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Utopia Negativa e Monólogo: Notas para a Sociologia da Literatura.

In history, Politics, portuguese blogs, twentieth century on December 21, 2008 at 1:51 pm

©2008Jacob(J.)Lumier


Utopia Negativa e Monólogo: Notas para a Sociologia da Literatura
por
Jacob (J.) Lumier
Websitio Produção Leituras do Século XX – PLSV


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A utopia negativa de que nos fala T.W. Adorno (1) tomada como horizonte crítico da cultura burguesa descobre a referência básica da sociologia literária na pesquisa sobre a ambigüidade do romance como técnica de comunicação e exige verificar a situação do romance em face da realidade no momento antirrealista do romance.

Neste quadro se compreende a arte de Proust.  É preciso pois ter em vista que o monólogo interior é uma resposta à situação do romance em face da realidade no momento antirrealista do romance.  Bem entendido: o monólogo interior como conhecimentos do homem experiente ou experimentado, suas recordações, e o valor humano exemplar das lembranças prousteanas que escapam ao sistema e são mais do que impressões subjetivas.

A arte de Proust serve de contraponto para aprofundar o universo da utopia negativa, sobretudo serve de referência ou ponto de vista na desmontagem da ideologia do futurismo, originalmente segregada no bem conhecido romance de Aldous Huxley “The Brave New World”e, impondo a mensagem de perpetuação do sistema, já integrada na cultura de massa.

Do ponto de vista da arte de Proust só é possível chegar à recordação pelo monólogo interior. Personificada em sua realidade humana pelo narrador prousteano ou mesmo para-além dele, a arte de Proust atualiza o modo de ser do homme de lettres como sujeito social de conhecimentos, o homem no exercício experimental de suas recordações, por esta via vinculado ao Iluminismo e à liberdade de pensamento.

É o ponto de vista da recordação que, além de experiência não-generalizável, se exerce por um proceder experimental, por intenção tenteadora, a saber: na medida em que se experimenta como esperança ou desilusão, a recordação fornece o critério que confirma ou refuta para si mesmo as observações do sujeito como indivíduo humano.

Tal o caráter do monólogo interior na arte de Proust, caráter artístico criado pelo narrador prousteano como homem experimentado. Aliás, em favor desse entendimento é bom lembrar que a supressão do objeto do romance em face da reportagem no século XX implica e altera a posição do narrador que, por diferença do realismo literário do século XIX, não mais possui a experiência do conteúdo a ser narrado – situação essa classificada como crise da objetividade literária ou crise da possibilidade de narrar algo especial e particular.

Daí, da situação do narrador que não mais possui a experiência do conteúdo a ser narrado, afirma-se a compreensão de que o romance estava obrigado a romper com o positivo e apreensível e a assumir a representação da essência como das qualidades humanas.

Além disso, a supressão do objeto do romance por efeito cultural da preeminência da informação e da ciência leva à seguinte situação do romance do século XX: para permanecer fiel à sua herança realista e continuar dizendo como são realmente as coisas, o romance tem que se afastar de um realismo voltado para reproduzir apenas a fachada e tem que promover o equívoco desta. Seu verdadeiro objeto, já vislumbrado no século XVIII, vem a ser descoberto na contraposição entre os homens vivos e as petrificadas (ou mumificadas) relações, de tal sorte que a própria alienação se converte assim para o romance em meio artístico.

O procedimento narrativo do monólogo interior prousteano mostra-se conforme a exigência de suspensão da ordem objetiva espacio-temporal onde predomina a coisificação (2) ,  permitindo ao narrador fundar um espaço interior.


Será exatamente pela arte do monólogo que o mundo vai sendo arrastado ao espaço interior assim fundado e todo o externo se apresenta como um fragmento de interioridade: momento da corrente da consciência resguardado em face da refutação pela ordem do mundo alheio. Tal é a “técnica micrológica” que T.W. Adorno interpreta ao observar que todo o primeiro livro de Proust –Combray – não é mais do que o desenvolvimento das dificuldades que tem uma criança para dormir quando a mãe bonita não lhe deu o beijo de boa noite.


Portanto, se descobre em Proust o exemplo de uma maneira de proceder artístico para o autor literário evitar a pretensão de que, igual a uma reportage, sabe exatamente“como foi”, a “pretensão de conhecimento”, o gesto e o tom do “foi assim”, que o romance deve excluir. Daí o elemento da fantasia -“o quimérico” – na arte de Proust, no seu proceder micrológico, a saber: as significações da unidade do vivo fracionada em átomos.


Mas não é tudo. A asserção de que a alienação se converte em meio artístico para um tipo de romance cujo impulso é decifrar o enigma da vida externa, exige pôr em relevo além da fantasia a ambigüidade do romance como técnica de comunicação.


Quer dizer, no estudo da trajetória da ação dramática do romance há um avanço para a prevalência da relação com o leitor, em que se modifica seu papel limitado de realizar algo já realizado. Há uma mudança na técnica da ilusão, pelo que o papel de participar do caráter ilusório do conteúdo representado vai sendo suprimido na história literária conforme se passe de Flaubert para Proust, Gide, Thomas Mann ou Musil e desemboque no que T.W. Adorno chama “reabsorção da distância estética” (Cf. ibidem)


***
NOTAS
(1) –
ADORNO, Theodor. W.: “Notas de Literatura”, tradução Manuel Sacristán, Barcelona, EditoraAriel, 1962, 134 pp., ver págs. 109 sq. /// “Prismas: la Critica de la Cultura y la Sociedad”,tradução de Manuel Sacristán, Barcelona, Ariel, 1962, 292 pp. (Original em Alemão: Prismen. Kulturkritikund Gesellschaft. Berlin, Frankfurt A.M. 1955.

(2) – Isto é a coisificação como a outra face da desmitologização que se desenrola na base do processus de mediação próprio à sociedade de produção para o mercado. A separação irreversível da ciência e da arte está em correlação com a coisificação do mundo. Por isso, na sociologia crítica da cultura a análise da situação do romance do século XX leva à assertiva de que na transcendência estética se reflete o desencantamento do mundo.
©2008 by Jacob (J.) Lumier

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