida, essa significação equivaleria a purgar o intelecto de teorias historiográficas ou representações de experiências passadas, livrá-lo de “anticipationis mentis”.

Popper inclui, desta forma, as teorias historiográficas ou representações de experiências passadas no âmbito das tendências subjetivistas e céticas, e as situa como características do sentido moderno de “interpretação”, que, segundo ele, é o sentido que Dilthey houvera usado equivocadamente, ao ter traduzido o sentido do “simplesmente lido” por esse sentido moderno, metafórico.

Aparentemente Popper quer estabelecer que a crítica por Dilthey à historiografia e a filosofia da história se volta contra o próprio. Quer dizer, a crítica elaborada por Dilthey não se colocaria acima das tendências subjetivistas e céticas.

 

A Crítica desenvolvida por Dilthey

 

Há, porém, aspectos mais sutis e nuances significativas a respeito da orientação crítica de Dilthey que Popper não levou em conta, e que valem como refutação a essa tentativa de identifica-lo ao ceticismo.

Com efeito, na “ Introducción a las Ciencias del Espíritu”, sua mais importante obra, Dilthey nos diz que “todas as fórmulas de Hegel, Schleiermacher ou Comte, com que pretendem expressar a lei dos povos, pertencem ao pensar natural que precede a análise, e que é precisamente metafísico”. Esses pretensiosos conceitos gerais da filosofia da história não são outra coisa que as notiones universales, cuja origem natural fora descrita magistralmente por Spinoza, quem assinalou também seus fatais efeitos sobre o pensamento científico [v].

Todavia, é certo que o posicionamento intuicionista de Dilthey é abstrato, posto que não adota a explicação. No seu dizer: “o conhecimento do todo da realidade histórico-social (…) se verifica sucessivamente em um nexo de verdades que descansa em uma autognosis epistemológica (…)” (ib. p.112).

Nada obstante, embora adote desta forma a compreensão, Dilthey deixa claro sua consciência das limitações dessa autognosis epistemológica, e assim se afasta decididamente da pretensão subjetivista de chegar a um conhecimento conclusivo por esta via, ou seja, rejeita a pretensão de que a compreensão substitua a explicação.

Isto não quer dizer que a possibilidade da explicação esteja excluída na orientação de Dilthey. Pelo contrário. Comprometido com a busca de uma metodologia científica, esse pensador rejeita igualmente excluir a possibilidade da explicação e, por essa postura crítica, consegue limitar o aspecto cético de sua orientação, isto é, a atribuição de valor positivo exclusivamente à compreensão, restringindo seu alcance ao que há de previsível em relação à possibilidade da explicação. Posicionamento esse facilmente perceptível no desdobramento de sua análise sobre o conhecimento do todo da realidade histórico-social, a saber que “(…) nessa conexão de verdades se chega a conhecer a relação entre fatos, lei e regra por meio da autognosis”. Quer dizer, a compreensão encontra uma abertura para seu caminhar até a explicação.

A análise de Dilthey também nos mostra quanto distante estamos de toda a possibilidade previsível de uma teoria geral do curso histórico, por mais modestos que sejam os termos em que se fala dela. A história universal, na medida em que não é algo sobre-humano, formaria a conclusão desse todo das ciências do espírito. (ib. p.112) E ainda lemos: “a ciência unicamente se pode aproximar a encontrar princípios claros de explicação por meio da análise e valendo-se de uma pluralidade de razões explicativas” (ib.ibidem).

Em suma, o fato de Dilthey não adotar fundamentalmente a explicação não faz dele obrigatoriamente um subjetivista cético, tanto mais que ele repele inequivocamente e se afirma crítico dos preconceitos filosóficos, como conceitos gerais cultivados na filosofia da história, e não somente reconhece o valor epistemológico das razões explicativas, mas sustenta que a análise fundada na autognosis epistemológica ou, simplesmente, fundada na compreensão, se revela o único meio capaz de encontrar os princípios de explicação – embora fundada na intuição, o campo da análise compreensiva não é completamente estranho à objetividade da possível explicação determinística.

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Continua na Parte 02

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Escritos conexos

http://www.oei.es/salactsi/CulturaConsci_06_09.pdf

 

O presente artigo é parte integrante da série de escritos cujos links seguem abaixo.

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/11/03/culturalismo-e-sociologia/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/11/10/cultura-e-objetividade-segunda-parte-wilhelm-dilthey/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/10/29/cultura-e-objetividade-_-primeira-parte-max-weber/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2014/10/23/cultura-e-objetividade/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2013/04/30/vontade-de-valor-vontade-de-verdade-ideias-de-valor-em-sociologia/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/a-utopia-do-saber-desencarnado-a-critica-da-ideologia-e-a-sociologia-do-conhecimento/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/a-dialetica-sociologica-o-relativismo-cientifico-e-o-ceticismo-de-sartre-aspectos-criticos-de-um-debate-atual-do-seculo-xx/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/sartre-e-a-sociologia-diferencial/

 

https://leiturasociologica.wordpress.com/2008/09/15/resumo-para-a-dialetica-sociologica-o-relativismo-cientifico-e-o-ceticismo-de-sartre-aspectos-de-um-debate-atual-do-seculo-vinte/

 

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Notas

[i] DAHARENDORF, Ralf: “Ensaios de Teoria da Sociedade”, trad. Regina Morel, revisão e notas Evaristo de MORAES FILHO, Rio de Janeiro, Zahar-Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 1974, 335pp. (1ªedição em Inglês, Stanford, EUA, 1968), p.273].

[ii] POPPER, Karl: ‘Conhecimento Objetivo: Uma abordagem evolucionária’, tradução Milton Amado, São Paulo/Belo Horizonte, EDUSP/editora Itatiaia, 1975, 394pp, traduzido da edição inglesa corrigida de 1973 (1ªedição em Inglês : Londres, Oxford University Press, 1972), pág. 353.

[iii] COLLINGWOOD, R.G.: “A Ideia de História”, trad. Alberto Freire, Lisboa, Ed. Presença, 1972, 401pp. (1ªedição em Inglês, 1946), pp.343 a 401.

[iv] POPPER, Karl : ‘Conhecimento Objetivo : uma abordagem evolucionária, op. cit. Pág. 171.

[v] DILTHEY, Wilhelm: “Introducción a las Ciencias del Espíritu: em la que se trata de fundamentar el estudio de la sociedad y de la historia”, tradução e prólogo por Eugenio ÍMAZ , México, Fondo de Cultura Económica, 1944, 485pp. (1ªedição em Alemão, 1883), pág.113.

Quarta Parte de As Relações Humanas e a insuficiência de sua Psicologia Social

In análise, Bem-estar, cidadania, comunicação social, desenvolvimento, direitos humanos, individualismo, sociologia on February 3, 2016 at 4:25 pm

Link para a TERCEIRA PARTE

 

(…)blog simonianos

 

Fusão Parcial das consciências

 

►Descrevendo desta forma a fusão como resultante, a microssociologia estuda a sociabilidade em dois tipos: (a) – a sociabilidade por fusão parcial nos Nós-outros, cujos graus são a Massa, a Comunidade, a Comunhão; (b) – a sociabilidade por oposição parcial entre “Eu, Tu, ele, aquele”, que são as formas de relações com outrem.

Um Nós-outros constitui um todo irredutível à pluralidade dos seus membros, mas imanente às suas partes – daí representar um dos primeiros focos da dialética na realidade social, cuja variabilidade é da competência do sociólogo pôr em relevo [Ver Nota Complementar sobre o termo Nós-outros].

Essa imanência recíproca varia p. ex. caso se trate de Nós-outros semiconscientes ou de Nós-outros conscientes, Nós-outros passivos ou Nós-outros ativos, Nós-outros em luta ou Nós-outros em paz.

A força de atração exercida pelos Nós-outros sobre os Eu que neles participam encontra-se em relação de proporcionalidade direta com a intensidade da fusão constituindo esses Nós-outros.

