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A Microssociologia na Formação dos Grupos Sociais e seus efeitos sobre as Estruturas Sociais.

 

 

 

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A Microssociologia na Formação dos Grupos Sociais e seus efeitos sobre as Estruturas Sociais by Jacob (J.) Lumier is licensed under a Creative Commons Reconocimiento-No comercial-Sin obras derivadas 3.0 Estados Unidos License.
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SUMÁRIO

 

Consciência Coletiva e Formas de Sociabilidade

Microssociologia e Dinâmicas de Grupo

Resumo de microssociologia das relações interpessoais (As Relações com Outrem)

O esquema de análise diferencial em microssociologia

Os doze planos da pesquisa microssociológica da variabilidade

Resumo dos enunciados básicos de teoria sociológica diferencial

***

Consciência Coletiva e Formas de Sociabilidade

Sendo entrelaçada em fato aos estados mentais, a “solidariedade” ou em termos mais adequados a sociabilidade constitui o complexo fundamental da consciência coletiva, portanto exprime o fato social indiscutível da interpenetração virtual ou atual das várias consciências coletivas ou individuais, sua fusão parcial.

►A microssociologia foi fundada e desenvolvida a partir da crítica imanente a Durkheim e aos seus “tipos de solidariedade”. Isto porque, sendo entrelaçada em fato aos estados mentais, a “solidariedade” ou em termos mais adequados a sociabilidade constitui o complexo fundamental da consciência coletiva e, portanto, exprime o fato social indiscutível da interpenetração virtual ou atual das várias consciências coletivas ou individuais, sua fusão parcial verificada em uma psicologia coletiva dentro da sociologia.

O equívoco de Durkheim decorre da imposição de uma teoria do progresso moral onde distingue um primeiro momento correspondendo ao que chama “solidariedade mecânica”, com a suposta “transcendência” da consciência coletiva tida por total. Enquanto que, no segundo tipo de solidariedade, a “solidariedade orgânica”, se a consciência coletiva se torna parcialmente imanente, o equívoco de Durkheim continua, no entanto, com essa imagem de consciência coletiva a pairar acima das consciências individuais e a se impor a elas como uma entidade metafísica.

A insuficiência das orientações de Durkheim quanto ao problema da consciência coletiva que ele próprio introduziu na sociologia do Século XX está em sua falta de relativismo ao ignorar que a importância dos níveis em profundidade da realidade social é variável segundo cada tipo de sociedade global, cada tipo de agrupamento social e segundo os diferentes Nós.

►Segundo Georges Gurvitch, a consciência coletiva deve ser estudada (a) não só nas suas manifestações na base morfológica da sociedade, nas condutas organizadas e regulares, nos modelos, signos, atitudes, funções sociais, símbolos, idéias, valores e ideais coletivos, obras de civilização, (b) principalmente nas estruturas e nos fenômenos não-estruturais, mas (c) igualmente em si própria, já que a consciência coletiva não se realiza inteiramente em qualquer desses elementos e pode extravasá-los em expressões imprevisíveis, inesperadas e até surpreendentes.

A realidade dos níveis culturais na vida coletiva põe em relevo que a consciência coletiva os apreende, sendo, portanto, uma consciência situada no ser, intuitiva e capaz de se multiplicar em um mesmo quadro social.

Desta forma, contrariando as posições reducionistas, Gurvitch mostrou que a psicologia coletiva possui seu domínio próprio na sociologia, domínio não percebido com clareza por Durkheim, cujas reflexões e análises não ultrapassaram a identificação da consciência coletiva com as crenças coletivas (consciência coletiva fechada).

A realidade dos níveis culturais na vida coletiva – os níveis simbólicos e significativos, as idéias, os valores e os ideais – desempenha um papel de primeiro plano que ultrapassa a consideração dogmática dos mesmos como simples epifenômenos, projeções ou produtos, mas põe em relevo que a consciência coletiva os apreende, portanto afirma-se uma consciência situada no ser, intuitiva e capaz de se multiplicar em um mesmo quadro social.

O mundo das obras de civilização (compreendendo em conjuntos a arte, a religião, o conhecimento, a moralidade, o direito, a educação) intervém na constituição da realidade social e depende simultaneamente de todos os níveis em profundidade da realidade social como estes dependem do mundo das obras de civilização. Entre a consciência coletiva e o nível das idéias, dos valores, e ideais coletivos há uma interdependência a que freqüentemente designamos por “cultura”.

