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O campo da psicologia coletiva fenomenológica na Dialética múltipla de Ernst Bloch

In dialectics, history, sociologia, twentieth century on October 31, 2012 at 9:15 am

via O campo da psicologia coletiva fenomenológica na Dialética múltipla de Ernst Bloch.

Notas sobre Pré-capitalismo e Crítica da Cultura Tradicional Do ponto de vista das regiões mais vinculadas ao medievo

Por

Jacob (J.) Lumier

Este post dá sequência ao artigo “A Relativização Da Dialética No Marxismo E Na História Social“, publicado em SSF/RIO Fórum de Sociologia.

 

Intenções insatisfeitas

No desenvolvimento da dialética complexa com múltiplos níveis a posição de Ernst Bloch é impar. Da mesma maneira em que Bachelar introduziu a dialética complexa na análise do pensamento científico e Gurvitch a estendeu para a sociologia, Ernst Bloch é o pioneiro da relativização da dialética na critica histórica.

Isto significa uma mirada em que, sem deixar de estar inserida em âmbito sociológico, a psicologia coletiva adquire um contorno diferencial específico, em conformidade com o ponto de vista da ultrapassagem da época de modernização capitalista acelerada nas regiões mais arraigadas no medievo.

Elaborando sobre os materiais da cultura histórico-social, onde os fatos são descobertos com a mediação dos relatos de época, legados artísticos, literários, teológicos e, em especial, a herança do pensamento histórico-filosófico, Ernst Bloch examina as obras de civilização em alternativa a Max Weber, a partir da percepção do princípio cultural situado não sob a mentalidade de acumulação capitalista, mas no horizonte da marcha do gótico tardio e das insurgências camponesas aos séculos XV e XVI, de onde Ernst Bloch coloca em perspectiva crítica as formas pré-capitalistas e a sobrevivência do tradicional na modernização.

A psicologia coletiva é ali examinada sob a autonomia relativa das superestruturas em conjunto, mas, posto que a crítica histórica com múltipla dialética opere uma análise não limitada à contemporaneidade, a qual, aliás, é posta em questão, Ernst Bloch elabora uma psicossociologia (fenomenológica) voltada para elucidar a comunicação existencial.

Incluindo nessa dialética aberta para a não-contemporaneidade dentro do processus histórico as imagens formadas de sonhos passados, a análise desenvolvida por Ernst Bloch alcança as coleções de indivíduos, aqueles quadros em estado incerto que ainda não se diferenciam como grupos reais, incapazes de configurar uma consciência coletiva clara das relações com os outros grupos e com a sociedade global [ii].

Por se tratar de comunicação existencial, e por diferença da função simbólica propriamente social de que já comentamos, os simbolismos ali enfocados revelam caráter estético, já que são escavados na experiência originária de uma racionalidade posterior, onde os símbolos contemporâneos se diferenciam como presenças intencionalmente introduzidas e invocadas para indicar carências.

Quer dizer, a psicossociologia posta em obra na crítica histórica da modernização, como contemporaneidade, busca o concretamente utópico por trás dos simbolismos, e constata que as formas pré-capitalistas jamais realizaram os conteúdos visados do solar, do solo, dos “de baixo”, de sorte que estes focos do tradicional na cultura já guardam desde o começo a qualidade de intenções insatisfeitas.

A análise inovadora desenvolvida por Ernst Bloch surge ao estudar os anos vinte em acelerada modernização capitalista na Alemanha. Trata-se da coincidência no momento exterior da contradição dialética do mundo da produção, a saber: o opor não-contemporâneo do homem típico da pequena burguesia tradicional – o “Pequeno Homem” – que coincide com as manifestações residuais da sociedade antiga, sem implicar isto em correlações funcionais com as formas pré-capitalistas.

O meramente afetivo e emocional

Com efeito, o estudo dos Anos Vinte por Ernst Bloch se desenvolve a partir da percepção da desagregação dos valores chevaleresques feudais em detrimento da pessoa dos camponeses [iii] como levando à afirmação do princípio cultural da Igreja.

Deste ponto de vista descobre-se uma profunda ambigüidade e certa complementaridade no processus de abertura do mundo moderno, acentuadas com a obra devastadora da revolução francesa ao fazer desmoronar por completo a superestrutura das relações econômicas do passado remoto (patriarcal e comunitário) [iv].