A força de pressão exercida pelos Nós-outros sobre os seus membros encontra-se, pelo contrário, em relação de proporcionalidade inversa com a intensidade da fusão.

Evidentemente, tratam-se forças psicossociológicas diferenciadas e não-equivalentes de tal sorte que as resultantes dessas variações na atração e na pressão têm qualidades diferentes e caracterizam as formas de sociabilidade concorrentes.

No caso das massas a pressão encontra-se no máximo – em consequência a fusão não atinge mais do que um grau muito fraco em intensidade e em profundidade.

No caso das comunhões a atração está no máximo e a pressão no mínimo – em consequência as fusões são mais intensas e mais profundas.

As variações não são limitadas às massas ou às comunhões. Caso consiga integrar uma porção maior ou menor do que existe de mais interno e de mais pessoal nos Eu e nos outros, um Nós-outros afirma-se como um foco de intimidade e calor, cujos graus, porém, podem descer muito baixo ao ponto de reduzi-lo ao estado de pura virtualidade e afrouxar a participação dos membros em passividade quase completa – a própria fusão pode ser inconsciente ou não se realizar além da superfície.

Gurvitch observa que se existisse identidade entre os Eu participantes em os Nós-outros, estes não poderiam como disse constituir-se em quadro social (o “todo concreto”) e tenderiam a dissolverem-se num gênero abstrato, num “conjunto sem ligação entre exemplares idênticos”.

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Os Eu participantes não idênticos [i]

 

►A interpenetração ou fusão parcial pressupõe ao mesmo tempo uma dessemelhança e uma semelhança (uma afinidade). Essa afinidade torna-se mais forte na medida em que cresce a dessemelhança e que ao mesmo tempo se intensifica a participação no conjunto.   Portanto, as fusões parciais nos Nós-outros não podem atingir em imanência e em intensidade os graus que impulsionam no sentido da individualização ou no sentido da afinidade crescente dos Eu que nela participam. Tal a impossibilidade em afirmarem-se identidade entre os Eu participantes.

Na sociologia diferencial as ligações dos Nós-outros às intuições coletivas neles virtualmente implicadas afirmam-se em casos precisos e não em maneira geral, não se podendo ligá-los todos às intuições coletivas atuais – já que as semelhanças e as próprias dessemelhanças podem tomar as manifestações as mais variadas.

Quer dizer, é a imagem da interpenetração e da fusão parcial de várias consciências entreabertas (admitindo uma escala infinita de graus de abertura) que faz melhor sobressair o aspecto mental de um Nós-outros.

Os casos em que as intuições coletivas se tornam atuais exigem, além do mais alto grau em fusão e em atração (para os participantes), como nas comunhões, o seguinte:

(a) – que essas comunhões, no “estado de vigília, de efervescência e de excitação”, se apreendam e se reafirmem em si próprias (como, p.ex., no caso das comunhões situadas perante situações inesperadas, ou tomadas numa luta exacerbada com outras comunhões que ameaçam a sua existência);

(b) – que essas comunhões consigam apreender ideias e valores novos, ou criar obras coletivas inéditas.

No primeiro caso, Gurvitch nota que a atualidade das intuições coletivas pode ser verificada pelo fato de que as mesmas ultrapassam os signos e os símbolos (os quais contribuem para essa intensificação da fusão em um Nós-outros).

Entretanto, é admitida a raridade das intuições coletivas atuais. Quer dizer, não se encontra com frequência os Nós-outros no estado efervescente e excitado apreendendo-se e confirmando-se como tais, ou conseguindo entrever ou criar novas ideias e valores e suscitar situações totalmente inéditas.

 

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A afinidade de realidade social e esfera simbólica

 

Neste ponto, devemos retornar ao problema do simbolismo.

Em sua definição descritivo-compreensiva do pensamento simbólico como dotando o homem da nova capacidade para reajustar constantemente seu mundo humano, a análise filosófica [ii] afirma o ponto de vista da mobilidade e da variabilidade levando-nos a relembrar que a variabilidade é pesquisada com prioridade em sociologia.

Quer dizer, os símbolos são estudados em sociologia como símbolos sociais, portanto, existindo como representações que só em parte exprimem os conteúdos significados, e servem de mediadores entre os conteúdos e os agentes coletivos e individuais que os formulam e para os quais se dirigem, tal mediação consistindo em favorecer a mútua participação dos agentes nos conteúdos e desses conteúdos nos agentes. Os símbolos sociais constituem tanto uma representação incompleta, uma expressão inadequada, quanto um instrumento de participação.

Segundo Georges Gurvitch [iii], os símbolos sociais revelam velando e ao velarem revelam, na mesma maneira em que, impelindo para a participação direta no significado, travam-na.

Portanto, os símbolos constituem uma forma de comportamento diante dos obstáculos, sendo possível dizer que a função simbólica é inseparável do homem tomado coletiva ou individualmente, de tal sorte que os Eu, Nós-outros, grupos, classes sociais, sociedades globais são construtores inconscientes ou conscientes dos símbolos variados.

Na análise sociológica da esfera simbólica do mundo humano acentuam-se as seguintes constatações: (1) – a imensa variabilidade decorrente da ambiguidade fundamental do simbólico; (2) – os planos subjacentes da realidade social ela própria são dependentes do simbolismo na medida em que, justamente, simbolizam o todo indecomponível dessa realidade seccionada; (3) – ao mesmo tempo, os símbolos sociais mais especialmente ligados às obras de civilização [iv] funcionam como argamassa de colagem, juntando as descontinuidades entre os níveis seccionados; (4) – os símbolos se apoiam em experiências coletivas e atos criadores dos Nós-outros , grupos, sociedades, que (a) – constituem uniões prévias, as quais, por sua vez, tornando possível a comunicação, (a1) – ultrapassam a esfera simbólica tornando-a igualmente possível.

Nada obstante, cabe lembrar que em sociologia não se procede a reduções que não sejam procedimentos dialéticos. Constata-se que a esfera simbólica não passa de uma camada em profundidade da realidade social dentre outras.

A redução das ideias e valores e das obras de civilização ao plano do pensamento simbólico é característica da análise filosófica. Esta as destaca da realidade social e do empirismo efetivo, visando desse modo estudá-las mediante a acentuação de sua autonomia relativa como formas simbólicas dotadas de diferenças específicas.

Cabe, pois, à sociologia esclarecer que a mobilidade provém exatamente do caráter mediador dos símbolos impelindo para a participação direta no significado [v].

Desta forma, nos resultados da análise e descrição sociológica observa-se que os símbolos são muito mais indispensáveis aos Nós-outros que na realidade social servem de focos às intuições intelectuais [vi].

Por sua vez, os Nós-outros que servem de focos às ações inovadoras e criadoras (intuições da vontade) são os menos dependentes de qualquer simbolismo.

Entretanto, posta a raridade das intuições coletivas atuais, já que como disse não se encontra com frequência os Nós-outros no estado efervescente e excitado apreendendo-se e confirmando-se como tais, ou conseguindo entrever ou criar novas ideias e valores e suscitar situações totalmente inéditas, compreende-se que, em sua maior parte, os Nós-outros existentes na realidade social implicam, portanto, unicamente intuições coletivas virtuais e não atuais. Significando que:

¶Um grande número de Nós-outros permanece em estado inconsciente ou de sono e podem mesmo uma vez tornados conscientes persistir na sua passividade.

¶O elemento mental dos Nós-outros pode consistir na atualidade não dos atos (intuição e juízo), mas de estados; p.ex.: (a) os Nós-outros podem servir exclusivamente de quadros sociais à percepção ou representação coletivas, à memória coletiva, etc.; (b) eles podem afirmar-se como focos de sofrimentos e de satisfações, (c) focos de atração e de repulsão, (d) de tristeza ou de alegria coletivas; (e) focos enfim de veleidades e de esforços coletivos.