Ou seja, para ter clareza, o problema da autonomia da cultura deve ser considerado desde o ponto de vista das teorias de consciência aberta, no caso, em referência à imanência recíproca do individual e do coletivo. Esta abordagem torna possível distinguir por um lado as projeções da consciência coletiva, os seus estados mentais e os seus atos e, por outro lado as obras de civilização como a coletividade de certas idéias e certos valores que aspiram à validade.

O mundo da cultura funciona como um obstáculo resiste à consciência coletiva, se afirma como um nível específico da realidade social de tal sorte que é suscetível de se apresentar a esta consciência como o seu dado. Nada obstante, esse nível é capaz de tornar-se um produto unilateral dessa consciência. Trata-se de uma aparente contradição e designa apenas que, em sua autonomia e com seus valores que aspiram à validade, o mundo da cultura só pode ser apreendido por via da consciência coletiva.

Por sua vez, a apreensão por via de consciência coletiva só é possível graças ao fato de que essa consciência é capaz de se abrir, ultrapassando as suas crenças e assimilando as novas influências do ambiente social, bem como é capaz de se multiplicar no mesmo quadro social.

Mesmo no estado muito valorado pelos estudiosos da história social, quando as relações com outrem são distribuídas hierarquicamente e servem de ponto de referência a uma estrutura social (por exemplo: relações com o Estado, relações com os empresários, relações com os partidos políticos etc.), a síntese não ultrapassa o estado de combinação variável. É pela microssociologia que se põe em relevo a variabilidade no interior de cada grupo, de cada classe, de cada sociedade global, de cada estrutura social.

►Gurvitch aprofundou a análise das duas espécies da sociabilidade: 1) – a sociabilidade por fusão parcial nos Nós, e 2) – a sociabilidade por oposição parcial em um Nós, e reconheceu que a teoria do progresso moral adotada por Durkheim em fruto de sua pré-concepção filosófica, fora imposta sobre a consciência coletiva e não resistia ao cotejo da realidade social.

Em decorrência, houve que desenvolver a dialética como ligada à experiência pluralista e à variabilidade, isto por exigência da constatação de que, em os Nós, as relações com outrem não podem ser identificadas nem às fases históricas da sociedade global, nem aos agrupamentos particulares, como houvera proposto Durkheim[1]·.

E isto é assim porque a diversidade irredutível dos Nós faz com que tais manifestações da sociabilidade por relações com outrem não admita síntese que ultrapasse a combinação variável dessas relações microscópicas, como espécie da sociabilidade, tornando artificialistas toda a tentativa para identificar as relações com outrem às fases históricas da sociedade global ou aos agrupamentos particulares.

Quer dizer, mesmo no estado muito valorado pelos estudiosos da história social, quando as relações com outrem são distribuídas hierarquicamente e servem de ponto de referência a uma estrutura social (por exemplo: relações com o Estado, relações com os empresários, relações com os partidos políticos etc.), a síntese não ultrapassa o estado de combinação variável. É pela microssociologia que se põe em relevo a variabilidade no interior de cada grupo, de cada classe, de cada sociedade global, de cada estrutura social.

Microssociologia e Dinâmicas de Grupo

Ultrapassando a técnica de estimação dos ajuizamentos de valor portados por cada membro de um grupo sobre cada um dos outros, todas as interações, inter-relações, relações com outrem interpessoais e intergrupais, ou interdependências pressupõem e são sempre fundadas sobre interpenetrações, integrações, participações diretas, fusões parciais nos Nós (atuais ou virtuais), sempre concebidos como totalidades.

►A impressão de que não seria possível a microssociologia independente da psicologia social não é mais aceita desde os anos sessenta. Imaginou-se equivocadamente que a sociologia como disciplina científica seria fundada no suposto imperativo axiológico de “tomar posição”, atribuído ingenuamente como incumbência metodológica do sociólogo, combinando-se ao ideal de matematização da psicologia da inteligência dita genética.