Em conseqüência, afloraram na abertura do mundo moderno as seguintes situações:

(1º) – que a burguesia afirmou a vontade individual ao lograr um poder político e (1a) que esta mesma burguesia, em câmbio, permaneceu debilitada inclusive no aspecto de crença e reconhecimento público do seu modo de ser;

(2º) – que, nas regiões do mais tenaz reduto do medievo, como a Alemanha, esse Eu externamente liberado e a ascensão capitalista levaram não ao poder político, mas ao fracasso da vontade individual e à falta de escrúpulos do Estado autoritário. Surgido este, por sua vez, na seqüência de inumeráveis príncipes pavorosamente emancipados todos eles e na base da ausência de unidade econômica combinando-se à falta no país de maturidade política e à inexistência de uma entidade jurídica.

(3º) – com o desmoronamento da superestrutura de relações econômicas de um passado remoto, os demais países perderam a mentalidade comunitária;

(4º) – na Alemanha, essa mentalidade comunitária e até mesmo a profundidade do sentimento de interioridade herdado do gótico tardio e do afundamento na consciência coletiva do tabu sacramental, se subtraindo ao fracasso político, foram se refugiar no âmbito do meramente afetivo e emocional [v], aquém de toda a indispensável reciprocidade de perspectivas característica dos grupos reais – daí a psicologia coletiva fenomenológica típica do Pequeno Homem e o concretamente utópico, que sobressaem nas observações de Ernst Bloch sobre os anos vinte.

***

 

Primeira Parte

A tendência refratária ao ethos moderno, o homem tradicional do campo e a juventude.

Na análise crítica da cultura tradicional oferecida por Ernst Bloch se põe em relevo que a busca do existente, do diverso, do homem obnubilado [vi] como material artístico se efetua através da constatação de uma tendência refratária ao espírito da máquina e da racionalização.

O primeiro passo no estudo dessa tendência refratária atuando no capitalismo tardio da Alemanha dos Anos Vinte se faz a partir da descrição de certas espécies de vida social mais facilmente observadas por sua dificuldade de integração na modernização acelerada.

Para este fim, a análise utilizará com alcance sociológico a noção de espécie, aproveitando a procedência biológica deste termo que guarda o elemento muito antigo do ancestral.

Como conjunto ou coleção de indivíduos que se reproduzem, as espécies sociais se afirmam no campo micrológico da realidade da cultura não por um caráter coletivo, mas sim pela reprodução de um elemento muito antigo, ancestral, o caráter coletivo sendo tirado dos conjuntos mais amplos na superfície, em relação aos quais os primeiros diferenciam exatamente como espécies.

Uma espécie recomeça sempre e vem de muito longe, remarcando no homem tradicional do campo [vii] essa última qualidade de “vir de muito longe” (no sentido originário da história), enquanto a qualidade de “recomeçar sempre” é reservada à juventude, a qual será estudada, sobretudo no interior da classe burguesa [viii].

A atitude objetiva moderna da juventude burguesa na Alemanha dos Anos Vinte naquele tempo em ausência de intenção se mostrará apenas exterior.

Com efeito, a atitude objetiva moderna da juventude burguesa na Alemanha dos Anos Vinte, naquele tempo em ausência de intenção [ix] se mostrará apenas exterior. Ao invés do apego moderno ao pensamento analítico e aos cálculos, o que se observa é o antigo gosto das qualidades viris conquistadas do vigor e da franqueza; é o estilo apaixonado e ardente que aparecem mais fortes e valem mais do que as doutrinas.

Nota-se que as palavras exaltantes parecem mais exatas à juventude do que as palavras investigativas; os costumes parecem mais belos do que as cidades em modernização.

Os sonhos passados, compreendidos no sentido de atividade onírica in-dormida [x], se associam na juventude à inquietação orgânica de maneira propícia aos movimentos de exaltação personalista, como eram aqueles movimentos alheios à modernização compostos pela montage na burguesia [xi].

O modo de ser dos adolescentes leva-os a formar facilmente seus clubes procurando fazer amigos e buscando sobretudo um pai que frequentemente não é o seu verdadeiro pai, no sentido de comungar nos mesmos ideais. Os jovens eram seduzidos pela imagem feudal do herói chevaleresque das antigas ordens estamentais de chevalerie.