Em todos esses casos o papel desempenhado pela esfera simbólica no funcionamento dos Nós-outros permanece importante.

 

A Identificação heteropática

 

►Neste sentido compreende-se melhor a questão da identificação dos Eu participantes em um Nós-outros.

Certamente é indispensável distinguir nitidamente entre a sociabilidade por fusão parcial nos Nós-outros e os fenômenos patológicos de identificação heteropática e idiopática.

Gurvitch examina este problema a respeito dos argumentos de Durkheim em favor da coincidência total entre consciência coletiva e consciência individual pelo predomínio exclusivo da solidariedade mecânica [vii].

Observa que o mesmo vale unicamente como um argumento que tem em vista a identificação heteropática – excluindo então a identificação idiopática, que seria o aniquilamento da consciência coletiva na consciência individual.

Sem embargo, a identificação heteropática com a consciência coletiva sendo admitida, repelida fica, todavia, que tal identificação possa servir de base para explicar a realidade específica da consciência coletiva. Isto porque tal identificação só é possível na medida em que a consciência coletiva já exista!

Estudado em psicologia infantil, no fenômeno da identificação em vez de duas ou mais consciências só uma resta; (a) na identificação heteropática se afirma a consciência com a qual nos identificamos; (b) na identificação idiopática se afirma a consciência do sujeito que identifica consigo próprio a Outrem ou a um Nós-outros [viii].

Note-se que o fenômeno da identificação nada tem a ver nem com a identidade dos conteúdos nem com a identidade das próprias consciências, nem, finalmente com a ligação das consciências por uma participação recíproca [ix] .

►Apesar dessa distinção o sociólogo admite que em alguns agrupamentos e sociedades se manifestem casos intermediários, isto é, casos onde a separação entre o aspecto mental dos Nós-outros e os fenômenos de identificação é menos nitidamente acentuada que noutros casos. Assim, nos são dados os exemplos seguintes:

Os Nós-outros constituídos por membros de seitas em êxtase místico, por iniciados nos mistérios antigos, por fiéis de um chefe político, por participantes em multidões exaltadas, podem um pouco aproximar-se dos fenômenos de identificação patológica, respectivamente, do homem com o seu Deus, com o seu Chefe, com o seu Herói, com o seu Pai, etc.

Nota-se que o psiquismo dos Nós-outros onde predominam estados emotivos está mais sujeito ao deslize para esses fenômenos de identificação do que a mentalidade dos Nós-outros onde predominam os estados intelectuais ou voluntários. Bem entendido, os Nós-outros que servem de focos aos atos mentais estão mais preservados do que os Nós-outros que servem exclusivamente de quadros aos estados mentais.

 

A mediação comunicativa

 

Em acordo com a teoria sociológica de Georges Gurvitch compreende-se que todos os Nós-outros se encontram fundados em intuições coletivas no estado virtual (não traduzidas em juízos): “sem a presença das intuições coletivas virtuais, a existência dos Nós-outros seria impossível, como seria impossível a ação dos símbolos que facilitam o funcionamento dos Nós-outros e levam os seus membros à participação”.

Com efeito, a análise sociológica mostra que “a própria imanência dos Eu ao Nós-outros e dos Nós-outros ao Eu não pode efetuar-se se não for a partir de uma base intuitiva, mais não seja que virtual; é nisso precisamente que consiste em última análise a fusão parcial ou interpenetração”.

Ao mesmo tempo, quaisquer que sejam, todos os Nós-outros funcionam como precedendo qualquer mediação comunicativa por meio de sinais e símbolos, que poderia em seguida contribuir para sua conservação, sua consolidação e o seu reforço – o exemplo da língua impondo-se aqui.

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Nota Complementar sobre o termo < Nós-outros >:

Para designar a forma mais complexa de sociabilidade, usamos a expressão clássica verificada inclusive em “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freire, < Nós-outros >, e não somente a designação < Nós > desse pronome, mais comum, a fim de pôr em relevo o fato de que, em os Nós, encontra-se incluída a sociabilidade por relações com outrem e que essa designação complexa e essa compreensão não são invenções do sociólogo, mas uma compreensão afirmada na própria língua portuguesa, uma realidade social.

 

 

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Notas

 

[i] Alguns dicionaristas reconhecem que em acepção substantiva e não pronominal, para designar a presença individual tomada pelo aspecto de sua consciência ou de sua subjetividade, o plural de Eu, além da forma Nós-outros, admite a forma “Eus” que, todavia, não adotamos.

[ii] Cf. Cassirer, Ernst: “La Philosophie des Formes Simboliques (La Conscience Mythique)”, versão francesa por Jean Lacoste, Paris, Les Éditions du Minuit, 1972, 342 pp., (1ªedição em Alemão: 1925).

[iii] Gurvitch, Georges et al.: “Tratado de Sociologia“, volumes 1 e 2, revisão Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1964 (vol.1), 1968 (vol.2). (1 as edições em Francês: Paris, PUF, 1957, 1960, respectivamente).

[iv] Os símbolos da linguagem, conhecimento, moralidade, arte, religião, direito, incluindo as idéias e valores que essas obras de civilização implicam (mediante redução ao plano do pensamento, a análise filosófica as estuda em sua autonomia relativa como formas simbólicas dotadas de diferenças específicas).

[v] Ver Lumier, Jacob (J). “Cultura e consciência coletiva-2“, Web da OEI, Junho 2009, pdf 169 págs. link: http://www.oei.es/cienciayuniversidad/spip.php?article388

[vi] Por exemplo, os nós-outros que servem de foco na compreensão do “Nós professores, Nós moradores, Nós empreendedores, etc.”, os Nós participantes em situações concretas de todas as espécies.

[vii] Gurvitch, Georges (1894-1965): “A Vocação Actual da Sociologia” – vol. 1 e vol. 2, Lisboa, Cosmos, 1968 / 1979.

[viii] Os papéis sociais podem ser reificados e tornarem-se alheios ao reconhecimento, de tal sorte que o setor da autoconsciência que foi objetivado num papel é então também apreendido como uma fatalidade inevitável, podendo o indivíduo estranhado negar qualquer responsabilidade no círculo das suas relações (no sentido da identificação idiopática afirmando a consciência do sujeito que identifica consigo próprio a Outrem ou a um Nós-outros). Quer dizer, “a reificação dos papéis estreita a distância subjetiva que o indivíduo pode estabelecer entre si e o papel que desempenha”. Cf. Berger, Peter e Luckmann, Thomas: “A Construção Social da Realidade: tratado de sociologia do conhecimento”, trad. Floriano Fernandes, Rio de Janeiro, editora Vozes, 1978, 4ª edição, 247 págs. (1ª edição em Inglês, New York, 1966).

[ix] Igualmente, a alternativa entre a identidade dos conteúdos das consciências e a identidade dessas mesmas consciências tampouco pudera servir para explicar a realidade específica da consciência coletiva, haja vista o seguinte: (a) – é evidente que a identidade de certos conteúdos e mesmo de todos os conteúdos das consciências individuais não as faz em modo algum fundirem-se em uma nova unidade; (b) – nenhum individualista jamais negou a presença de certos conteúdos idênticos nas consciências particulares, o que não impediu que elas fossem consideradas como isoladas umas em relação às outras.

TERCEIRA PARTE de As Relações Humanas e a insuficiência de sua Psicologia Social

In análise, Bem-estar, cidadania, comunicação social, desenvolvimento, direitos humanos, individualismo, sociologia on February 3, 2016 at 1:15 pm

Link para a SEGUNDA PARTE

 

(…)

 capa  A Soci do Roman (2)

 

A referência das ideias e valores e a formação de um sentimento coletivo

 

Os Nós-outros formam um quadro microssocial privilegiado no domínio das significações, dos símbolos, das ideias e valores, dos atos mentais.