Sustentou-se ainda que a sociologia dos conhecimentos, no plural, seria chamada a se apoiar é verdade de mais em mais sobre a história das idéias, sobre a história das ciências e das técnicas, orientação esta que supostamente lhe passaria a tarefa de “tomar posição” a respeito de fenômenos tão decisivos como o milagre da civilização grega (gênio helênico) e a posterior decadência da ciência nessa mesma civilização. Por fim, entendeu-se que a explicação sociológica se faria coincidir com uma matematização qualitativa de natureza análoga àquela que intervém na construção das estruturas lógicas.

Os sociólogos já esclareceram que nessa imagem apressada e inadequada da sociologia tomou-se por modelo entre outros a sociometria de Moreno (Jacob Levy Moreno, 1889 – 1974), com sua muito conhecida dinâmica psicológica de grupos (os psicodramas), freqüentemente aplicada nos treinamentos para gestão dos chamados “recursos humanos”.

A sociometria de Moreno é uma técnica de estimação dos ajuizamentos de valor portados por cada membro de um grupo sobre cada um dos outros. Entretanto, desde então os sociólogos já fizeram notar que os elementos microssociais não têm absolutamente nada a ver com o individualismo, o atomismo e o formalismo sociais. Pelo contrário. Como já o dissemos, Incluindo as relações com outrem, as manifestações da sociabilidade são definidas como as múltiplas maneiras de ser ligado pelo todo no todo, este último termo compreendendo inclusive o complexo de significações observado em todo o campo cultural existente.

Sabe-se ademais que a sociometria foi associada à microssociologia posteriormente ao desenvolvimento independente desta última, que data de 1937, fundada por Gurvitch (Georges Gurvitch, 1894 -1965) fato este bem reconhecido [2].

►Com efeito, ultrapassando a técnica de estimação dos ajuizamentos de valor portados por cada membro de um grupo sobre cada um dos outros, já insistia Gurvitch como já vimos no fato de que todas as interações, inter-relações, relações com outrem interpessoais e intergrupais, ou interdependências pressupunham e eram sempre fundadas sobre interpenetrações, integrações, participações diretas, fusões parciais nos Nós (atuais ou virtuais), sempre concebidos como totalidades.

A produção de Moreno e seus colaboradores, famosos pela extraordinária aceitação e penetração do psicodrama e do sócio-drama notadamente nos Estados Unidos, deve ser apreciada como o esforço de autores que embora tenham ultrapassado os erros de um Hobbes (Thomas Hobbes, 1588 – 1679) há muito superado, permaneceram parcialmente em desvantagem devido a um psicologismo individualista que os levou a reduzir a realidade social a relações de preferência e de repugnância interpessoais e intergrupais.

Como se sabe, o erro de Hobbes não foi ter procurado os elementos microscópicos e irredutíveis de que é composta qualquer unidade coletiva, mas foi sim o erro de encontrá-los fora da realidade social, nos indivíduos isolados e idênticos.

Desse modo se estabeleceu a referência do atomismo social como o conjunto das concepções individualistas e contractualistas que reduzem a realidade social a uma poeira de indivíduos idênticos. É esta a referência que Gurvitch verifica no psicologismo individualista, situando assim J.L. Moreno ao mesmo nível dos representantes do formalismo social que promoveram a redução de qualquer sociabilidade à simples interdependência e interação recíproca, cujos nomes mais conhecidos são: (a) – Gabriel Tarde, notado por seus debates com Durkheim; (b) – Georges Simmel e (c) – Leopold von Wiese [3].

Nesta limitada orientação de psicologismo individualista se preconiza que, ao nível psicológico da realidade social, qualquer interesse estaria concentrado sobre a psicologia interpessoal em detrimento da psicologia coletiva propriamente dita, e nesta seqüência, desprezando as funções intelectuais e voluntárias, J.L. Moreno se limita ao aspecto exclusivamente emotivo, e neste âmbito, por sua vez, limita-se ao aspecto da preferência e da repugnância, deixando de lado exatamente o mais significante aspecto da aspiração.

***

As Relações com Outrem

As relações com outrem não podem ser identificadas nem às fases históricas da sociedade global, nem aos agrupamentos particulares.

►Em microssociologia estudam-se as relações com outrem por afastamento, as relações mistas, as relações por aproximação.