Portanto, tendo em conta os fanatismos de que era pródiga a Alemanha dos Anos Vinte, a análise crítica da cultura tradicional irá buscar nesse modo de ser dos adolescentes o exemplo que serve para compreender como a juventude era fácil de seduzir para ingressar em pequenos grupos com um líder conhecido no topo.  Por esta via, destaca-se a facilidade dessa juventude burguesa alemã em deixar-se seduzir para participar em associações com juramento de sangue como então havia e aparecia como anormal para a grande burguesia.

Em sua obra “Le Príncipe Espérance”, a função utópica é estabelecida no conhecimento filosófico como pulsão imprescindível à autoconservação, sendo a partir dessa compreensão que Ernst Bloch a classificará na extensão do desejo de ser mais bem aquinhoado, o qual resta em fato e necessariamente irrealizado no estado de atenção, base fenomenológica de toda a comunicação existencial.

Quanto ao exame na paysannerie germânica dessa tendência refratária ao ethos da máquina e da racionalização será não a inquietação orgânica seduzindo para a exaltação personalista, que acabamos de ver em relação à juventude, mas antes o apego ao solo antigo que se imporá como elemento ancestral.

Neste ponto cabe sublinhar o alcance filosófico das análises em exame. Trata-se de estabelecer a eficácia diferenciada em nível das superestruturas dos sonhos passados como atividade onírica in-dormida e, por esta via, preparar o estudo da função utópica.

Com efeito, no realismo estético a função utópica é enfocada como qualidade que em estado de princípio cada ser humano pode encontrar nos Nós que apreende em sua sociabilidade e que por este mesmo estado de princípio, isto é, por aspiração, a arte pode pôr no horizonte que lhe é essencial.

Em sua obra de 1954, intitulada “Le Príncipe Espérance[xii], a função utópica é estabelecida em conhecimento filosófico como pulsão imprescindível à autoconservação, sendo a partir dessa compreensão que Ernst Bloch a classificará na extensão do desejo de ser mais bem aquinhoado.

Por sua natureza gestante, o desejo de ser mais bem aquinhoado jamais se completa, é permanente em sua não-complementação, restando em fato e necessariamente irrealizado no estado de atenção, base fenomenológica de toda a comunicação existencial [xiii].

Em consequência, paralelamente às imagens simbólicas ideais em que a sociologia estuda a moralidade ideológica, haverá que distinguir aquelas outras que, ultrapassando-as, devem ser compreendidas como imagens-aspiração (o herói chevaleresque, as formas góticas dos mobiliários, solares e mansões rústicas, por exemplo). Nestas se incluem as imagens formadas de sonhos passados, as imagens diferenciadamente formadas pelo elemento onírico da arte que integram o ideal estético realista ou entelequial (no sentido de causa final originária), sendo exatamente os sonhos passados que segregam o critério para a não-contemporaneidade.

 

O problema crítico da cultura tradicional é saber a que se deve o enraizamento obstinado da paysannerie germânica como espécie social com lastro na ambiência cultural do gótico tardio legado dos séculos XV e XVI [xiv].

Todavia, não se pensa que os conhecimentos sociológicos restam desatendidos na abordagem pelas imagens-aspiração do gótico tardio. A análise da paysannerie germânica (campagnard) tem conta daqueles bem conhecidos aspectos sociológicos relevantes da sobrevivência do modo de produção pré-capitalista, tais como: ser a paysannerie uma classe possuidora dos próprios meios de produção; utilizar ela as máquinas agrícolas fazendo-o, porém no quadro antigo extensivo à herdade, ao solar e à terra de semeadura ao seu redor; o desconhecimento em tal ambiência tradicional da figura do fabricante capaz de introduzir o ofício de tecer mecânico e as atividades manufatureiras correspondentes; neutralização das oposições econômicas entre explorados e exploradores devido ao desempenho do papel de patriarca ativo pelo paysan rico apesar das diferentes relações de propriedade, etc.

Acesse o artigo completo em datorformarum’s Blog

O campo da psicologia coletiva fenomenológica na Dialética múltipla de Ernst Bloch