 

Caminhando no sentido da sociabilidade, cabe ao sociólogo examinar as significações práticas encaradas, vividas ou desejadas pelos sujeitos – quer tais significações impliquem comportamentos, gestos, modelos, papéis sociais ou atitudes coletivas – para solucionar a questão do que exatamente as exteriorizações ou manifestações coletivas recobrem.

E só se chega a essa resolução mediante a interpretação das ideias e valores ali implicados, quer dizer, pela aplicação das correlações funcionais que caracterizam a existência do mundo das ideias e valores na realidade social.

De fato, é por via das correlações funcionais que se alcança o psiquismo coletivo, o plano dos atos (intuições e juízos) e estados mentais; o nível das dinâmicas espontâneas das avaliações coletivas, das opiniões, carências, satisfações, esforços, sofrimentos e ideais – cabendo notar que nessas dinâmicas entra em foco justamente o mundo das ideias e valores, inclusive a aspiração ao bem-estar ; o desejo individual e coletivo de realizar obras, participar e ampliar seus conhecimentos e experiências.

 

O mundo das ideias e valores ultrapassa os modelos de êxito

 

Posto que o sociólogo não representa ou projeta os valores, mas os descobre segundo critérios de efetividade, o mundo das ideias e valores é estudado em sociologia diferencial como a camada da realidade social que provoca a coincidência, por um lado, dos quadros de referências lógicas e dos quadros de referências estimativas, e, por outro lado, dos quadros sociais.

Uma consequência dessa efetividade do mundo das ideias e valores, está em que, por exemplo, a aceitação ou a rejeição dos modelos de verificação dos determinismos científicos, por parte de pensadores individuais e de elites técnicas, constitui uma das conjunturas nas quais fatores extra lógicos possivelmente sociológicos podem intervir e influir sobre a validade do pensamento de uma elite [i]. As proposições dos problemas sofrem a influência dos “contextos sociais” através da mediação dos próprios conceitos operacionalizados nas formulações dos pensadores, os quais existem como significados socialmente condicionados.

Desse modo, o mundo dos valores viabiliza as correlações funcionais entre algumas ideias e valores e os tipos sociais, notadamente os tipos de estruturas sociais (p.ex. as correlações observadas nos tipos de sociedades que dão à luz o capitalismo nos séculos XVII e XVIII e explicam o iluminismo [ii]).

 

As relações humanas em sentido ampliado ultrapassam as suas esquematizações estabelecidas nos modelos de êxito, e cobram consequências nas condutas efervescentes, que, diferenciadas na formação de um sentimento coletivo, muitas vezes afloram em reuniões, assembleias, debates.

 

Um mundo de ideias e valores é descoberto por trás das condutas, das atitudes, dos modelos, dos papéis sociais, inclusive por trás dos símbolos sociais e suas esquematizações cristalizadas em nível dos aparelhos organizados, fato esse que torna indispensável tomar em consideração esse mundo de ideias e valores no estudo das relações humanas.

Tanto mais que essas relações humanas em sentido ampliado ultrapassam as suas esquematizações estabelecidas em modelos de êxito e distribuição de vantagens, e cobram consequências nas condutas efervescentes, que, diferenciadas na formação de um sentimento coletivo, muitas vezes afloram em reuniões, assembleias, debates, seja no âmbito das empresas e aparelhos organizados, seja em nível de agrupamentos de localidades ou demais agrupamentos funcionais.

No âmbito da formação de um sentimento coletivo, nota-se em sociologia que a consciência de classe, assim como as ideologias fazem parte da produção de imagens, da produção de símbolos, ideias, ou obras culturais em que as classes se reconhecem e por quem se recusam reciprocamente. A consciência de classe é uma determinação psíquica incluída na realidade das classes sociais, que engloba os traços gerais da classe considerada, enquanto o psiquismo de classe compreende as particularidades momentâneas locais, como a função de representação.

Em sentido amplo, não há criação de um simbolismo social novo sem a afirmação de ideias e valores que dão a motivação e, mais que isto, a inspiração para as condutas coletivas efervescentes, iluminando-as para que favoreçam a reestruturação; tornando-as forças luminosas e não “correntes cegas”, ao contrário dos que resistem à mudança pelo espontaneísmo social e coletivo.

O sociólogo nota que essas condutas efervescentes, com inspiração na afirmação de ideias e valores – inclusive a aspiração ao bem-estar ; o desejo individual e coletivo de realizar obras, participar e ampliar seus conhecimentos e experiências – quando afirmadas pelos Nós-outros das comunhões ativas ou ativistas – como o são as diversas seitas ou as formações dos partidários obstinados de diversas filiações (religiosos, culturais, políticos, espiritualistas, pacifistas, naturalistas, ecologistas, naturistas, preservacionistas, humanistas, filantrópicos, socialistas-utopistas, comunitaristas [iii], etc.) – manifestam a sua independência em relação aos símbolos, afastando-os, destruindo-os, substituindo-os por criações novas – notadamente em conjunturas ou situações de transição, em escala global ou no interior de grupos e de classes sociais, e isto geralmente sendo afirmado contra os aparelhos organizados.

 

Imitação e Sentimento Coletivo

 

Há quem sustente que o termo “relações humanas” não é reduzido a uma técnica gerencial de pessoas com caráter impositivo, projetada para salvaguardar os interesses de uma organização econômica. O termo teria sua referência em uma aplicação da psicologia interpessoal, cuja categoria central nesse caso seria a imitação, de tal sorte que as relações humanas poderiam ser induzidas por condutas preestabelecidas em regulamentos sem que isso implique um controle coercitivo.

Sem embargo, é preciso levar em conta que a psicologia interpessoal é parte do problema da formação de um sentimento coletivo.

Embora a imitação tenha procedência na consciência coletiva, predomina nesta última a oposição sociológica entre fusão ou interpenetração das consciências e a sua simples interação ou interdependência.

O fenômeno essencial da psicologia coletiva e que a insere no domínio da sociologia é a imanência recíproca e a dialética entre as consciências coletivas e as consciências individuais. A psicologia interpessoal, por sua vez, é como disse parte do problema da formação de um sentimento coletivo.

Portanto, seria ilegítimo designar por imitação a submissão aos modos e aos costumes, assim como a participação na efervescência coletiva. Ambos os casos tratam de manifestações da consciência coletiva.

Na efervescência dos grupos não há nem modelo nem cópia, mas fusão de certo número de estados psíquicos no seio de outro que deles se distingue, e que é o estado coletivo: em vez de imitação se deveria falar de criação, visto que desta fusão resulta algo novo – resulta um sentimento coletivo – sendo este processus o único pelo qual o grupo tem a capacidade de criar.

O fato de alguém se conformar com os modos e costumes, nada tem a ver com imitação, que, neste caso, é somente aparente: o ato reproduzido é tal, não por se ter verificado na nossa presença, ou com o nosso consentimento. Por exemplo, nossa adesão à regra se dá em virtude do respeito inspirado pelas práticas coletivas, e também por causa da pressão da coletividade sobre os Nós-outros, para evitar a dissidência. Ao contrário de imitação, conformar-se com os costumes é estar consciente da existência da consciência coletiva e inclinar-se perante ela.

 

A Imitação e as Relações com os outros

 

É falsa a pressuposição de que as consciências individuais perfeitamente isoladas podem entrar em contato independentemente de qualquer recurso à consciência coletiva. É igualmente falso que a reprodução imitativa pode não ser reduzida a fenômenos de reprodução automática ou “contágios” – aplicáveis aos animais como ao homem, e que se afirmam fora da vida social. Sem embargo, tal reprodução imitativa pode ser fundamentada em signos e símbolos [iv].