As relações com outrem são observadas (a) – como as relações variáveis que se manifestam entre os Nós, entre os grupos, entre as classes, entre as sociedades globais; (b) – como as relações que, em acréscimo, variam com a oposição entre sociabilidade ativa e sociabilidade passiva, todavia sem deixar de manter sua eficácia de conjuntos ou de quadros sociais, já que são os componentes não-históricos fundamentais da estruturação dos grupos.

Deste ponto de vista, em cada unidade coletiva real se encontram os Nós e as relações com outrem em maneira espontânea, que são utilizadas pelas unidades coletivas para se estruturarem na medida em que o grupal e o global imprimem a sua racionalidade mais ou menos histórica e a ligação estrutural a essas manifestações microscópicas da vida social.

Vale dizer: as manifestações da sociabilidade são hierarquizadas do exterior ou de fora para dentro, sem perderem sua característica anestrutural. É essa experiência dialética que tornam as relações humanas tão problemáticas, variáveis e escorregadias para a tecnocratização dos controles.

As relações com outrem não podem ser identificadas nem às fases históricas da sociedade global, nem aos agrupamentos particulares. E isto é assim porque a diversidade irredutível dos Nós faz com que tais manifestações da sociabilidade por relações com outrem não admita síntese que ultrapasse a combinação variável dessas relações microscópicas, como espécie de sociabilidade.

►Quer dizer, mesmo no estado muito valorado pelos estudiosos da história social, quando as relações com outrem são distribuídas hierarquicamente e servem de ponto de referência a uma estrutura social (relações com o Estado, relações com a classe empresarial, relações com os estratos dominantes, com os estratos intermediários, com os produtores, etc.) a síntese não ultrapassa o estado de combinação variável. É pela microssociologia que se põe em relevo a variabilidade no interior de cada grupo, de cada classe, de cada sociedade global.

Só é possível falar de grupo quando em um quadro social parcial aparecem as seguintes características: 1) – predominam as forças centrípetas sobre as centrifugas; 2) – os Nós convergentes predominam sobre os Nós divergentes e sobre as diferentes relações com outrem.

Quer dizer, é dessa maneira e nessas condições que o quadro do microcosmo das manifestações de sociabilidade que constitui um grupo social particular pode afirmar-se no seu esforço de unificação como irredutível à pluralidade das ditas manifestações.

Daí a percepção desenvolvida na sociologia de que em todo o microcosmo social há virtualmente um grupo social particular que a mediação da atitude coletiva faz sobressair.

“As manifestações da sociabilidade, os grupos, as classes sociais, mudam de caráter em função das sociedades globais em que estão integrados; inversamente, as sociedades globais se modificam de cima a baixo sob a influência da mudança de hierarquia e de orientação das primeiras”.

►Na orientação do realismo relativista sociológico, tem-se a compreensão de que a formação da preeminência do todo (complexo de significações existente), isto é, a totalização como formação social, se manifesta igualmente em escala microssociológica nos diferentes Nós, tanto quanto “nos grupos, nas classes e nas sociedades”, a par de manifestarem-se nos “Eu” participantes.

Como se sabe cada ‘Eu’ participa inevitavelmente dos conjuntos sociais mais diversos que lhe dão aos seus membros os critérios para chegar a uma integração relativa e variada das tendências contrárias ou complementares próprias de toda a pessoa humana.

Portanto, essa constatação dos âmbitos da totalização torna imprescindível a microssociologia do conhecimento, havendo uma dialética complexa entre esta última, o âmbito parcial e o global: ou seja, “as manifestações da sociabilidade, os grupos, as classes sociais, mudam de caráter em função das sociedades globais em que estão integrados; inversamente, as sociedades globais se modificam de cima a baixo sob a influência da mudança de hierarquia e de orientação das primeiras”.

Em conseqüência, as manifestações da sociabilidade como fenômenos de mudança social se encontram “em diferentes graus de atualidade e virtualidade para combaterem-se, complementarem-se ou combinarem-se em cada unidade coletiva real”; são “os fenômenos sociais totais de caráter flutuante ou instável, freqüentemente espontâneos ou anestruturais”, mas que são “utilizados” pelos grupos em seus processus de estruturação” .

►As manifestações da sociabilidade compreendem a Massa, a Comunidade, a Comunhão: os três graus de fusão ou participação nos Nós, fusão esta que não é somente a tomada de consciência da unidade relativa de um Nós, mas é também a de todo um mundo de significados, sendo nesta tomada de consciência afirmado o grupo em formação.

Aliás, já assinalamos que o mundo de significados acessível à consciência por meio dos Nós seria inacessível de outra maneira, já que as “relações com outrem” só alcançam as significações que reconduzem aos horizontes limitados de ‘sócios’ e reproduzem os juízos, as idéias, os símbolos dos Nós em que têm sede e, por meio destes, os de um grupo, uma classe social, ou uma sociedade.

Se os Nós representam um dos primeiros focos do movimento dialético na realidade social, as relações com outrem nada mais fazem que tornar mais amplo esse movimento – tomando-se aqui os Nós como fusões parciais onde os membros se afirmam de uma só vez como participantes em um todo e irredutíveis, unidos pela interpenetração e múltiplos; enquanto que as relações com outrem compreendem as manifestações de sociabilidade pressupondo os Nós.

Entretanto, há neste ponto um duplo aspecto da dialética que nosso autor põe em relevo: (a) – mais os membros de um Nós são nele efetivamente integrados, menos eles precisam de relações com os outros que nele igualmente tomam parte e, inversamente, (b) – menos eles são efetivamente integrados em um Nós, mais eles precisam, a título de compensação, de relações com os outros intrínsecos ou extrínsecos a esse Nós.

Deste ponto de vista se pode dizer que: a Comunidade é incontestavelmente um foco mais propício às múltiplas relações com outrem do que a Comunhão; o erro em se apreciar a Massa como um foco ainda mais favorável às relações com outrem do que a Comunidade se deve exclusivamente ao fato de que, neste caso, se trata notadamente de fusão a distância e freqüentemente de ampla envergadura.

A sina dos Nós, dos grupos, das sociedades inteiras é se mover não somente na esfera da complementaridade por dupla compensação, mas é igualmente se mover na esfera da ambigüidade que se exaspera facilmente em ambivalência.

As compensações verificadas entre Massa, Comunidade e Comunhão (os três graus de intensidade dos Nós) tomam freqüentemente um caráter de ambigüidade e até de ambivalência.

O primeiro aspecto dessa ambigüidade entre Massa, Comunidade e Comunhão, como graus de fusão em um Nós, é verificado em torno da extensão e da intensidade de fusão. Quer dizer, como já mencionamos quanto mais o volume das fusões parciais é mais amplo, menos elas são intensas.

No segundo aspecto, nota-se que a Massa, a Comunidade, e a Comunhão podem se afirmar uma por relação à outra, de uma só vez, como diminuições e como aumentos sucessivos de pressão.

Com efeito, a Massa (a fusão mais superficial) se apresenta à Comunidade (e esta à Comunhão) como um fardo e opressiva. Inversamente, a Comunhão se afirma como libertadora das pressões da Comunidade e com maior razão das pressões da Massa. Sublinha Gurvitch que isso se deve tanto aos graus da força de atração e de repulsão, exercidas por essas manifestações dos Nós sobre seus membros, quanto aos graus de participação destes últimos nas primeiras.

►Todavia, nosso autor admite que os focos de atração e de repulsão mudam de lugar (…). Quer dizer, a Comunhão tem tendência a estreitar não somente sua extensão, mas igualmente o conteúdo daquilo no que se comunga. Por sua vez, sobretudo quando é de ampla envergadura, a Massa se mostra amiúde mais generosa e mais rica em conteúdos postos em jogo do que a Comunidade, sobretudo do que a Comunhão. Então, a Massa se apresenta como libertadora das pressões da Comunidade e esta como libertadora dos estreitamentos opressivos das comunhões.

No terceiro aspecto da ambigüidade dialética tocando ainda a relação entre Massa, Comunidade e Comunhão, nota-se na análise sociológica que essas manifestações dão ensejo a contradições flagrantes nos juízos de valor.

Ou seja, como já o mencionamos, o que é libertação para os participantes sem reserva é ambivalência penível para os recalcitrantes e servidão para aqueles que ficam de fora, – advindo daí as contradições nos juízos de valor em um conjunto macrossocial relativamente às três manifestações dos Nós.

O quarto exemplo refere-se à aplicação do procedimento por ambigüidade dialética no estudo das relações com outrem. Já notamos que as relações mistas são aquelas onde alguém se aproxima se distanciando e onde se distancia se aproximando.