A respeito dessa terceira pressuposição, podemos dizer que, ao se imitar, por exemplo, não o “espirro” ou o temor de outro, mas sim os seus gestos, as suas condutas conscientes, as suas opiniões, os seus atos refletidos, os seus juízos, etc. a imitação pressupõe a comunicação das consciências por meio de sinais e símbolos – e essa comunicação simbólica pressupõe por sua vez a fusão ou a interpenetração prévia das consciências, isto é: pressupõe uma consciência [coletiva] que dê aos signos simbólicos significações idênticas para os participantes.[v]

►Mas não é tudo. Gurvitch sublinha que nenhum contato, nenhuma interdependência, nenhuma imitação distinta do simples “contágio” são possíveis entre as consciências individuais de outra forma que não seja no plano ou no horizonte da consciência coletiva. Durkheim se equivoca quando, por efeito de sua argumentação contra Gabriel Tarde, levando-o a reduzir a imitação à reprodução automática, chega à conclusão de que a psicologia interpessoal é inexistente e não passa de outro nome para a psicologia individual tradicional.

Por contra, na atualidade, já se reconhece dentro da sociologia uma psicologia interpessoal e intergrupal, em conexão com a psicologia coletiva. Nota-se que a existência dos Nós-outros, por um lado, dos vários Eu (diferenciados na reflexão sobre a experiência de cada um como personagens em seus círculos e papéis sociais) e de outrem, por outro lado, leva a reconhecer as relações mentais com os outros, isto é, as relações psíquicas entre o Eu, Tu, ele, sublinhando que essas relações mentais pressupõem a realidade muito mais complexa e rica das próprias manifestações da sociabilidade, como os Nós-outros em seu conjunto em ato.

Desta forma, o estudo da imitação põe o problema da realidade do outro, o alter ego, assim como o problema da validade dos signos e símbolos, cuja solução conduz necessariamente ao estudo sociológico dos Nós-outros na vida dos grupos sociais, e ao estudo dos atos e estados mentais que são manifestações da consciência coletiva.

Notem que a imitação e o alter ego resultante são igualmente um aspecto ou direcionamento da mesma atividade mental, no caso as preferencias subjetivas. Em consequência, não há dualismo com o imaginário psicologista. Neste último, o aspecto interpessoal das relações sociais vem a ser limitado às séries de avaliações arbitradas nas preferências subjetivas ou veleidades projetadas sobre os outros, da mesma maneira que a imitação.

 

Quadro microssocial

 

►Representando um dos primeiros focos da dialética na realidade social os Nós-outros formam um quadro microssocial privilegiado no domínio das significações, dos símbolos, das ideias e valores, dos atos mentais. Dão foco às atitudes e estas, por sua vez, são conjuntos, configurações sociais (Gestalten) virtuais ou atuais que implicam dentre outros níveis um quadro social grupal ou global, em que os símbolos sociais se manifestam e escalas particulares de valores são aceites ou rejeitadas [vi].

 

Note-se que o diferencial da colocação do mundo dos valores em perspectiva sociológica é a constatação de que os Nós-outros são constituídos em quadros sociais e não se dissolvem em um gênero abstrato, em um conjunto sem ligação entre exemplares idênticos, o que aconteceria se existisse identidade entre os Eu participantes [vii].

 

Daí a indispensabilidade do estudo sociológico dos Nós-outros [viii].

 

►A microssociologia foi fundada e desenvolvida por Georges Gurvitch a partir da crítica imanente a Durkheim e aos seus “tipos de solidariedade” [ix].

Sendo entrelaçada em fato aos estados mentais, a “solidariedade” ou, em termos mais adequados, a sociabilidade constitui o complexo fundamental da consciência coletiva, portanto exprime o fato social indiscutível da interpenetração virtual ou atual das várias consciências coletivas ou individuais, sua fusão parcial verificada em uma psicologia coletiva dentro da sociologia.

 

***

[i] Wright Mills, Charles (1916 – 1962): ‘Consecuencias Metodológicas de la Sociología del Conocimiento’, in Horowitz, I.L. (organizador): ‘Historia y Elementos de la Sociología del Conocimiento – tomo I ’, artigo extraído de Wright Mills, C.: ‘Power, Politcs and People’, New York, Oxford University Press, 1963; tradução Noemi Rosenblat, Buenos Aires, EUDEBA, 3ªedição, 1974, pp.143 a 156.

[ii] Ver Lumier, Jacob (J.): “O Sociólogo e a Sociologia”, Ebook Issuu 43 págs. Novembro 2009, link: http://sociologia-jl.blogspot.com/2009/12/o-sociologo-e-sociologia-ebook-issuu.html

[iii] “Comunitaristas” é um termo que se refere aos praticantes do sentimento comunitário em oposição à conduta particularista.

[iv] Aspecto este desenvolvido pelo notável psicólogo social americano G.H. Mead em sua obra “Mind, Self and Society”, de 1934.

[v] Em sociologia, a consciência coletiva exprime o fato social indiscutível da interpenetração virtual ou atual das várias consciências coletivas ou individuais, sua fusão parcial verificada em uma psicologia coletiva.

[vi] Cf. Gurvitch, Georges (1894-1965): “A Vocação Actual da Sociologia – vol. I: na senda da sociologia diferencial”, tradução da 4ª edição francesa de 1968 por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1979, 587 págs. (1ª edição em Francês: Paris, PUF, 1950), p.217.

[vii] A sociologia dialética combate o preconceito filosófico que afirma um Eu genérico idêntico em todos, legado dos filósofos do século XVIII como Rousseau e Kant. Cf. Gurvitch, Georges: “Los Marcos Sociales del Conocimiento”, trad. Mário Giacchino, Caracas, Monte Avila, 1969, 289 pp (1ª edição em Francês: Paris, PUF, 1966).

[viii] Ver Lumier, Jacob (J.): “A Dialética Sociológica, o Relativismo Científico e o Ceticismo de Sartre“, Ebook Issu 50 págs. Nov. 2009 link:

http://sociologia-jl.blogspot.com/2009/12/dialetica-sociologica-o-relativismo.html

[ix] Ver Lumier, Jacob (J.): “A Microssociologia na Formação Social”, E-book Issu, …

Livro A Utopia do Saber Desencarnado

In dialectics, history, sociologia, sociologia do conhecimento, twentieth century on February 9, 2014 at 8:48 pm

capa utopia do saber desenc

Livro A Utopia do Saber Desencarnado: Bubok, 106 págs, Outubro 2013. Autor: Jacob (J.) Lumier Autor JLumier2012

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Licença Creative Commons
Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações-SemDerivados 3.0 Brasil.

No presente trabalho, se coloca em questão a desejada “liberação de toda a relação entre conhecimento e quadro social”, que não passa de um desvio conservadorista da sociologia do conhecimento, cujo objeto ao contrário disso acentua a variação do conhecimento em função dos quadros sociais. Nessa referência, se elabora uma análise e interpretação crítica da orientação de Karl Mannheim e se procede à desmontagem de seu hegelianismo. 

 

Para a leitura proveitosa desta obra A Utopia do Saber Desencarnado, devem notar que a mesma completa o Curso de Sociologia do Conhecimento – Texto 05 [ainda não publicado]. Pressupõe a leitura dos textos anteriores 01, 02, 03, já publicados por Bubok publishing.  Cabe lembrar que em todo o presente Curso de Sociologia do Conhecimento a elaboração é desenvolvida com base em materiais discutidos em obras anteriores do autor, que devem ser lidas para tirar o devido proveito deste “Curso”, seguintes: (a) “Comunicação e Sociologia” – Artigos Críticos, 2ª Edição modificada, Madrid, Bubok, Junho 2011, 143 págs.; (b) “Cultura e Consciência Coletiva – 2”, Junho 2009, e-book pdf 169 págs., e (c) “Psicologia e Sociologia”, Fevereiro de 2008, e-book PDF 158 págs., as duas últimas obras publicadas na Web da Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura – OEI .