Sob o aspecto ativo, tratam-se das trocas, relações contratuais, relações de crédito, promessas diversas. Apesar do seu caráter fundado sobre a reciprocidade nota-se certa ambigüidade nessas relações. Elas implicam de uma só vez certa harmonia de interesses quanto à validade das obrigações previstas, e um conflito de interesses quanto à interpretação de suas cláusulas materiais e dos modos de sua execução.

Essa ambigüidade se exaspera em ambivalência quando essas relações com outrem de caráter misto tomam uma forma passiva, já que os indivíduos, grupos, sociedades (os Eu e os Outrem) são de uma só vez atraídos e repelidos uns pelos outros, sem que cheguem a se dar conta da parte de elementos negativos e positivos nessas confusões.

Além disso, que podem surgir antagonismos entre Eu, Outrem e Nós, assim como entre as manifestações de sociabilidade, os grupos e as sociedades globais – quer dizer, é possível a ruptura da reciprocidade de perspectiva ou da implicação mútua a que tais elementos tendem habitualmente.

Uma mudança sobrevinda em um Nós posto diante de um dilema imprevisto impulsiona certos Eu participantes seja a tornarem-se heterogêneos a esse Nós, seja a participarem de outros Nós. Ou então acontece que em um Nós, no lugar da Comunidade a que um Eu permanece fiel, é o elemento da Massa que se encontra acentuado.

►Quanto à tendência para a reciprocidade de perspectivas é a mesma manifestada habitualmente pelo individual e o social em todas as suas escalas: (a) – em nível dos Nós, onde um paralelismo se revela entre, por um lado, as pressões exercidas pela Massa sobre a Comunidade ou por esta sobre a Comunhão e, por outro lado, as pressões que no indivíduo mesmo o participante da Massa exerce sobre o participante da Comunidade, e este ultimo sobre o participante da Comunhão; (b) – em nível dos grupos, onde, à luta entre os diferentes agrupamentos em que o indivíduo participa, corresponde a fragmentação entre os diferentes Eu do mesmo indivíduo desempenhando nesses grupos os diversos papeis sociais. (c) – em nível das classes sociais e das sociedades inteiras, que elaboram seus critérios de harmonização da personalidade humana (é o chamado problema da “personalidade de base”) [4].

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O Esquema de Análise Diferencial em Microssociologia5].

►Apreciado nele mesmo, o esquema para a análise diferencial em microssociologiadistingue o seguinte:

1) – a sociabilidade por fusão parcial nos Nós, ou que se manifesta na participação nos Nós, cujos graus de intensidade são a Massa, a Comunidade e a Comunhão.

Na Massa, a pressão (“exterior”) do conjunto sobre os participantes é a mais forte dos três graus, e a atração (“interior”) do Nós é a mais débil; na Comunidade prevalece a média e na Comunhão ocorre o inverso da Massa, de tal sorte que o volume desta última pode ter uma expansão quase ilimitada, enquanto a Comunhão se estreita para manter a força e a profundidade da fusão em um Nós.

2) – a sociabilidade por oposição parcial em um Nós, ou que se manifesta nas relações com outrem, sejam relações interpessoais ou relações entre Eu, Tu, ele, sejam relações intergrupais.

É na fusão nos Nós que se afirma a tomada de consciência da unidade relativa desse Nós e do mundo de significados práticos ou mundo de realidade que desse modo se abre. O Nós revela-se a expressão concreta da consciência coletiva.

Vale dizer, sem o estudo dos Nós restaria inacessível um imenso conjunto de significados, notando-se a grande riqueza que a descoberta desse mundo de significados microssociológicos aporta à sociologia do conhecimento, à da moral, à do direito etc.

No plano das relações com outrem, todavia, a unidade resta inconsciente, já que os juízos, as idéias, os símbolos atualizados neste plano se reduzem aos horizontes de sócios e reproduzem as significações que têm sede em um Nós, em um grupo, em uma classe, ou em uma sociedade global.

Os doze planos da pesquisa microssociológica da variabilidade segundo a classificação de Gurvitch.

►Vimos que é pela microssociologia que se põe em relevo a variabilidade no interior de cada grupo, de cada classe, de cada sociedade global, de cada estrutura.

Na classificação de Gurvitch, a pesquisa microssociológica da variabilidade descobre doze planos, cujas coordenadas básicas são as duas espécies de sociabilidade mencionadas: a sociabilidade por fusão parcial nos Nós e a sociabilidade por oposição parcial em um Nós.

Cada uma dessas duas espécies microssociológicas se atualiza em três graus: 1) – os três graus de fusão nos Nós, correspondendo, como já mencionado, à Massa, Comunidade, à Comunhão, e 2) – os três graus de oposição parcial em um Nós, correspondendo por sua vez às relações com outrem por afastamento, às relações mistas, às relações por aproximação.

As relações com outrem são observadas desde o ponto de vista da dialética sociológica (complexa), sobretudo a dialética das três escalas – o microssocial, o parcial e o global, – sob os seguintes aspectos: (a) – como as relações variáveis que se manifestam entre os diferentes Nós, os grupos, as classes, as sociedades globais; (b) – como as relações que, em acréscimo, variam com a oposição entre sociabilidade ativa e sociabilidade passiva, sem deixar, todavia, de manter sua eficácia de conjuntos ou de quadros sociais, já que são componentes fundamentais da estruturação dos grupos.

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Resumo dos enunciados básicos de teoria sociológica diferencial:

►“As manifestações da sociabilidade, os grupos, as classes sociais, mudam de caráter em função das sociedades globais em que estão integrados; inversamente, as sociedades globais se modificam de cima a baixo sob a influência da mudança de hierarquia e de orientação das primeiras”.

►As manifestações da sociabilidade compreendem a Massa, a Comunidade, a Comunhão: os três graus de fusão ou participação nos Nós, fusão esta que não é somente a tomada de consciência da unidade relativa de um Nós, mas é também a de todo um mundo de significados, sendo nesta tomada de consciência afirmado o grupo em formação.

►A sina dos Nós, dos grupos, das sociedades inteiras é se mover não somente na esfera da complementaridade por dupla compensação, mas é igualmente se mover na esfera da ambigüidade que se exaspera facilmente em ambivalência.

►As manifestações da sociabilidade como fenômenos de mudança social se encontram “em diferentes graus de atualidade e virtualidade para combaterem-se, complementarem-se ou combinarem-se em cada unidade coletiva real”; são “os fenômenos sociais totais de caráter flutuante ou instável, freqüentemente espontâneos ou anestruturais”, mas que são “utilizados” pelos grupos em seus processus de estruturação”

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Rio de Janeiro, Fevereiro de 2009

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Leia meu ensaio “Crítica aos Paradigmas de Localização


[1] Cf Gurvitch: “A Vocação… – vol.1” op.cit, p.286.

[2] Ver Gurvitch et al.: “Tratado de Sociologia – vol.1 e vol. 2”, Porto, Iniciativas Editoriais, 1964 e 1968

[3] Ibidem.

[4] Gurvitch, Georges: “Los Marcos Sociales del Conocimiento”, trad. Mário Giacchino, Caracas, Monte Avila, 1969, 289pp (1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1966). Págs. 55 sq. Ver também do mesmo autor “Dialectique et Sociologie”, Paris, Flammarion, 1962, 312 pp., col. Science.

[5] Ib.Ibidem.

  1. […] Sobre o autor Jacob (J.) Lumier.|O Eleitor, a Democracia e o Voto Obrigatório no Brasil.|A Dialética Sociológica, o Relativismo Científico e O Ceticismo de Sartre: Aspectos Críticos de um debate atual do século XX.|Charter of Principles of the World Social Forum _WSF (FSM)|LITERATURA E POLÍTICA NO SÉCULO VINTE: a aspiração aos valores como afirmação do caráter político na Leitura sociológica da obra literária de James Joyce.|A Experiência da Laicização na Origem da Técnica e da Moralidade Autônoma.|Sobre a Crítica da Cultura.|A Utopia do Saber Desencarnado, a Crítica da Ideologia e a Sociologia do Conhecimento.|As Aplicações da Sociologia do Conhecimento.|Direitos Humanos, Direitos Sociais e Pluralismo.|A Sociologia da Literatura nas Relações Humanas.|Partido Socialista Obrero Español – PSOE: Modernização e Democracia|A Microssociologia na Formação dos Grupos Sociais e seus efeitos sobre as Estruturas Sociais.| […]

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