Sumário

APRESENTAÇÃO: O DESVIO DE KARL MANNHEIM 7<br /> A UTOPIA DO SABER DESENCARNADO – 1 13<br /> CRÍTICA DA IDEOLOGIA E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 13<br /> Linhas para uma leitura crítica das orientações de Karl Mannheim 14<br /> Os intelectuais como mediação viva 14<br /> Os criadores de produtos ideológico-culturais 16<br /> A UTOPIA DO SABER DESENCARNADO – 2 19<br /> CIÊNCIA POLÍTICA, TECNOBUROCRACIA E ROMANTISMO EM KARL MANNHEIM. 19<br /> O comprometimento do pragmatismo. 20<br /> Hegelianismo e Teodiceia. 22<br /> A transposição do hegelianismo 25<br /> A paradoxal teodiceia de Hegel 27<br /> O sistema hegeliano e sua dialética mística 30<br /> A razão conservadora 31<br /> Hegel canoniza o existente 33<br /> A tendência específica da filosofia de Hegel 34<br /> A transposição de valores 37<br /> TEODICEIA E CONHECIMENTO EM MAX WEBER 43<br /> A necessidade racional de uma teodiceia 47<br /> Teodiceia e atitude revolucionária. 49<br /> Conclusão: a ficção do pleno saber 51<br /> IDEOLOGIA E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO – 1 53<br /> OS COEFICIENTES PRAGMÁTICOS DO CONHECIMENTO E OS LIMITES DA ABORDAGEM CONSERVADORA. 53<br /> Consciência sociológica 53<br /> Os continuadores de Karl Mannheim 58<br /> Quadro intelectual de visão do mundo 61<br /> Os quadros sociais reais do conhecimento 63<br /> Uma aplicação da concepção conservadorista do saber 66<br /> IDEOLOGIA E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO – 2 71<br /> A CONSCIÊNCIA MISTIFICADA 71<br /> Teoria multidisciplinar 71<br /> A ideologia burguesa 74<br /> A separação do trabalho intelectual 75<br /> Desigualdades sociais e justificações ideológicas 77<br /> Consciência mistificada e consciência burguesa 81<br /> PROBLEMA SOCIOLÓGICO DA IDEOLOGIA 87<br /> Dialética das alienações 91<br /> História e teodicéia 93<br /> NOTAS DE FIM 97 />

OBS. Uma versão preparatória dessa obra está publicada em Page nesta Web  sob o título “A Utopia do Saber Desencarnado, a Crítica da Ideologia e a Sociologia do Conhecimento“.

Os fatores extra-lógicos do conhecimento

In dialectics, history, sociologia on August 26, 2013 at 8:17 pm

Curso de sociologia do conhecimento Texto-02: Introdução
Jacob (J.) Lumier Autor JLumier2012
Tecle aqui para acessar a obra

Curso de Sociologia do Conhecimento – Texto 02

 

Abstract

 

Esta obra é um ensaio sobre os fatores extra-lógicos do conhecimento.
Na trilha da orientação básica da sociologia de que as categorias lógicas são sociais em segundo grau… não só a sociedade as institui, mas constituem aspectos diferentes do ser social que lhes servem de conteúdo…, tem foco na crítica a certos efeitos subordinantes da tecnificação do saber, tomada esta como aspecto da estrutura de classes.Elabora em especial uma crítica sociológica aplicada em oposição à primazia da lógica sobre a consciência coletiva, já preliminarmente comentada no final do
Texto 01 desta obra em seis textos[1]. Os fatores extra-lógicos do conhecimento, tais como os contextos culturais e os determinismos sociais e sociológicos são examinados com profundidade.

***

 

Introdução

A equação existencial é positiva porque chama atenção para os fatores extra- lógicos do conhecimento.

O obstáculo

Seria de esperar que a maior importância do conhecimento e da educação para a estrutura das nossas sociedades em regime de capitalismo organizado, sobretudo a partir dos anos de 1960, servisse de estímulo aos sociólogos para fazer avançar os estudos diferenciados da sociologia do conhecimento, como disciplina científica especial.

Como sabem, a valorização da educação e do conhecimento requeridos pelos públicos políticos em ascensão nos anos de 1920 foi o que motivou ao notável Karl Mannheim, fundador dessa disciplina [2], para promove-la como disciplina diferenciada. Esperavam que esse esforço tivesse amplo alcance e repercussão mais além dos círculos privilegiados de estudiosos. Mas isso não aconteceu. Havia uma projeção do conhecimento como epifenômeno. Tal o obstáculo.

Por demasiado tempo, acreditaram que o os fatos de consciência eram um aspecto periférico que integrava somente os fenômenos chamados de comportamento, como as mudanças de crenças, estilos de vida, hábitos culturais; alterações essas que, supostamente, não colocariam em risco a estrutura da sociedade.

Projetavam que a base da vida social, sua infraestrutura, não seria alterada, supostamente, pelo peso do saber, mas, pelo contrário, apostavam que qualquer alteração no âmbito da consciência e do conhecimento conformaria ou refletiria uma expressão da mudança nas relações de produção, na economia e na história econômica.

Tal crença releva dos falsos problemas da sociologia do século XIX, notadamente a falsa alternativa entre sociologia ou filosofia da história, confusão absolutamente inadmissível, haja vista a capacidade da sociologia para alcançar perfeitamente por si só a situação presente da sociedade sem precisar de outra disciplina para isso [3].

Se tiverem em conta a linguagem, a intervenção do conhecimento e o direito espontâneo verão que a consciência faz parte das forças produtivas em sentido lato e desempenha um papel constitutivo nos próprios quadros sociais (Nosotros, grupos, classes, sociedades). Conforme descreveu Saint-Simon, existe correspondência entre estrutura social, produção econômica, propriedade, regime político, ideias intelectuais e morais [4].

Os fatores extra-lógicos

Sem embargo, é possível constatar a imbricação dispersa da sociologia do conhecimento enriquecendo as inúmeras e esclarecedoras análises sistemáticas das novas classes médias como quadros sociais, difundidas nos anos de 1960. Basta consultar a bibliografia pesquisada à época [5] .

Por outro lado, em face de um formalismo cultivado nos meios epistemológicos, que exagera como necessário o postulado da refutabilidade de todo o conhecimento científico [6], admitiu-se a sociologia do conhecimento para negar sua relevância pedagógica como conhecimento científico[7]. Em contrapartida, é inegável a existência de fatores objetivos que condicionam o conhecimento científico e devem ser examinados criteriosamente por razões de positividade.

A constatação de que os fatores extra-lógicos do conhecimento, tais como os contextos culturais e os determinismos sociais e sociológicos devem ser examinados com profundidade, revela um posicionamento preliminar do sociólogo que foi posto em destaque por C. Wright Mills [8].

Para avançar nesse caminho, sociólogos notáveis chamaram atenção para a inserção da psicologia coletiva na sociologia, contando inclusive as contribuições de Durkheim e Marx [9].

Nessa linha de pesquisa, chegam à autonomia relativa dos níveis simbólicos da realidade social (os níveis intermediários entre a infra e as superestruturas[10], isto é, os patamares de realidade social – “paliers”), incluindo o nível dos valores, das mentalidades e mais amplamente das obras de civilização.

Orientação crítica

Como sabem, a relevância da autonomia simbólica torna-se mais decisiva no estudo das estruturas a partir dos tipos de sociedades que engendram o capitalismo (séculos XVII e XVIII, incluindo a época do Iluminismo), onde, malgrado o advento do maquinismo, o peso do saber para o equilíbrio do conjunto não pode ser minimizado.

Daí, se impõe o reconhecimento dos níveis múltiplos de realidade social, com a inserção da psicologia coletiva (psiquismo, mentalidades) impulsionada junto ao fato do conhecimento em correlações funcionais com os quadros sociais.

A sociologia contra o eudemonismo

Para o sociólogo, o estudo do direito, da vida moral, do conhecimento pode ter lugar unicamente a partir dos fatos sociais e não por imposição de um absoluto.

Émile Durkheim assinalou a indispensabilidade da sociabilidade humana no conhecimento e constatou que “as categorias lógicas são sociais em segundo grau… não só a sociedade as institui, mas constituem aspectos diferentes do ser social que lhes servem de conteúdo…[11] O ritmo da vida social é que se encontra na base da categoria do tempo; é o espaço ocupado pela sociedade que forneceu a matéria da categoria do espaço”[12].

Ainda no começo do século vinte, após a obra do mesmo Emile Durkheim intitulada “De la Division do Travail Social” [13] , torna-se marcante o posicionamento do sociólogo não somente contra o então prestigiado utilitarismo doutrinário[14], reforçado nos meios progressistas depois de Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873), mas igualmente contra o eudemonismo e toda a imposição lógica de um absoluto estranho aos fatos sociais.

Como sabem, as doutrinas eudemonistas especulam sobre um conteúdo moral suposto unitário e imediato, na idêntica medida em que as mesmas buscam em uma contemplativa natureza humana um absoluto para a vida moral, com imposição lógica aos fatos sociais e às manifestações particulares da sociabilidade: tais as doutrinas do que é “útil”, do que é “técnico”, do que dá “prazer” (hedonismo).

Por sua vez, Durkheim sabia que o critério da utilidade constitui a base dos valores econômicos. Sem embargo, fez oposição à pretensão utilitarista em reduzir o valor de uma norma unicamente a sua utilidade como critério de felicidade para o maior número. Ademais, foi firme em repelir a projeção de “utilidade” como um absoluto, como critério último das ações humanas e base mensurável de análise das questões políticas, sociais e econômicas.

Por essa razão, devem distinguir entre mentalidade utilitária e utilitarismo doutrinário.

Diferente deste último, que é uma doutrina eudemonista, na mentalidade utilitária as atitudes são afirmadas em relação à qualidade pela qual os objetos revelam serventia econômica. Essa mentalidade integra a visão de sociedade como constituída por indivíduos para a realização de fins que são primariamente individuais. Daí a proximidade com o atomismo social e a imagem de que “não existe tal coisa chamada sociedade”, projetada pelos neoliberais em sua prioridade mercatória.

Matéria deste trabalho

Na trilha da orientação básica da sociologia, contrária ao eudemonismo, a matéria deste trabalho é a crítica a certos efeitos subordinantes da tecnificação do saber, tomada esta como aspecto da estrutura de classes.

Desta forma, elabora em especial uma crítica sociológica aplicada em oposição à primazia da lógica sobre a consciência coletiva, já preliminarmente comentada no final do Texto 01 desta obra em seis textos. (Veja adiante o Plano da Obra).

Como sabem, a imposição da primazia da lógica é uma projeção de setores tecnocráticos com forte tendência à hegemonia cultural que acontece na esteira da notada influência do conhecimento técnico associado à tecnologia [15]. Sem embargo, a primazia da lógica é questionada pela atitude de oposição sociológica ao utilitarismo doutrinário.

Mas não é tudo. Por extensão, este trabalho põe em questão inclusive as orientações que aceitam um absoluto normativo sobre a realidade social, com foco nas refutadas teorias formalistas que, ao aplicar a separação de análise estrutural e análise histórica, acolhem axiomas doutrinários tirados da filosofia social, como é o caso da persistente teoria de coação ou conflito [16], muito influente no século vinte.

Propósito pedagógico

O propósito aqui agasalhado é o mesmo do Texto 01: contribuir com a revalorização pedagógica da colocação do conhecimento em perspectiva sociológica, mediante observações de leitura e interpretação, elaboradas em comentários com teor crítico no sentido esclarecido por Bachelard, de que “o determinismo é precisamente o objeto de uma discussão[17].

De modo especial, se tem em vista equacionar e solucionar o problema do coeficiente existencial do conhecimento, bem como estudar os tipos sociológicos de sistemas cognitivos. Lembrem que a equação existencial é positiva porque chama atenção para os fatores extra-lógicos do conhecimento, tais como os contextos culturais e os determinismos sociais e sociológicos, já mencionados.

Aliás, em face de opositores fechados no argumento falacioso de que as condições sociais não influiriam na veracidade das proposições, Wright Mills afirma então incumbir-lhes indicar quais são as condições de que a veracidade depende realmente [18].

A maior sequência dos comentários reunidos nos vários textos de que o presente Texto 02 é parte, versa sobre o posicionamento dos opositores à esta disciplina, ao mesmo tempo em que os comentários repelem, em contrapartida, o preconceito contra a sociologia do conhecimento.

Finalmente, cabe relembrar que a elaboração da obra se faz em volta de quatro eixos principais seguintes:

  • O problema sociológico do impacto da tecnificação;
  • A indispensabilidade da psicologia coletiva nos estudos sobre o conhecimento;
  • O reconhecimento da variação do saber como fato positivo;
  • Caráter igualmente positivo da influência dos simbolismos e mitologias para os sistemas cognitivos.

Esperam que as informações, análises e os conteúdos sociológicos resultantes deste ensaio despertem no leitor benevolente maior interesse para prosseguir suas incursões nessa disciplina desafiadora que é a sociologia e, ao chegar no final deste livro, encontre ele na orientação diferencial aqui desenvolvida um caminho de reflexão consistente para contra arrestar os efeitos atomizadores das posições estranhas à defesa da sociabilidade humana.

***

 

 

Etiquetas: coeficiente, compreensão, comunicação, conhecimento, conjunto, consciência, correlações, desenvolvimento, determinismos, dialética, estrutura social, experiência humana, explicação, hierarquias múltiplas, ideologia, juízos, liberdade humana, mentalidade, obras, patamares, pluralismo, produção, psicologia coletiva, psiquismo, quadros sociais, realidade social, regulamentações sociais, símbolos sociais, sistemas cognitivos, sociabilidade, sociologia, tecnificação, tecnocratização, tecnologia, variabilidade.

Rio de Janeiro, Agosto de 2013 – Jacob (J.) Lumier


[19]


[1] Para melhor compreensão deste trabalho, tecle aqui, baixe grátis e leia  em versão e-pub o texto 01.

[2] Mannheim, Karl (1893–1947) : « Ideologia e Utopia : uma introdução à sociologia do conhecimento », tradução Sérgio Santeiro, revisão César Guimarães, Rio de Janeiro, Zahar editor, 2ª edição, 1972, 330pp.(1ªedição em Alemão, Bonn, F.Cohen, 1929 ; 2ªedição remodelada em Inglês, 1936).

[3] A sociologia exige o abandono das ilusões do progresso em direção a um ideal, bem como o abandono das ilusões de uma evolução social unilinear e contínua, sendo da competência da sociologia descobrir na realidade social as diversas perspectivas possíveis e até antinômicas que são postas para uma sociedade em vias de se fazer.  As ilusões trazidas pela confusão com a filosofia da história se encontram favorecidas pela ocorrência de um erro lógico fundamental que é a falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor. Desse erro decorre a confusão, pois em vez de explicar os desejos a partir da realidade social, constrói-se a realidade social em função desses desejos A sociedade está sujeita a flutuações e até aos movimentos cíclicos, e a falta de distinção entre os juízos de realidade e os juízos de valor torna impossível o acesso da análise sociológica a um dado fundamental da vida social que é a variabilidade.

[4] Claude-Henri de Saint-Simon (1760-1825): La physiologie sociale. Oeuvres choisies, par Georges Gurvitch. Versão em volume publicada em Paris, Presses universitaires de France, 1965, 160 pages. Collection: Bibliothèque de sociologie contemporaine. (textes de 1803 à 1825).   http://classiques.uqac.ca/classiques/saint_simon_Claude_henri/physiolo gie_sociale/physiologie_sociale.html édition électronique

[5] Birnbaum, Norman: “A Crise da Sociedade Industrial”, trad. Octávio Cajado, São Paulo, editora Cultrix, 1973, 167 pp. (1ªedição em Inglês, Londres, 1969).

[6] As teorias formalistas de diversos matizes, de que Popper é um dos expoentes, são refutadas na medida em que tomam por base a psicologia interpessoal exclusiva, promovem a técnica de estimação dos ajuizamentos de valor portados por cada membro de um grupo sobre cada um dos outros (sociodrama ou psicodrama), e sobrevalorizam a imitação em detrimento do psiquismo coletivo.

[7] Um filósofo formalista da ciência de alto porte como Karl Popper, atribuindo-lhe equivocadamente um estatuto de disciplina exclusivamente causal, nos diz que nada ou muito pouco a sociologia do conhecimento teria para ensinar. Em suas palavras: …“ podemos aprender acerca da heurística e da metodologia e até a respeito da psicologia da pesquisa, estudando teorias apresentadas pró e contra elas, mais do que por qualquer abordagem direta behaviorista ou psicológica ou sociológica”, cf: Popper, Karl: ‘Conhecimento Objetivo: uma abordagem evolucionária’, tradução Milton Amado, São Paulo/Belo Horizonte, EDUSP/editora Itatiaia, 1975, 394 pp, traduzido da edição inglesa corrigida de 1973 (1ªedição em Inglês: Londres, Oxford University Press, 1972); pág.116.

[8] W. Mills constatou a ocorrência de fatores extra-lógicos como intervindo e influindo na validade do pensamento de uma elite técnico-científica ou de pensadores individuais, e não só assinalou tratar-se de uma situação de fatos, mas reconheceu uma realidade objetiva interessando à sociologia como disciplina determinística. Sustenta uma “teoria social da percepção” segundo a qual, na busca de verificação dos elementos empíricos, os conceitos existentes condicionam os resultados da indagação. Wright Mills, Charles (1916 – 1962): ‘Consecuencias Metodológicas de la Sociología del Conocimiento’, in Horowitz, I.L. (organizador): ‘Historia y Elementos de la Sociología del Conocimiento – tomo I’, artigo extraído de Wright Mills, C.: ‘Power, Politcs and People’, New York, Oxford University Press, 1963; tradução Noemi Rosenblat, Buenos Aires, Eudeba, 3ª edição, 1974, pp.143 a 156. Veja igualmente: Lumier, Jacob (J.): “Comunicação e Sociologia” – Artigos Críticos / 2ª Ediçãomodificada, Junho 2011, 143 págs. Ver especialmente as páginas 130 sq. Versão digital acessivel em:http://www.bubok.es/libros/191754/Comunicacao-e-Sociologia–artigos-criticos–2-edicao-modificada

[9] Cf. Gurvitch, Georges (1894-1965): “Problemas de Sociologia do Conhecimento”, In Gurvitch (Editor) et al. “Tratado de Sociologia – Vol.2”, Tradução: Ma. José Marinho, Revisão: Alberto Ferreira, Iniciativas Editoriais, Porto 1968, Págs. 145 a 189 – 1ª edição em Francês: PUF, Paris, 1960

[10]  Não devem reduzir ao nível da ideologia as obras de civilização como o direito, a moral, o conhecimento. As superestruturas implicam os graus de cristalização, de estruturação e de organização da vida social que podem entrar em defasagem, desequilíbrio e até em contradição com os elementos espontâneos desta, resultando, pelo concurso de ideologias falazes, na ameaça de dominação e sujeição que pesa sobre as coletividades e os indivíduos.

[11] Lembrem que não somente a capacidade em distinguir as semelhanças e as diferenças constitu um fato social básico, mas também é básico o reconhecimento coletivo de que as relações de aproximação ou afastamento com os outros são feitas de semelhanças e diferenças, o que  confirma a constatação de Durkheim de que as categorias lógicas, como o princípio da identidade e do terceiro excluído, são sociais em segundo grau.

[12] Cf. Gurvitch, Georges (1894-1965): “Problemas de Sociologia do Conhecimento”, In Gurvitch (Editor) et al. “Tratado de Sociologia – Vol.2”, Tradução: Ma. José Marinho, Revisão: Alberto Ferreira, Iniciativas Editoriais, Porto 1968, Págs. 145 a 189 – 1ª edição em Francês: PUF, Paris, 1960 – Ver pág.149.

[13] Veja: Émile Durkheim (1858-1917): De la division du travail social (1893),  Paris: Les Preses universitaires de France, 8e édition, 1967, 416 pages. Bibliothèque de philosophie contemporaine.

Versión digital, Les Classiques des Sciences Sociales: http://classiques.uqac.ca//classiques/Durkheim_emile/division_du_travail/division_travail.html

[14] O utilitarismo é contestado na medida em que seus adeptos projetam o objeto utilitário como criterio último de las acciones humanas y como base mensurable de análisis de las cuestiones políticas, sociales y económicas.

[15] A técnica não se limita só ao conhecimento da manipulação da matéria nem se identifica à tecnologia, pois não comporta a exclusividade das competências tecnológicas.

[16] Uma formulação representativa dessa corrente encontra-se na obra de Dahrendorf, Ralf: “Ensaios de Teoria da Sociedade”,  Zahar – Edusp, Rio de Janeiro 1974, 335 pp. (1ª edição Em Inglês, Stanford, EUA, 1968).

[17] O caminho do ensino permanece um caminho de pensamento sempre efetivo porquanto alimentado pela “polêmica da prova”. O espírito científico não repousa sobre crenças, sobre elementos estáticos, sobre axiomas não discutidos. A crença no determinismo não está na base de todos os pensamentos, fora de toda a discussão. Pelo contrário, “o determinismo é precisamente o objeto de uma discussão”, assunto de uma polêmica quase diária na atividade do laboratório. Cf. Bachelard, Gaston: “O Novo Espírito Científico”, São Paulo, editora Abril, 1974, coleção “Os Pensadores”, vol.XXXVIII, pp.247 a 338 (1a edição em Francês, 1935). Págs. 302, 303.

[18]  Wright Mills, Charles (1916 – 1962): ‘Consecuencias Metodológicas de la Sociología del Conocimiento’, in Horowitz, I.L. (organizador): ‘Historia y Elementos de la Sociología del Conocimiento – tomo I’,  op.cit.

***

Sumário
Epígrafe 5
Apresentação 7
Introdução 11
O obstáculo 11
Os fatores extra-lógicos 13
Orientação crítica 15
A sociologia contra o eudemonismo 15
Matéria deste trabalho 18
Propósito pedagógico 19
A Tecnologia, a indústria cultural e o paradigma 25
Ciências da cognição ou sociologia 27
As categorias lógicas são sociais 33
Tecnificação e Sociologia 38
Posicionamento realista 41
A mediação dos atos coletivos 42
As classes de conhecimento – 1 47
O conhecimento técnico 49
União do conceitual e do empírico 52
História e sociologia 55
O impacto da tecnificação 57
A Mentalidade de modernização 57
Opulência e Pobreza 60
Técnica e Tecnificação 63
O Plano organizado e o Espontaneísmo 64
Tecnificação e sintaxe 67
Desenvolvimento das expectativas 68
Problemas reais e esquemas prefixados 69
A mirada diferencial 72
A introdução do maquinismo 77
Não há ligação originária de ciência e técnica. 78
A distributividade do conhecimento técnico 80
Administração e sociologia 84
Sociologia e Objetividade Científica 86
Metodologia e sociologia do conhecimento 89
Mito e conhecimento 93
A Internet e a Mentalidade do Utilitarismo 97
Nova construção do conhecimento 101
As TICs e os valores do utilitarismo 104
O caráter comunicável 111
Notas complementares ao texto 02 114
Plano da Obra em seis textos 120
Sobre o autor 123
Notas de Fim 124

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